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Car Culture

Lendas de Le Mans: Mercedes-Benz W194, o vencedor que deu origem ao 300SL “Gullwing”

No início dos anos 50 o mundo ainda estava se recuperando dos prejuízos da Segunda Guerra e, como várias outras fabricantes de automóveis, a Mercedes-Benz finalmente começou a ensaiar sua volta às corridas. Àquela altura, havia duas opções: os Grandes Prêmios da Fórmula 1, nos quais a Mercedes já tinha certa tradição com as chamadas “flechas de prata” nos anos 30 (leia a história aqui); ou as corridas de longa duração, incluindo as 24 Horas de Le Mans. Por questões de custo, a Mercedes-Benz escolheu Le Mans – e conseguiu desenvolver o carro perfeito para subir ao topo da categoria logo de cara: o 300SL W194, a Lenda de Le Mans de hoje.

A estratégia da Mercedes era simples: chegar sem fazer muito barulho e surpreender. Assim, foi uma surpresa considerável para a concorrência ver três cupês prateados com a marca das três pontas na dianteira – protótipos desenvolvidos especialmente para aquela temporada do Mundial de Carros Esporte (o antecessor do atual WEC), cujo visual e desempenho jamais deixariam qualquer desconfiança de que aqueles carros eram frutos de um projeto feito com orçamento reduzido, aproveitando a mecânica de um sedã de luxo para criar o novo carro de corrida.

1952 Le Mans start

O prestígio de uma vitória em Le Mans era comparável ao de um título na Fórmula 1, mas por uma fração dos custos – até por que não era preciso levar o título para casa; bastava vencer a corrida mais importante de todas, na França. Além disso, o regulamento para Le Mans era praticamente o mesmo todos os anos, enquanto na F1 as regras mudavam o tempo todo. Preferindo apostar no que era certo, a Mercedes fez a escolha certa.

Para isto, era preciso fazer muito com pouco. O motor, por exemplo, deveria ter sido desenvolvido especialmente para o carro e entregar 200 cv. Contudo, o melhor que havia era um seis-em-linha de três litros vindo do Mercedes 300 “Adenauer”, com comando de válvulas no cabeçote e alimentado por três carburadores Solex de corpo duplo, com potência de, no máximo, 180 cv. Não havia jeito: era o máximo que poderia ser feito com um motor já pronto. Assim, a falta de potência deveria ser compensada, e a chave estava na redução de peso.

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Era especialmente importante porque o próprio conjunto mecânico era relativamente pesado. Assim, Rudolf Uhlenhaut, engenheiro-chefe da Mercedes e encarregado do projeto, concentrou-se em tornar a estrutura e a carroceria tão leves quanto fosse possível. O resultado: 1.127 kg na balança, e uma velocidade máxima de 290 km/h.

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Usar o chassi do sedã 300 estava fora de questão – era pesado e antiquado demais. Em vez disso, foi desenvolvido um chassi tubular (algo que Uhlenhaut já imaginava havia anos) extremamente rígido e leve (pesava menos de 50 kg), que foi coberto com uma carroceria de alumínio com painéis moldados à mão. As portas já abriam para cima, e o piloto entrava no carro por cima das soleiras (o volante podia ser removido para facilitar a tarefa), e originalmente havia um freio aerodinâmico instalado no teto – contudo, os suportes não eram resistentes o bastante para aguentar uma corrida de 24 horas.

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As linhas eram curvas, soltas e desprovidas de qualquer tipo de vinco, tudo pra fazer o carro deslizar pelo ar com mínima resistência. Pela mesma razão a área envidraçada era a mais estreita possível; e o motor era instalado com uma inclinação de 50°, permitindo que o capô fosse bastante baixo e, com uma área frontal de apenas 1,8 m², o W194 tivesse coeficiente aerodinâmico de apenas 0,25.

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O fato é que três carros foram colocados para competir nas 24 Horas de Le Mans de 1952 – três dos onze exemplares fabricados naquele ano. E não podia ser uma estreia melhor, pois com eles, a Mercedes-Benz garantiu uma dobradinha: na frente, o carro de Hermann Lang e Fritz Riess; logo atrás, Theo Helfrich e Helmut Niedermayer, sendo que o carro vencedor percorreu 3.733,8 km em 277 voltas, a uma velocidade média de 155,575 km/h – um novo recorde. O terceiro carro, pilotado por Karl Kling e Hans Klenk, abandonou a corrida por problemas mecânicos.

Depois de pegar todos de surpresa em Le Mans, o W194 seguiu competindo e conseguiu vitórias em Nürburgring e na Carrera Panamericana (corrida semelhante à Mille Miglia e à Targa Florio, porém disputada no México), além de conquistar o segundo e o quarto lugares na Mille Miglia – tudo em 1952.

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Sua campanha bem-sucedida foi a principal razão para que, em 1954, a Mercedes-Benz apresentasse o cupê 300SL. Basicamente uma versão de rua do W194, aproveitando boa parte das linhas (porém, com uma dose extra de refinamento) e o modo de construção do carro de corrida, o 300SL era, na verdade, mais potente que o modelo de competição: seu seis-em-linha de três litros entregava 215 cv, garantindo um desempenho espetacular para sua época, com velocidade máxima de 235, 250 ou 260 km/h dependendo da relação final do diferencial.

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Foram fabricadas 1.400 unidades do 300SL cupê e 1.858 unidades do roadster (que, óbviamente, não tinha asas de gaivota). Poucos são os exemplares que sobreviveram ao teste dos anos – apesar de ser um carro extremamente robusto e bem construído, muitos deles foram convertidos em carros de corrida e se aposentaram nas pistas.

A Mercedes-Benz só voltaria a Le Mans em 1955 – e seu novo carro, o 300SLR, se envolveu na tragédia que matou 83 espectadores e o piloto da Mercedes Pierre Levegh naquele ano, da qual vamos falar em um próximo post!