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História

Caterpillar: como a invenção das esteiras (ou lagartas) deu origem à maior fabricante de máquinas do planeta

Caterpillar, para quem não sabe, significa “lagarta” em inglês. Para quem curte maquinário pesado, porém, o nome Caterpillar está muito mais ligado a tratores, caminhões, máquinas agrícolas e de construção civil, e equipamentos militares. Líder nos segmentos de construção civil e mineração, marca Caterpillar é quase automaticamente associada a algo robusto, forte e durável. E é por isso que também existem roupas, calçados e até smartphones ultra-resistentes vendidos licenciados pela Cat.

Mas a Caterpillar não tem este nome por acaso: a história da companhia se confunde com a invenção dos veículos sobre esteiras – ou lagartas, como também costumam ser chamadas, justamente por se movimentarem de forma muito parecida com a de uma larva de borboleta. E é esta história que vamos contar hoje.

A trajetória da Caterpillar começa com a fundação a Holt Manufacturing Company, em 1892, na cidade de Stockton, Califórnia por Benjamin Holt e dois irmãos, Charles e Ames Holt – começaram a trabalhar com a fabricação e a venda de equipamentos agrícolas na década de 1860, quando Benjamin Holt mal havia chegado aos 20 anos de idade. Ele não demorou para assumir o papel de líder do negócio e, quando a Holt Manufacturing foi incorporada, Benjamin Holt foi nomeado presidente.

No início, a Holt concentrou suas atividades na fabricação de componentes agrícolas, como vagões, carroças, rodas e plataformas. No entanto, a maior contribuição da Holt para o segmento dos veículos de trabalho teve não foi um modelo, e sim uma característica – ou, melhor dizendo, uma tecnologia: as lagartas. Está começando a entender onde isto vai parar?

 

Dos cavalos às esteiras

Na virada dos anos 1900, os tratores ainda era uma invenção relativamente recente, e ainda havia muitos agricultores que preferiam os bons e velhos veículos de tração animal. Os primeiros tratores eram veículos a vapor, não muito diferentes das locomotivas. Porém, em vez de rodas pequenas para andar sobre trilhos, os primeiros tratores enormes rodas de metal na traseira (e um pouco menores na dianteira) – ainda não havia pneus próprios para tratores, e mesmo alguns carros ainda usavam rodas de madeira ou metal.

Mas havia um grande problema: em solo mais macio, as rodas de metal não conseguiam tração. Era uma questão de física – os tratores eram veículos muito pesados, e constantemente suas rodas afundavam na terra macia da região de Stockton.

Benjamin Holt tentou resolver este problema de uma forma quase primitiva: aumentando o tamanho das rodas, em uma tentativa de obter mais tração. A certa altura, a Holt estava construindo rodas de quase 2,5 metros de altura por dois metros de largura – e, como resultado, chegaram a ser fabricados tratores de 14 metros de largura. Gigantescos e ainda mais pesados, com mais de 450 kg/cv, os tratores começaram a ficar complexos demais, caros e difíceis de manter.

Não demorou para que Holt percebesse que aquele não era o caminho. O passo seguinte foi tentar usar “estradas” temporárias, feitas com tábuas de madeira, que eram posicionadas à frente das rodas de metal dos tratores e evitavam que as mesmas afundassem na terra.

Era uma solução eficaz – os tratores não atolavam mais. O problema é que todo o processo de colocar as tábuas adiante do trator à medida em que o mesmo se movia atrasava bastante o processo de aragem da terra, além de também custar dinheiro (afinal, as tábuas não duravam muito tempo). Foi então que Holt teve um estalo: e se as tábuas estivessem permanentemente presas às rodas, de modo a formar um caminho contínuo para elas?

Uma antiga estrada de madeira. Foto: Maven’s Photoblog

A ideia foi testada pela primeira vez no Dia de Ação de Graças, em 24 de novembro de 1904, com um trator Holt de 40 cv com esteiras de madeira parafusadas às rodas – e deu certo. Novamente, era uma questão de física: ao aumentar a área de contato com o solo, as esteiras reduziam a pressão localizada sobre a terra e evitavam que o trator afundasse. É mais ou menos o mesmo princípio de uma cama de pregos: quando alguém se deita sobre centenas de pregos, o peso (e a pressão) sobre cada um deles é muito menor, e isto evita que o corpo seja dolorosamente perfurado.

 

Coincidências

Paralelamente aos esforços de Holt para melhorar a mobilidade dos tratores, outra companhia fazia algo parecido do outro lado do Atlântico. A Richard Hornsby & Sons, de Lincolnshire, no Reino Unido, criou em 1904 um trator com esteiras parecidas com as criadas por Holt, porém de metal. A patente foi emitida no mesmo ano e, logo depois, começaram a ser fabricados tratores e limpa-neves para utilização no território canadense do Yukon, na fronteira com o Alasca.

O objetivo principal da Hornsby, porém, era outra. Em 1907 ele ofereceu seus veículos com esteiras ao exército britânico, que chegou a conduzir alguns testes porém não se interessou muito pela novidade.

Embora o exército britânico não tivesse ficado convencido pelas esteiras de Hornsby, alguns soldados que presenciaram os testes acharam aquilo bem interessante, e até colocaram um apelido no veículo: caterpillar, porque seu movimento lembrava o rastejar de uma lagarta.

Enquanto isto, nos EUA, Holt se preparava para dar início à produção em série de seu veículo com esteiras. Então, durante a primeira sessão de fotografias para divulgação, usando um protótipo, o fotógrafo Charles Clements notou algo curioso: olhando pelo visor de sua câmera, a imagem de cabeça-para baixo deixava evidente a semelhança das esteiras com lagartas – que ficava ainda mais aparente quando o trator estava em movimento. Clements comentou o curioso fato com Holts, que gostou da metáfora, e decidiu que o nome do veículo seria… Caterpillar. A patente foi emitida em 1907, e o primeiro veículo foi vendido em 1909 – um trator a vapor com esteiras de sequoia, cada uma com 76 cm de altura, 1,10 m de largura e 2,70 m de comprimento.

As duas histórias vieram a se cruzar alguns anos depois. A exata ordem dos fatos se perdeu com o tempo, mas é fato que, entre 1911 e 1914, Richard Hornsby e Benjamin Holt entraram em contato um com o outro, e Hornsby vendeu a Holt a patente de suas esteiras de metal. Além do material usado em sua confecção, havia outra diferença importante: as lagartas da companhia britânica usavam esterçamento por frenagem – atuava-se os freios de um dos lados, fazendo com que a esteira travasse e a outra continuasse rodando, o que mudava a direção do veículo.

O que se sabe com certeza: em 1909 o sobrinho de Benjamin, Pliny Holt, comprou uma fábrica desativada em Peoria, no estado de Illinois – do outro lado dos Estados Unidos. A dica lhe havia sido dada por Murray Baker, um vendedor de implementos agrícolas que, anos mais tarde, veio a se tornar vice-presidente da Caterpillar. A fábrica havia acabado de ser construída por uma companhia chamada Colean Manufacturing Co., mas a empresa faliu, deixando o galpão e o maquinário para trás. Pliny Holt e seu tio, então, decidiram dar início às atividades imediatamente, iniciando as operações em outubro de 1909 sob um novo nome: Holt Caterpillar Company. A marca Caterpillar, contudo, só foi registrada no dia 2 de agosto de 1910.

Foi uma manobra bem sucedida. A fábrica na Califórnia, seguiu funcionando paralelamente à planta em Illinois. A operação dupla foi tão lucrativa que, se em 1910 a fábrica tinha 12 funcionários, e 1912 já eram 625 empregados.

 

Mudança de campo

Pouco depois, em julho de 1914, teve início a Primeira Guerra Mundial – e, naturalmente, praticamente toda a atividade pela indústria de transportes voltou-se para o conflito. Não foi diferente com a Holt, que teve justamente no exército britânico um de seus maiores clientes. Sim, o mesmo exército britânico que, anos antes, desdenhou a invenção de Richard Hornsby. Irônico, no mínimo.

Foi graças aos europeus que a Holt conseguiu popularizar os veículos movidos sobre esteiras – ou lagartas, como queira – fora dos EUA. Mesmo antes de os Estados Unidos começarem a participar da Guerra, a Holt já havia enviado 1.200 tratores para a Inglaterra, a França e a Rússia para uso nas fazendas. Eventualmente, porém, estes tratores foram enviados diretamente para o campo de batalha, onde foram usados para transportar armas e munição.

A eficácia dos tratores em transpor terrenos acidentados causou uma boa impressão no comando do exército do Reino Unido, que decidiu fazer dos veículos da Hold a base para um canhão sobre esteiras, usando como base um canhão Howitzer de seis polegadas. Ao longo de toda a Guerra, os canhões com esteiras Holt foram empregados aos milhares pelo Reino Unido e seus aliados.

Mais do que isto: os tratores Holt foram a inspiração para os primeiros tanques de guerra com lagartas desenvolvidos belos britânicos. O primeiro deles, o Mark I, foi usado em batalha pela primeira vez em 1916 – e mudaram completamente as táticas de guerra, pois eram veículos muito mais ágeis e capazes do que os que usavam pneus.

Com isto, o trator da Holt, criado para uso em plantações, se tornou um dos veículos militares mais importantes da história.

 

Nasce a Caterpillar Inc.

Com o fim da Primeira Guerra Mundial, em 1918, a Holt sofreu um golpe. Com as encomendas dos militares, a companhia já estava planejando aumentar suas fábricas – mas sem o conflito, o plano foi interrompido imediatamente. Não haveria por que comprar mais ferramental para fabricar veículos militares, pois eles não serviriam de nada aos fazendeiros. Para piorar, em pouco tempo começaram a chegar os tratores que eram enviados de volta da Europa. Eles formaram um gigantesco estoque inútil, que teve de ser vendido a um preço ridiculamente baixo para não aumentar os prejuízos.

Paralelamente, uma companhia chamada C. L. Best Gas Tractor Company, fundada por um Clarence Leo Best,  passava por uma situação parecida. Durante a Guerra, a C. L. recebeu incentivos do governo para fornecer máquinas agrícolas aos fazendeiros. Seus tratores – que já usavam as esteiras criadas por Benjamin Holt – eram os mais vendidos dos EUA na época, a ponto de levar a companhia fazer um empréstimo para expandir sua fábrica em São Francisco, na Califórnia. Entretanto, a economia abalada pelos tempos de conflito levou a dívida da C. L. às alturas, o que colocou a empresa em risco de falir.

Patente de C.L. Best para seu veículo com esteiras – proposta anos depois da criação de Holt

As duas companhias já haviam se desentendido na justiça muitas vezes entre 1907 e 1918. A Holt acusava a C. L. Best de quebra de patente, mas depois da morte de Benjamin Holt, em 1920, as coisas mudaram. A C. L. Best havia conseguido renegociar sua dívida e sair do vermelho, vendendo tratores menores e mais baratos, mas a Holt, agora sob o comando de Thomas A. Baxter, ainda passava por dificuldades. A partir de 1921 a companhia começou a focar-se em equipamentos de construção civil, mas não foi o bastante para conter os prejuízos – mesmo sendo líder do mercado.

Como medida desesperada, os acionistas da Holt procuraram a C. L. Best para uma manobra de fusão. Esta ocorreu no dia 15 de abril de 1925 – data oficial da fundação da Caterpillar Tractor Company. Clarence Leo Best foi nomeado presidente da Caterpillar, que herdou a reputação da Holt e as finanças da C. L. Best. Seu produto mais conhecido na época era o Caterpillar Sixty, um trator que originalmente foi lançado pela C.L. em 1919 e teve mais de 18.000 unidades vendidas até 1930.

Os termos do contrato definiam que, nos primeiros cinco anos, a Caterpillar funcionaria em San Leandro, na Califórnia, na antiga sede da C. L. Best. Em 1930, porém, toda a operação da companhia foi transferida para Peoria, Illinois – onde permaneceu até 2017, quando a diretoria da Caterpillar mudou-se para Deerfield, também em Illinois. Ao longo de mais 93 anos a Caterpillar seguiu em expansão, passando relativamente incólume até mesmo pelas as crises de 1929 e 2009.