Até o início dos anos 2000, a Porsche só fazia carros esportivos. Isto mudou em 2002, com o lançamento do SUV Cayenne – que, no fim das contas, foi crucial para que a fabricante alemã conseguisse fechar as contas e não comprometesse o desenvolvimento de seus modelos entusiastas.
Os mais atentos vão recordar de alguns “projetos paralelos”, claro, como os tratores que a Porsche fabricou nas décadas de 1950 e 1960, que sem dúvida estão entre os veículos menos convencionais feitos pela companhia de Stuttgart.
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Mas, possivelmente, nenhum trator Porsche supera, em esquisitice, o Tempo Mikafa Sport Camper – um motorhome que tecnicamente não era feito pela Porsche, mas tinha os emblemas da companhia e, mais importante, o motor do 356. Ele vinha assim de fábrica – com mecânica Porsche, volante Porsche, instrumentos Porsche e documentado como Porsche. Com isto, ele tem tudo para ser o veículo mais inusitado a utilizar a marca.
Novamente, o pessoal mais antenado vai lembrar da Tempo, que já foi abordada aqui no FlatOut há um bom tempo (pun intended). A fabricante alemã, fundada em 1924, é mais conhecida pelo Matador, utilitário do pós-Guerra que era vendido como furgão ou picape, com motor VW em posição central-dianteira (isto é, atrás dos bancos dianteiros, porém à frente do meio do veículo), movendo as rodas da frente, e o tanque de combustível estranhamente localizado na dianteira, à frente dos ocupantes – ou seja, em caso de colisão frontal, o Tempo Matador certamente justificava seu nome. Agora, apesar de meio macabro, o Tempo Matador era carismático no desenho (especialmente na primeira geração) e barato de manter. Tanto que, além de ser fabricado na Alemanha até 1971, o Matador manteve-se em produção na Índia até o ano 2000, com mecânica Mercedes-Benz, por uma empresa chamada Force Motors.
Vale lembrar que existe ao menos um exemplar do Tempo Matador no Brasil:
Era justamente o Tempo Matador a origem do Mikafa Sport Camper, embora do original sobrasse pouco mais que o chassi. O restante do veículo era costruído artesanalmente por outra empresa alemã, a desconhecida Mikafa.
A Mikafa começou suas atividades fabricando aviões. Contudo, após o fim da Segunda Guerra Mundial, veio a desmilitarização da Alemanha, e a companhia foi forçada a mudar de ramo. Assim, a partir de 1948, a Mikafa começou a empregar sua experiência com fuselagens de aviões na construção de motorhomes, chamados Reisemobiles em alemão. Os veículos eram conhecidos por suas formas arredondadas, quase art-deco, e pela carroceria de alumínio moldado à mão, contribuindo para torná-los um pouco mais leves.
Inicialmente, os motorhomes da Mikafa usavam motores boxer Volkswagen de 1,2 litro e 25 cv. Obviamente, o anêmico quatro-cilindros a ar não era o mais indicado para a tarefa – os veículos atingiam, no máximo, 80 km/h (se o vento estivesse a favor, provavelmente). A partir de 1952, o contrato da Volkswagen com a Tempo foi encerrado, o que consequentemente impediu a Mikafa de continuar utilizando o flat-four da VW em seus próprios produtos. A alternativa foi adaptar o projeto para receber um quatro-cilindros em linha britânico, de origem Austin.
Em algum momento da década de 1950, porém, a Mikafa conseguiu colocar as mãos em um pequeno lote de motores do Porsche 356 – a versão de 1,6 litro (mais precisamente, 1.582 cm³) usada no Porsche 356A, com dois carburadores e 60 cv. Era mais que o dobro da potência do motor VW, mas temos certeza de que ainda era pouco para puxar os mais de 1.800 kg do veículo.
A Mikafa achou por bem chamar sua motorhome com motor Porsche de “Sport Camper”, ainda que ela definitivamente não fosse esportiva. Eles até colocaram emblemas Porsche na carroceria de alumínio, e moldaram a traseira para lembrar (com uma boa dose de imaginação) a traseira do 356. Mas, claro, ninguém caiu nessa.
Apenas três exemplares, segundo o que se sabe, foram produzidos sob encomenda entre 1955 e 1959. A unidade que aparece nestas fotos é a única da qual se conhece o paradeiro – ela está em posse da agência de leilões norte-americana Mecum Auctions.
Eles dizem que o veículo jamais foi restaurado e, pelo estado geral da carroceria e do interior, dá para acreditar – há marcas do tempo na pintura, na lataria e no acabamento interno, mas o Sport Camper parece íntegro e original. Exceto pelo motor de Porsche 356, que foi trocado por um… boxer Volkswagen. Um retrofit curioso, mas compreensível – talvez o antigo dono quisesse ter menos gastos com manutenção, e não se importasse em perder desempenho em troca.
O Mikafa Sport Camper será leiloado durante o Monterey Car Week, que neste ano está marcado para os dias 15 a 19 de agosto.