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Cinco fatores que tornam o asfalto brasileiro tão ruim

Há exatos seis meses um levantamento realizado pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) revelou que mais da metade das rodovias brasileiras estão mal conservadas. Dos 103.259 km de rodovias pavimentadas avaliados em todo o Brasil, 60.165 km foram classificados como regulares, ruins ou péssimos, o que equivale a 58,2% do total avaliado. Mas nem seria preciso ir tão longe para notar que pavimentação não é um campo de destaque do poder público brasileiro. Uma volta pelo seu bairro já serve como amostra da falta de cuidado com nosso asfalto (e calçadas e afins, mas isso é papo para outra hora).

Essa situação ridícula tem explicação, e ela é exatamente o que você deve estar imaginando: uma mistura de corrupção, monopólios, falta de comprometimento com a qualidade de obras públicas e falta de fiscalização, como veremos neste post.

Mas antes…

Antes de começar precisamos entender como é feito o asfalto. Aliás, o que chamamos de “asfalto” na verdade se chama pavimentação — o asfalto é apenas um material usado no revestimento de alguns tipos de pavimentação. Seu nome completo é concreto betuminoso usinado a quente, e ele é misturado a materiais como areia e brita para formar a superfície da pavimentação.

Apesar de uma superfície lisa e suave ser frequentemente associada à qualidade da pavimentação, ela é só a embalagem deste produto. Seu conteúdo é que dirá se ele é bom ou não. E esse conteúdo são as três camadas inferiores, chamadas de subleito, sub-base e base.

Camadas

Um bom processo de pavimentação começa com a terraplenagem do terreno, que precisa ser compactado e preparado para suportar de forma adequada as camadas que virão por cima. Essa camada é chamada de subleito, e normalmente consiste do solo natural compactado com outros tipos de solo para que fique estável. Acima vem uma segunda camada de cerca de 20 cm chamada sub-base, que é formada por cascalho e pedregulhos. Em seguida, usa-se uma terceira camada também feita de cascalho e pedregulhos porém compactados e só então é aplicada a capa de asfalto que dará suavidade no acabamento e também impermeabilizará o conjunto, impedindo que a água das chuvas cause erosão na pavimentação.

Se tudo isso for executado da forma correta, você terá uma pavimentação com qualidade e durabilidade. Caso contrário, ela ficará como você vê na maioria das ruas e estradas do Brasil.

Os motivos?

 

1-Execução inadequada

Tudo o que explicamos acima é o método ideal de pavimentação, mas os problemas do nosso asfalto começam antes disso, na execução da obra. Ou melhor, antes mesmo da execução: no Brasil muitas vezes a pavimentação é executada sem projeto algum, como contou João Virgílio Merighi, professor de engenharia da Universidade Presbiteriana Mackenzie à revista Exame em uma entrevista de 2014.

Mesmo quando a obra tem um projeto, ela esbarra em outro empecilho antes de seu início: o orçamento. Além de ter uma restrição de verbas do governo, o modelo de contratação por licitação favorece quem faz o trabalho pelo menor preço e, embora isso pareça positivo pois, em tese, há uma economia de dinheiro público, no fim das contas o projeto é que acaba adequado ao orçamento, e não o contrário.

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Coisa fina

Como resultado, há uma redução de custos que afeta desde a terraplenagem (com uma compactação insuficiente) à espessura das camadas, como observou o professor Merighi, na mesma entrevista: “‘Olha, para consertar a estrada, a espessura deve ser de 7 cm’, mas aí vem um político e fala que só tem dinheiro para 3. O que se faz? Pega o dinheiro, divide pelos quilômetros que se quer fazer e se encontra a espessura”. 

Não por acaso, as rodovias sob concessão, cuja manutenção é feita com recursos privados e obrigatória por cláusula contratual, são as rodovias com a melhor avaliação de qualidade da pavimentação.

 

2-Pavimentação inadequada

Além da execução mal-feita, a escolha do método de pavimentação muitas vezes é inadequada à sua finalidade. Durante o planejamento do projeto é preciso levar em consideração fatores como o fluxo de veículos, a estabilidade do terreno e o clima local. Sim, até mesmo o clima: o tipo de asfalto usado no clima sub-tropical das regiões Sul e Sudeste do Brasil não pode ser o mesmo usado no clima equatorial da região Norte, tanto por sua temperatura de aplicação, quanto por sua resistência às chuvas e temperaturas médias.

Outro exemplo é o tipo de pavimentação adotado nos grandes corredores rodoviários. Segundo o IBGE, 61% do transporte de cargas, mercadorias e passageiros é feito por rodovias e, embora pareça um número elevado, esse índice está muito próximo de países como os EUA (60%) e Alemanha (70%). A principal diferença, contudo, é como estes países pavimentam suas rodovias.

Nos EUA, os grandes corredores viários, onde há um fluxo mais intenso de caminhões pesados, a pavimentação é do tipo rígido. Você provavelmente a conhece como pavimentação de concreto e certamente já a viu: a superfície é mais clara, mais áspera e formada por placas devido ao coeficiente de dilatação do material. No Brasil esse tipo de pavimentação é usado em alguns trechos do Rodoanel Mário Covas em São Paulo e tradicionalmente em corredores de ônibus para resistir às frenagens sem deformações em longo prazo.

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Pavimentação rígida, feita de concreto de cimento

O método de construção da pavimentação rígida é mais simples, combinando base e superfície em uma única camada disposta diretamente sobre o subleito trabalhado. A principal vantagem desse tipo de pavimentação é que por não ser flexível a superfície absorve maior parte das tensões e distribui as cargas por uma área relativamente maior, de forma que ela é transferida em menor intensidade para o solo e também não é afetada diretamente pela qualidade do subleito por sua característica estrutural (embora seja necessário adequar o solo para suportá-la corretamente).

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Pavimentação de concreto reforçado por aço

Em determinados projetos a pavimentação rígida usa até mesmo reforços de aço (concreto armado) para aumentar sua resistência. Sua durabilidade é oito vezes maior que a pavimentação flexível (asfalto) — se executado adequadamente uma pavimentação de concreto dura ao menos 20 anos.

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Na Alemanha o tipo de pavimentação mais comum é a flexível, com revestimento de asfalto como a usada no Brasil. Contudo, como dissemos lá no começo, é o que está abaixo da superfície que faz a diferença: nas autobahnen as camadas de base, sub-base e revestimento variam entre 55 cm a 85 cm dependendo da região. É a altura de uma mesa de jantar de pedras, terra, solo e asfalto.

E no Brasil? Estima-se que menos de 5% das rodovias use pavimento rígido (concreto). E nas rodovias com pavimento flexível, segundo os manuais técnicos do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), a espessura total das três camadas pode variar de 25 a 55 cm — um dimensionamento inadequado como veremos no próximo tópico.

 

3-Métodos e tecnologias ultrapassadas

Um estudo realizado pelos engenheiros João Rodrigo Mattos, Klaus Theisen e João Albano, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e José Antônio Echeverria, do DNIT/RS, concluiu que os métodos de dimensionamento da espessura de pavimentos flexíveis adotados no Brasil não são ideais e precisam ser revistos pois as espessuras vigentes são insuficientes para rodovias de alto tráfego. Os engenheiros avaliaram que a normatização brasileira sobre dimensionamento de pavimentação (aquela dos manuais do DNIT) não apresentou evolução desde 1966. Naquele distante ano, a frota brasileira, segundo o Sindipeças, tinha menos de 2,5 milhões de veículos. Atualmente são mais de 42 milhões de veículos em circulação segundo a mesma instituição.

Nessas cinco décadas a tecnologia de pavimentação evoluiu em diversos aspectos de forma que é possível otimizar a aderência dos pneus em condições de chuva, reduzir o ruído de rodagem, aperfeiçoar a drenagem de águas pluviais e até mesmo usar modelagem computadorizada para simular e testar soluções antes de iniciar a obra, economizando dinheiro e melhorando a qualidade da pavimentação.

Somente algumas das novas tecnologias são aplicadas por empresas concessionárias de rodovias, que são obrigadas por contrato a manter a pavimentação bem conservada.

O asfalto-borracha é o exemplo mais comum de tecnologias mais avançadas em uso no Brasil. Esse tipo de asfalto usa um pó de borracha, resultante da trituração de pneus usados, que é misturado à liga asfáltica. Ele é usado nos EUA há mais de 40 anos, mas só começou a ser adotado no Brasil a partir de 2001, quando sua patente expirou. Atualmente cobre apenas 8.000 dos 170.000 km de rodovias pavimentadas em todo o país, mas traz benefícios como redução do ruído de rodagem, aumento da aderência, aumento da resistência a fissuras por sua maior flexibilidade, e redução do spray em condições de chuva. O custo, contudo, é 40% mais elevado que a pavimentação com concreto asfáltico convencional.

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Outro tipo aplicado em rodovias concedidas é o asfalto morno, que também usa pó de borracha de pneus em sua composição. Esse tipo de asfalto pode ser aplicado em temperatura até 40º C mais baixa que o asfalto quente convencional. Sua principal vantagem é a redução de custo e menor probabilidade de aplicação inadequada, justamente por permitir  uma aplicação em temperaturas mais baixas.

 

4-Manutenção inadequada

Nos últimos anos os gestores públicos inventaram as operações de manutenção batizadas de “Tapa-Buraco”, das quais se orgulham como se estivessem levando a sério a qualidade da pavimentação das ruas e rodovias. E o problema começa pelo nome “tapa-buraco”, que denota algo provisório e improvisado, geralmente não muito bem-feito. Com um nome desses, o resultado da manutenção não poderia ser muito melhor que um remendo que não irá durar muito tempo.

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Vai ficar muito bom!

Para reparar um buraco aberto na camada de revestimento da pavimentação de forma adequada, é preciso remover parte da camada ao redor do buraco juntamente com o revestimento deteriorado. A superfície precisa estar seca, e a massa asfáltica do reparo deve ter a mesma composição do pavimento. Contudo, devido à facilidade de reparo, convencionou-se nos últimos anos a usar um tipo de cimento asfáltico chamado “tapa-buraco”, vendido em sacos e aplicado a frio sobre o asfalto danificado. Com granulação e composição diferente, e aplicação incorreta, o reparo se torna um remendo frágil, que não irá impermeabilizar as camadas inferiores — o que fatalmente irá resultar em novos danos, provavelmente ainda mais extensos.

 

5-Falta de fiscalização – das obras e do tráfego

Toda obra pública executada por uma empresa privada é fiscalizada pelo poder público, que tem a obrigação de garantir que a execução está de acordo com o projeto aprovado. O problema aqui é que, uma vez pago, o projeto é aprovado e entregue mesmo que não esteja de acordo com o contratado — como mostrou uma fiscalização minuciosa do Tribunal de Contas da União em 2013 em 11 rodovias novas ou recuperadas que apresentaram problemas logo no primeiro ano após a entrega (clique aqui para baixar o arquivo).

Sim, rodovias têm garantia como qualquer obra, conforme definido pelo Código Civil. Porém aqui voltamos à questão da manutenção inadequada: os eventuais reparos são feitos de forma provisória, o período de garantia logo expira e no primeiro dia do sexto ano o que resta é uma rodovia nova remendada. A solução para esse tipo de descaso está no modelo praticado nos EUA e na Europa: o projeto prevê uma durabilidade mínima, e o contrato prevê a responsabilidade da empreiteira pelos eventuais defeitos de construção que surgirem antes deste prazo estabelecido.

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A outra fiscalização falha é a de excesso de peso dos caminhões que trafegam pelas rodovias. Em Mato Grosso do Sul, somente três balanças fiscalizam 16.000 km de rodovias — e nenhuma delas está em rodovias estaduais. Em Minas Gerais as balanças foram desativadas no final de 2014 e até hoje não foram reativadas. No Rio Grande do Sul as rodovias estaduais não têm balanças. Em Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro, a balança que controlava o peso dos caminhões na BR-101 (a principal rodovia da região) foi desativada nos anos 1990 e até hoje não foi reativada. No Ceará, 30% dos caminhões que circulam no estado têm excesso de carga.