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Car Culture

Lendas de Le Mans: Jaguar D-Type, o sucessor do C-Type e pai do XKSS

Com o C-Type, a Jaguar conseguiu vencer Le Mans em 1951 e em 1953. E quem vence mais de uma vez demonstra que não foi questão de sorte, mas sim de mérito. Sucesso, como dizem, é constância, e era exatamente essa constância que a marca britânica precisava mostrar depois de chegar ao topo da prova de endurance mais importante do mundo. A questão era como fazer isso. O C-Type já mostrava envelhecimento diante dos concorrentes e precisava ser substituído. O que veio foi uma revolução não só para a marca, que se saiu melhor do que a encomenda, mas também para o mundo das competições. Seu nome era D-Type.

O modelo foi desenvolvido durante 18 meses, a partir de janeiro de 1953, enquanto seu antecessor ainda fazia sucesso nas pistas. Antes de sua apresentação oficial, ele havia aparecido para o mundo em duas ocasiões.

Na primeira, em maio de 1953, o protótipo de chassi XKC 401, um híbrido do C e do D-Type, foi levado a Le Mans e, dirigido por Tony Rolt, um dos pilotos oficiais da equipe Jaguar. Na ocasião, Rolt baixou o recorde da pista em cinco segundos.

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O XKC401 em Le Mans

Na segunda, em outubro de 1953, a Jaguar levou um XK120 e o protótipo para um trecho reto de estrada com pouco mais de 3 km em Jabbeke, na Bélgica. O XK120 quebrou o recorde de velocidade da pista para veículos de produção ao atingir 277,45 km/h. Um feito notável na época, mas não comparado ao protótipo, que chegou aos 286,95 km/h. Discreta, até para não alertar a concorrência, a Jaguar não fez nenhum alarde dos feitos.

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Como herança o D-Type final recebeu algumas coisas de seu antecessor. Os freios a disco nas quatro rodas, presentes na última edição do C-Type, eram uma vantagem competitiva importante demais para ficar de fora.

Desenvolvidos em parceria com a Dunlop, que trabalhou com a Jaguar para adaptar freios a disco de aviões nos automóveis, eles foram a primeira contribuição de Malcom Sayer à marca do Leaping Cat. Este engenheiro aeronáutico, contratado por Sir Williams Lyons, fundador da Jaguar, seria também o pai do desenho final do D-Type.

Os freios e sua eficiência, por outro lado, foram determinantes no pior acidente da história do automobilismo mundial, que aconteceria na edição de 1955 das 24 Horas de Le Mans —  e que vamos contar em um post à parte.

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O motor XK6, de seis cilindros em linha e 3,4 litros, também veio do C-Type, ainda que bastante aperfeiçoado. Três carburadores Weber DCO3 de corpo duplo e um novo comando de válvulas (que era duplo e ficava no cabeçote) ajudaram o motor a gerar 245 cv a 5.750 rpm.

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Sua principal característica, contudo, era o cárter seco desenvolvido pelo engenheiro-chefe da Jaguar, Willian Haynes, e por Walter Hassan, um ex-engenheiro da Bentley. É um dos primeiros de que se tem notícia e foi criado por uma razão simples: diminuir a área frontal do D-Type, com a vantagem colateral era garantir a lubrificação mais eficiente nas altas velocidades. Essa diminuição era um dos objetivos principais de Sayer, preocupado com a aerodinâmica do veículo. Mas não foi apenas isso que o engenheiro trouxe do mundo aeronáutico.

O D-Type foi um dos primeiros modelos de corrida do mundo a adotar a estrutura monocoque. Em vez de um chassi sobre o qual a carroceria era apoiada, a própria carroceria fazia parte da estrutura do carro, o que o tornava muito mais leve e mais rígido. O peso em ordem de marcha do D-Type era de apenas 840 kg. Parte desse mérito estava na liga de magnésio que foi usada para construir partes da carroceria, do monocoque e da suspensão. Cara de fazer e ainda mais de consertar, essa liga foi substituída em 1955 por alumínio e aço.

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Em sua primeira prova, o D-Type era tão novo que chegou ao circuito de La Sarthe sem pintura. Havia três unidades, que seriam dirigidas pelas duplas Stirling Moss e Peter Walker, Peter Whitehead e Ken Wharton e Duncan Hamilton e Tony Rolt. Só esta última completou a prova. A dupla Whitehead/Wharton ficou pelo caminho com problemas de câmbio, enquanto Moss/Walker abandonaram por quebra. Hamilton e Rolt tiveram problemas com o filtro de combustível, entupido, mas ainda conseguiram voltar à corrida e terminá-la a apenas um minuto e 45 segundos atrás da Ferrari 375 Plus do argentino José Froilán González, vencedor daquele ano.

Ainda que demorasse mais a acelerar do que a Ferrari, o D-Type tinha maior velocidade final: chegou a 278,1 km/h na reta Hunaudières, logo antes da curva Mulsanne, contra 257,7 km/h da Ferrari. Era o momento de fazer melhorias.

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Foto: Desert Motors

Elas vieram na forma de válvulas de admissão maiores (eram apenas duas por cilindro, a de admissão e a de escape), cabeças de pistão assimétricas, para acomodar as novas válvulas e um nariz mais longo, para melhorar a aerodinâmica.

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Na prova de 1955, a Jaguar inscreveu novamente três D-Type. O único que a concluiu foi o carro que a venceu, pilotado por Mike Hawthorn e Ivor Bueb. Foi uma vitória amarga, provavelmente devida ao terrível acidente daquele ano, que envolveu a Mercedes-Benz 300 SLR de Pierre Levegh. A Mercedes-Benz, que estava duas voltas à frente dos Jaguar, com Juan Manuel Fangio e Stirling Moss, preferiu desistir da corrida em respeito às vítimas. Convidada a fazer o mesmo, a Jaguar declinou.

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Em 1956, a equipe Jaguar voltou à prova com o mesmo time de três carros, praticamente os mesmos D-Type do ano anterior. Mas a melhor colocação que conseguiu foi a sexta, com os vencedores da prova de 1955. Mas não dava para reclamar. O vencedor também foi um D-Type, inscrito pela equipe Ecurie Ecosse, dos pilotos Ninian Sanderson e Ron Flockhart. Os outros dois Jaguar da equipe oficial não terminaram a corrida. E a fabricante saiu das competições.

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Os D-Type que ainda não haviam sido usados em corridas foram modificados para poderem ser vendidos para corridas nos EUA em categorias de veículos de produção. Ganharam banco de passageiro, para-brisa, limpadores de para-brisa, para-choques, capô, janelas laterais e uma segunda porta. Isso permitiu que eles rodassem legalmente pelas ruas e lhes deu o novo nome de XKSS.

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Steve McQueen tinha o seu XKSS

Em 12 de fevereiro de 1957, a fábrica de Browns Lane pegou fogo e destruiu 9 dos 25 XKSS que ainda estavam em montagem. Como todo o ferramental do carro também se perdeu, este foi o fim do XKSS, apesar de a Jaguar ter posteriormente convertido dois D-Type em XKSS.

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1957 foi o último ano de triunfo dos D-Type em Le Mans, mas a saideira teve dobradinha. De novo com a Ecurie Ecosse, dirigido pelos pilotos Ron Flockhart e Ivor Bueb. O motor do vencedor, porém, era um 3.8, em vez do 3.4 dos anos anteriores. Este continuou presente no segundo D-Type da equipe, dirigido por Ninian Sanderson e John Lawrence, que chegou em segundo lugar, oito voltas atrás do vencedor.

Em 1958, uma regra limitou os veículo a motores 3.0, o que tirava o D-Type e seus motores 3.4 ou 3.8 da jogada. Apesar de não competir oficialmente, a Jaguar desenvolveu um 3.0 para ser usado pelos D-Type nas edições de 1958, 1959 e 1960. Nos dois primeiros anos, o motor não foi suficientemente resistente. Em 1960, ele já não era mais competitivo.

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Ao todo, foram feitos 18 carros para a equipe de competições Jaguar, 53 para outros times e compradores e 16 XKSS. Cada D-Type custava 3.663 libras esterlinas. Quase 60 anos depois, isso equivaleria a 85 mil libras esterlinas, mas, pela raridade e pela história, nenhum D-Type pode ser comprado por menos de 2 milhões de libras. E a tendência é que os preços fiquem ainda mais altos nos leilões. Afinal, quem tem um D-Type na garagem não tem apenas um veículo à frente de seu tempo. Tem também um importante pedaço da história automotiva mundial.