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Como fazer uma fotografia noturna assim?

Ontem, 8 de janeiro, foi o dia nacional do fotógrafo. Antes tarde do que nunca, hoje vamos falar de fotografia – mostrando algumas das técnicas de iluminação e de tratamento utilizadas no clique deste belíssimo nine-eleven preto!

Seu autor, o sueco Oskar Bakke, faz parte do partenon dos gênios dos cliques e pós-processamento (tratamento) da fotografia automotiva de hoje em dia. A foto deste Porsche, na verdade, é a fusão de várias imagens registradas de forma independente, combinando diferentes técnicas. Algumas simples, outras mais complexas, mas todas podem ser feitas com a seguinte lista: locação de baixa luminosidade com visual industrial (concreto, asfalto, metal, tudo muito texturizado), câmera semi-profissional com lente de entre 24 e 70 mm (equipada com um polarizador, filtro ótico usado para controlar e reduzir reflexos pela refração de luz – basta girá-lo), um bom computador com Photoshop ou Lightroom, um tripé, um flash destacável ou uma tocha (equipamento profissional, mais potente e preciso), disparador remoto para a câmera e um bastão de luz branca, fluorescente ou de LEDs.

Não entendeu este último? Olhe para o chão desta imagem aí embaixo.

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Vamos começar? Simbora!

 

Passo zero: arranje um Porsche 911 Carrera S Vorsteiner V-GT

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…mas um Nissan GT-R também serve. Ah, agora sim ficou viável.

 

Passo 1: criando o reflexo na lateral

Vamos começar falando do bastão de luz e de sua função. Na foto do BMW laranja lá em cima, note os belos contornos e frisos brancos que as lâmpadas fluorescentes demarcaram nas saias do automóvel. A luz também serviu para desenhar e valorizar os volumes da lataria: veja por exemplo, o vinco que sai do para-lama dianteiro e desce até a base da porta. Na foto do Lamborghini abaixo, podemos ver a diferença de dramaticidade que faz este tipo de fonte de luz – preste atenção no para-lama dianteiro e no volume do arco da roda frontal.

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Só que há uma diferença fundamental: carros prateados e coloridos intensos – especialmente os metálicos e perolizados -, recebem muito bem a luz. No jargão fotográfico, dizemos que a luz “espalha” no pigmento. Carros pretos ou escuros de cores sólidas (como o azul marinho, verde petróleo, etc) são exatamente o contrário: eles “roubam” a luz e não criam volumes – apenas refletem o foco de luz de forma direta, como um espelho.

Veja o Hyundai Genesis abaixo, que frustrante. O fotógrafo estava equipado – dá pra ver os pipoquinhos de luz dos flashes refletidos na lataria. Mas observe como o pigmento não absorve nada – é apenas um espelho negro, que reflete o chão sujo, os estouros de luz, mas que não desenha seus próprios volumes. O resultado é sujo, poluído e sem formas na carroceria.

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Então qual a saída para se criar volumes em um carro escuro, se a luz não espalha nele? O jeito é o uso inteligente do reflexo da luz. Um belo entardecer ou amanhecer numa paisagem limpa é a melhor – se não a única – forma natural. Veja o Tesla Model S abaixo, como sua linha de cintura foi desenhada de forma maravilhosa. São apenas reflexos: a linha de cintura reflete o céu, a lateral está refletindo alguma construção (provavelmente um pier) que calhou de ser refletida na porção inferior da lateral e deu dramaticidade – reforçada no tratamento, claro.

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No caso da foto noturna, você vai ter de usar uma fonte artificial de luz – o bastão, lembra-se? – e desenhar este reflexo em toda a carroceria. Esta técnica é conhecida como light paint. Já que a cor preta não desenha volumes muito bem, você vai ter de criá-los com rabiscos formados pelos reflexos de sua fonte de luz. E, claro, para alimentá-la você vai precisar de um inversor de tensão, daqueles que você pluga na fonte de 12dc para convertê-la em 110V.

Você vai compor o enquadramento, botar a câmera no tripé e configurar o modo de disparo em BULB, que deixa o obturador aberto enquanto o botão (você vai ter de usar controle remoto, claro) for pressionado. Por quanto tempo? Depende do quanto que há de luz natural no local: quanto mais escuro, mais tempo você terá. Se passar da conta, a câmera recebe luz demais e a foto “estoura”, ficando esbranquiçada pelo excesso de luz captada pelo sensor. Não se preocupe: você não vai sair na foto – no máximo, um fantasma sutil como na foto do Subaru abaixo, que você consegue resolver no tratamento.

Crie o reflexo passando a lâmpada de fora a fora no carro, procurando desenhar de forma linear (sem tremer ou variar a altura – ou vai parecer que o carro está ondulado ou amassado), suave e nos lugares certos. O Subaru abaixo mistura uma série de acertos e erros. O para-choque dianteiro e a linha de cintura da lateral (altura da maçaneta) ficaram bonitos, bem como o para-lama frontal, mas o reflexo nas janelas ficou na altura errada e parece grosseiro. O reflexo no capô está horrível – ficou parecendo que o carro tem um adesivo xuning. E o para-brisa também não rolou, o reflexo ficou ondulado e mal localizado.

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Só que, acima de tudo, esta foto do Subaru tem um outro problema. A câmera não pode receber nenhuma luz direta do bastão – senão, cria-se estes riscos brancos enormes que você está vendo no ar. Você pode fazer isso de propósito, mas se a sua ideia é fazer uma foto limpa como a de Oskar Bakke, a câmera deve receber apenas a luz refletida na lataria! Como fazer isso? Fazendo uma cobertura em forma de C no bastão de luz, de plástico, tecido grosso ou alumínio; e manipulando o bastão com cuidado durante a pintura para não mostrar o lado da luz para a câmera, somente para o carro.

Portanto, no caso da foto abaixo, Bakke caminhou da esquerda para a direita, paralelo ao carro, de costas para a câmera – que só recebeu a luz refletida na lateral do Porsche. É possível que ele tenha variado a altura (propositalmente) na região dos para-choques – mas na lateral, a passada foi linear.

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No fundo, é uma técnica simples, mas de execução muito complicada: até se pegar o jeito de passar o bastão de luz sem “queimar” a imagem ou acertar o ângulo correto para desenhar o reflexo da forma como você quer, você vai disparar dezenas de vezes. E xingar muito.

Outra coisa: nesta imagem de Oskar Bakke, é possível que haja a fusão de mais de uma passagem do bastão de luz. Para o longo reflexo da lateral, é importante que seja feito de uma vez. Mas detalhes como o aerofólio, teto, ou o para-lamas do lado oposto, podem – e devem – ser feitos separadamente e posteriormente reunidos no Photoshop.

Passo 2: criando os borrões de luz no fundo

Essa é bico! Sabe aqueles riscos brancos e vermelhos do fundo? Basta tirar uma foto de exposição muito longa (de entre 5 e 15 s) enquanto carros estão passando – por razões óbvias, um tripé é obrigatório. Depois, é só fazer a fusão com as outras imagens (do light paint) no Photoshop. A fotografia aí embaixo tem uma exposição mais longa, provavelmente entre 20 e 30 s, dando o tempo de vários carros pintarem seus riscos com faróis e lanternas.

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Passo 3: manipulação

Photoshop é como sal e pimenta. Usado da forma correta, é o tempero indispensável para qualquer fotografia digital. Usado em excesso, arruína completamente a imagem, deixando-a com aspecto fake e carregado.

Produções como estas de Bakke exigem o uso de Photoshop ou de Lightroom. Não há como se dispensar. Ele é usado não só para se unir as diferentes imagens registradas (no mínimo, o reflexo da lateral e os borrões de luz do fundo, mas normalmente, há cinco ou seis imagens fundidas) como também para se criar esta atmosfera sombria de todo o cenário.

Usa-se bastante contraste, retira-se saturação, aplica-se alguns efeitos como shadow/highlight para dramatizar texturas, enfim, altera-se todo o humor da imagem – veja o exemplo abaixo de uma foto minha. Joguei a miniatura na cama, pus uma lâmpada à direita do Auto Union Type C (na foto, é a parte de cima) para desenhar os volumes, e dramatizei em um tratamento de luz fria, contrastada e de baixa saturação (ela é quase PB).

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O trabalho de tratamento em uma foto profissional como a de Bakke existe a criação de dezenas de máscaras. Cada detalhe da imagem (rodas, janelas, faróis, elementos do fundo, asfalto, carroceria) deve ser separado em uma camada e tratado de forma isolada. Só assim – e com muita quilometragem e o estudo de boas referências – consegue-se chegar a um resultado refinado e de bom gosto.

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