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Técnica

6 trapaç… “soluções criativas” de Smokey Yunick para inspirar seu Project Car

Quando se fala em brechas de regulamento e engenharia criativa, o nome de Nelson Piquet é um dos primeiros que vêm à mente — ao menos dos fãs brasileiros de automobilismo. Mecânico tarimbado, Piquet driblou os regulamentos de todas as formas possíveis com soluções criativas e, muitas vezes, sacanas.

O pré-aquecimento de pneus, por exemplo, foi ideia dele ainda na F3. Usando cobertores e aquecedores de ambiente, ele elevava a temperatura da borracha, calçava os carros com os pneus aquecidos e já saía abrindo tempo enquanto todos ainda estavam aquecendo seus pneus. Mais tarde, na F1, ele também fez funcionar as barras estabilizadoras ajustáveis e inventou o hilário “arrefecimento líquido de freios”, uma artimanha para reduzir o peso do carro sem infringir o regulamento, que pesava o carro com todos os reservatórios preenchidos. Na primeira volta ele abria a válvula de “arrefecimento líquido” dos freios e despejava os 20 litros de água nos discos. Em poucos segundos o carro ficava 20 kg mais leve e, claro, muito mais rápido.

Mas Nelson Piquet não foi o pioneiro da engenharia criativa — quase cômica — do automobilismo. O precursor das soluções pouco ortodoxas para contornar o regulamento foi um cara chamado Henry Yunick — Smokey Yunick para os íntimos. Talvez ninguém tenha explorado a semântica dos regulamentos tantas vezes e com tanta ousadia quanto este americano. E você pode se inspirar nestas soluções para seu project car ou para os track days.

 

“Solução criativa” nº 1: a bola de basquete no tanque

O que era? Usar uma bola de basquete para camuflar um tanque de combustível maior que o permitido pelo regulamento.

Como funcionava? Smokey instalou no carro um tanque maior do que era permitido mas, antes da inspeção técnica, ele inseriu uma bola de basquete murcha no reservatório e encheu a bola. Quando os fiscais de prova encheram o tanque com o volume máximo permitido, o espaço ocupado pela bola fez com que o tanque parecesse ter o volume legal. Aprovado pelos fiscais, Smokey levava o carro para os boxes, esvaziava a bola, a retirava do tanque e ganhava uns bons litros de volume extra de combustível.

Qual a vantagem? Esta é clara: mais gasolina, mais tempo na pista. Parece pouco, mas uma bola de basquete tem pouco mais de sete litros de volume quando inflada corretamente. Sete litros são suficientes para que um carro de corrida complete entre duas e cinco voltas em uma pista de comprimento médio (entre 3 e 5 km) — suficiente para tomar uma boa vantagem sobre o pessoal do tanque menor.

Como você pode tirar proveito disso? A menos que você esteja competindo, não adianta muito ter uma bola de basquete dentro do tanque. Mas objetos dentro de reservatórios de fluidos podem ser uma boa pedida se estes objetos forem defletores instalados para evitar a cavitação — isto é: a queda brusca de pressão hidráulica pelo movimento do fluido no reservatório.

No caso do cárter, sem defletores, a aceleração longitudinal (arrancada, frenagem) e lateral (curvas) podem deslocar o lubrificante para longe do pescador da bomba, o que a faz sugar vapor, reduzindo a pressão e tornando a lubrificação deficiente. Vez ou outra isso não é um problema grave, mas em uma corrida ou track day, que têm dezenas de voltas e centenas de curvas com alta aceleração lateral, você pode fundir o motor por falta de lubrificação.

Com o tanque de combustível não é diferente: defletores ajudam a manter o combustível sempre próximo à bomba para que ela não faça a sucção de vapores, o que superaquece a bomba (pois ela usa o próprio combustível para seu arrefecimento) e pode fazer o motor falhar pela falta de volume adequado na câmara de combustão. Além disso, por trabalhar com a mistura empobrecida pela redução do volume injetado, você pode superaquecer o motor e fundir ou trincar pistões devido à temperatura excessiva. Tanques de combustível de competição têm espuma para evitar a movimentação do combustível, como na imagem acima.

 

“Solução criativa” nº 2: gasolina na geladeira

O que era? Gasolina gelada. Só.

Como funcionava? Como o tanque era regulamentado pelo volume, Smokey resfriava a gasolina a temperaturas negativas para reduzir o volume do combustível e, desta forma, encher o tanque com uma massa maior de combustível. Na prática, é como comprimir um fluido, porém usando sua própria dilatação em vez de compressão.

Qual a vantagem? Com mais massa no tanque, o carro tem simplesmente mais gasolina para queimar. A gasolina mais fria é mais densa, o que torna a mistura rica e pode produzir mais potência. Mas a principal vantagem era mesmo ter mais combustível para ficar mais tempo na pista à medida em que a temperatura aumentava. A Fórmula 1 chegou a usar gasolina gelada na primeira era da proibição de reabastecimento, mas o regulamento logo proibiu a prática. Ainda hoje a temperatura do combustível é controlada pelos fiscais.

Como você pode tirar proveito disso? Dá para aproveitar em seu Project Car ou em seu carro de passeio, em um dia de viagem. Em ambos os casos, a dica é abastecer no final da madrugada, quando o reservatório do posto atinge sua temperatura mínima depois de passar quase 12 horas sem o calor sol. Desta forma a gasolina estará mais fria — podendo chegar a 10 graus ou menos, nos meses de inverno, e você terá uma massa maior no tanque.

Quando a temperatura ambiente aumentar e a gasolina ganhar temperatura, seu volume será maior e você terá um aproveitamento melhor do tanque cheio — seja para a pista ou para a estrada. O efeito de melhor aproveitamento, contudo, só funciona se você estiver com o tanque na reserva e for consumir um tanque inteiro ao longo do dia — daí a recomendação para a pista ou estrada.

 

“Solução criativa” nº 3: o tanque de corrida

O que era? Um tanque de combustível com um motor na traseira, quatro rodas e um cockpit pendurado na lateral.

Como funcionava? Para disputar a Indy 500 de 1964 Smokey fez um carro chamado Hurst Floor Shifter Special, que acabou se tornando um dos carros mais bizarros da história. Como ele iria correr apenas nos ovais, com curvas para a esquerda, Yunick fez uma redistribuição de massa no projeto: o cockpit veio para o lado esquerdo, pendurado entre os eixos. Para contrabalancear o cockpit deslocado, ele fez um tanque de combustível imenso, à frente do radiador e do motor. O carro tinha potencial, mas seu piloto Bobby Johns arrebentou a traseira do carro ao rodar e bater no muro. Depois disso o USAC instituiu regras para regulamentar o tanque de combustível dos carros e o Hurst Floor Shifter Special foi aposentado.

Qual a vantagem? A distribuição de massa do carro era ideal para o circuito, e mantinha o carro naturalmente equilibrado nas curvas. O tanque contrabalanceava o cockpit deslocado e o motor entre os eixos mantinha a distribuição ideal.

Como você pode tirar proveito disso? Seu carro não precisa manter tudo no lugar de fábrica. Sua distribuição de massa original prioriza não apenas o equilíbrio dinâmico, mas também a versatilidade de uso e de manutenção. Num Project Car, contudo, você pode modificar o que bem entender para distribuir as massas. O básico é colocar o tanque na traseira, junto da bateria, mas dá para reposicionar o banco mais próximo da linha de centro do carro, dá para remover peso das partes mais altas do carro etc.

 

“Solução criativa” nº 4: polindo dutos sem usar as mãos (ou quase isso)

O que era? O regulamento da Nascar dizia que aumentar e polir manualmente os dutos de admissão de um coletor de escape era proibido. Então ele deu um jeito de fazer sem colocar as mãos.

Como funcionava? Se era proibido polir os dutos com ferramentas manuais, Yunick deu um jeito de fazer isso sem usar as mãos. Ele inventou um fluido altamente abrasivo e com uma bomba ficou circulando o negócio nos terríveis coletores dos Hudson da época (estamos falando dos anos 1950) até que eles estivessem polidos do jeito ideal. Como o regulamento não proibia o polimento, mas o polimento manual, os carros foram liberados pelos fiscais.

Qual a vantagem? Dutos polidos e ligeiramente aumentados otimizam o fluxo dos gases de escape (e do cabeçote em si) pela redução do atrito com as paredes porosas do metal. Com mais fluxo você tem mais respostas do motor e maior torque e potência.

Como você pode tirar proveito disso? Quando fizer uma preparação (aspirada principalmente) você pode colocar os coletores na conta, pedindo ao mecânico que faça o polimento dos dutos para otimizar o fluxo de admissão e escape. Contudo, é preciso resistir à tentação de ver um duto extremamente liso, quase espelhado, pois esse tipo de acabamento acaba prejudicando o fluxo devido às gotículas de combustível misturadas ao ar.

 

“Solução criativa” nº 5: original, mas não muito

O que era? Um Camaro stock car que não era tão stock quanto deveria. O carro era significativamente mais leve do que deveria ser, mais rebaixado do que deveria ser e mais leve do que deveria ser.

Como funcionava? O regulamento exigia que os pontos de suspensão fossem mantidos originais, assim como a carroceria. Então Yunick procurou trabalhar com o que o regulamento não exigia: recortou o assoalho e o elevou para rebaixar o carro e deixá-lo com a dianteira mais baixa, melhorando a aerodinâmica. Os vidros foram trocados por outros mais finos — e mais leves —, e banhou os painéis da carroceria em ácido para reduzir sua espessura e eliminar mais alguns quilos.

Qual a vantagem? Bem… o carro era “original”, porém muito mais leve que o carro realmente original da concorrência. Por isso era mais rápido, melhor de curva, melhor de frenagem, melhor de retomada e, ainda por cima, mais econômico.

Sim: um Uno de fibra de carbono

Como você pode tirar proveito disso? Yunick definiu uma das receitas para transformar um carro de rua em carro de corrida e você pode segui-la. E nem precisa de ácido para isso. Isso, porque hoje você pode comprar peças feitas de fibra ou policarbonato muito mais leves que as originais e bem mais resistentes a pequenos esbarrões. Além disso, em vez de vidros mais finos você pode usar material plástico.

 

“Solução criativa” nº 6: três metros e meio de linha de combustível

O que era? Uma linha de combustível de quase 3,5 metros.

Como funcionava? Depois de ter sua bola de basquete proibida e de ter a temperatura do combustível controlada, Smokey Yunick foi obrigado a usar o tanque padrão da Nascar. Não dava para driblar o regulamento com ele, mas o regulamento não dizia nada sobre as linhas de combustível. O que ele fez: em vez de usar mangueiras padrão de meia polegada e 1/4 de polegada, ele usou mangueiras de 2 polegadas de diâmetro e 3,35 metros de comprimento. O resultado eram quase 20 litros extra de combustível nas generosas linhas de 2 polegadas.

Qual a vantagem? Como no caso do tanque com a bola de basquete, mais gasolina no tanque significa mais tempo na pista e menos tempo reabastecendo. Os 19 litros contidos nas “linhas de combustível” eram suficientes para ao menos cinco voltas a mais que seus concorrentes.

Como você pode tirar proveito disso? A menos que esteja disputando um campeonato com regulamento para os tanques, você não precisa desse reservatório em forma de linha de combustível. Basta instalar um tanque maior, de competição, na traseira do seu Project Car. Aí você o abastece ainda de madrugada e roda o dia inteiro sem perder tempo do track day para ir ao posto.