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Project Cars Project Cars #140

Project Cars #140: equipando um Engesa 4 para cruzar a América

Se eu tivesse de definir o que é ter um Engesa como carro de uso diário eu diria que é como conviver com uma criança de dois anos. Só faz barulho, só faz sujeira, mas se alguém tentar tirá-la de você é caso de morte. Frases do tipo “ele se comportou bem hoje, até fui ao mercado com ele”, não são incomuns.

Existem algumas razões para isso. Muitos dizem que a Engesa foi o ápice da engenharia brasileira. Se isso for verdade, então os pobrema são dois — em termos de projeto esse jipe tem vários defeitos no uso civil, lembrando sempre que ele é um veículo militar sem aspirações de ser um Range Rover.

O primeiro é que a diferença no ângulo entre a barra Panhard e a barra de direção fazem com que o carro originalmente seja um caçador de frango. O eixo original dianteiro, Dana 30, é até bom para os pneus originais 7.50×16, porém, qualquer uso off-road exige pneus maiores que isso — bem maiores. Por isso ele acaba muito sujeito a quebras quando exigido em condições diferentes do projeto original. Outro problema é a ausência de caixa redução; o Engesa original tem um câmbio Clark 240v com a primeira modificada para atuar como uma marcha reduzida.

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O grande trunfo do Engesa, por outro lado, é sua suspensão helicoidal com um curso longo. Esse jipe sempre encontra tração em algum lugar, é impressionante vê-lo em ação num lamaçal ou erosão. Para um Engesa atolar a situação tem de ser muito ruim, e não há Troller, Toyota ou Willys que tenha desempenho igual. Isso explica também a extrema valorização destes jipes. É praticamente impossível achar um Engesa barato, e se você se achar, procure um mais caro, porque vai custar menos para fazê-lo andar bem. Os Engesa semelhantes ao meu hoje estão na casa dos R$ 60.000, e o Marruá, que é o Engesa zero km feito pela Agrale custa R$ 140.000. Só o exército compra.

Então, entrando nas modificações do meu Engesa rapidamente, o motor original era quatro-cilindros de Opala. Fiz um upgrade para um Maxion S4T plus com uma turbina um pouco mais nova que me deu 156 cv e 48 mkgf  rodando 11 km/l. Nos eixos, acabei optando por um powertrain completo do Toyota Bandeirante, com câmbio de quatro marchas, caixa de redução e transferência e eixos da última geração da Bandeirante. É uma receita bem segura, onde a durabilidade é a métrica. Porém, a escolha desse conjunto é também voltada ao meu plano de expedição.

O Bandeirante é o jipe mais comum de toda América Latina, com um mercado de peças pleno em qualquer país que eu decida visitar, e o Maxion S4T foi desenvolvido originalmente pela Massey Ferguson — é muito comum achar tratores com esse motor em qualquer lugar. Portanto, este é um conjunto que me desobriga a levar um estoque de peças de manutenção. Não será preciso, por exemplo, levar um conjunto de anéis de pistões ou caixa de planetária.

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Há outros aspectos sobre preparar um carro para expedição, como transformá-lo num local de convivência. Afinal o carro terá que servir de guarda-roupas, cozinha… mas isso é assunto para um outro post. Por enquanto vou me concentrar em acertar a mecânica para encarar o frio.

Nos pneus adotei balanceadores dinâmicos pela melhor eficiência no conjunto. É muito legal ver como estabilizam o pneu depois de atingir uma dinâmica de giro constante. Isso é importante pois a variação de temperatura afeta esta regulagem. Ao passar a noite na neve a condensação interna no pneu muda sua forma, o frio baixa a pressão dos pneus ao ponto de eles parecerem murchos, e ao voltar a rodar essa pressão se estabiliza devido ao maior calor gerado pelo “pneu murcho”. Então o balanceamento das rodas se altera completamente dependendo do período do dia.

Para garantir a visibilidade comprei palhetas de limpador novas antes de pegar a estrada, adicionei anti-congelante no reservatório do lavador dos vidros. Quanto às luzes, optei por um conjunto de faróis de LED com 120 w gerando 10.540 lumens em adição aos atuais H4 bi-xenon já existentes.

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Quanto à alimentação do motor, o ciclo diesel tem uma vantagem: mesmo congelado ele se torna uma espécie de graxa, e não uma pedra. Então comprei um aquecedor movido àqueles pequenos bujões de propano que se usa em lampiões antigos para aquecer o tanque quando necessário. Além disso, também comprei algumas latas de álcool isopropílico em spray, usado para limpar placas e equipamentos eletrônicos, que você pode espirrar nas linhas de combustível para dissolver qualquer gelo que tenha se formado.

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Além disso, o S4T já é um sistema mais moderno que os primeiros motores diesel com bicos aquecidos, então adicionei uma vela aquecedora movida à querosene para que a partida tenha um auxílio extra. Outro ponto também é que se vocês reclamam da gasolina, é por que nunca tiveram que abastecer com essa droga de BioDiesel que vendem por aqui. Numa boa, sou a favor de qualquer coisa que seja para melhorar o meio-ambiente, mas vocês já pensaram em colocar um combustível que apodrece em 15 dias no tanque? Já imaginaram ter óleo de fritura usado no seu tanque? É com isso que adulteram o nosso diesel, e nossos filtros entopem com borras que ficam flutuando no tanque. Com isso tive de colocar um filtro Racor extra na saída do meu tanque, aqueles de decantação que tem um copo para você jogar fora o que não presta. A cada três dias forma-se 2 cm de borra decantada nele.

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No frio a dica mais básica é viver com o tanque cheio, afinal, é mais difícil de congelar um volume maior de líquido. Sempre antes de dormir tente encher o tanque.

Nos freios troquei os fluidos pelo Dot4 ATE que se mantém fluido até -40ºc. Espero não passar deste ponto. Fora isso, é muito mais seguro que se use o câmbio como freio de estacionamento por não haver risco de congelamento do fluido, causando a parada do carro, afinal o fluido vai se misturar com água durante o uso do sistema.

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A parte elétrica precisou de atenção, também, pois baterias e frio extremo são coisas que não combinam. Pretendo comprar uma manta térmica, ou material similar para tentar manter a bateria com alguma carga pela manhã. Além disso, vou instalar uma chave geral para que não haja roubos de carga por nenhum equipamento. E claro, levarei o bom e velho cabo de chupeta. Além disso estou instalando um sistema de 110 volts para manter alguns equipamentos, mas isso é para outro post.

Refrigeração: ainda em estudo se consigo trazer alguns galões de Evans Waterless Cooler. Que exige a troca de toda água do sistema por este líquido que não é baseado em água, não congela e não ferve. Mas é complicado importar isso dos EUA. Se não der certo tentarei usar alguns aditivos específicos para o frio e altitude. O maior problema de cruzar os Andes com um veículo destes é que na altitude de 4.300 m a água vai ferver perto de 60ºC. ou seja, quanto menos água no sistema, mais garantia de que não haverá pressão excessiva nas mangueiras e que sempre haverá um líquido capaz de refrigerar o sistema.

Quanto às vedações, usarei KPO em tudo que é fresta. Borrachas devem ser lubrificadas com WD-40 ou dispersante de água similar, assim como maçanetas. A água pode condensar e travar o mecanismo.

Tá pensando que subir o Aconcágua de carro é moleza? Vai lá…

 

E agora um pouco de conforto

Eu tinha uns bancos concha que eu odiava. Um dia o Rod do DKC foi fazer uma trilha comigo. Uns 15 dias depois ele me liga e diz que tem um amigo interessado nos meus bancos e se eu os venderia. Honestamente, pra mim aquilo era lixo. Mandei o endereço da oficina que meu jipe estava, recebendo o novo motor, e 20 minutos depois me liga um cara dizendo: “Olha, eu te dou dois bancos de Audi A3 na troca, o que mais você quer?”. Só falei pro meu mecânico: “Desmonta logo antes que ele mude de ideia”.

Sem saber eu que tinha dois Recaro A8 de competição no jipe, que vão pro Corrado dele. O Arved é meu vizinho, virou um bom amigo, e pra ambos foi o melhor negócio possível. Agora estes bancos estão anunciados novamente porque comprei um conjunto de bancos de Windstar, conforto é primordial para 12.000km de estrada.

O rádio agora tem, mp3 e tudo mais, antes nem teto tinha. Sim. Isso por que os Engesa não têm teto, 99% usa capota de lona, que não serviria pro meu caso. Comprei uma Envemo original do carro, linda, ainda veio uma Dachshund de troco. Então, agora tem até vidro elétrico. O ar-condicionado é o próximo item a ser instalado no carro. Até o fim do ano vem.

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Ainda Consertei o desalinhamento entre as barras Panhard e de direção, tendo de fazer um rebaixo de 1,5” no braço Pittman, subir 2” no suporte da barra de direção no lado inferior. Fiz sob encomenda um jogo de coroa e pinhão com 26% de alongamento na relação original, foi de 10×37 para 12×35, que envolveu muitas horas de torno. E por isso reduzi os pneus de 35×12,5r15 por 285/75/17 visando uma melhor estabilidade do conjunto. Usando rodas de Hilux aro 17.

Chega de escrever por hoje. Depois vem mais… ainda sobre a mecânica. Até lá!

 

Por Guilherme Netto, Project Cars #140

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