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Car Culture Vídeo

De Le Mans para as ruas: como é dirigir um Ford GT40 por Nova York?

No começo do ano, você deve lembrar, vimos um belo vídeo sobre três caras que de fato usavam seus protótipos de Le Mans nas ruas do Japão — um Porsche 962C, um Mazda 767B e um Jaguar XJ220 (que não é um protótipo, mas você entendeu). Agora, chegou a hora de conhecer o jeito americano de fazer isso: um GT40 1966 em Nova York. Ou quase isso.

Quase, por que Infelizmente não estamos falando de um GT40 1966 original. O carro que ganhou a corrida duas vezes seguidas, é, obviamente, uma relíquia sobre rodas com valor na casa dos US$ 7 milhões (coisa de R$ 18 milhões). Por isso é pouco provável que alguém vá ser louco o bastante para colocar nas ruas de Nova York o único Ford GT40 que venceu duas vezes Le Mans batendo a Ferrari.

Mas o que vemos neste vídeo que encontramos no Jalopnik US, é a réplica mais fiel e perfeita possível do GT40 de chassi P-1075, o carro que vestiu as cores da Gulf Oil, patrocinadora da equipe de John Wyer, e faturou as edições de 1968 e 1969 de Mans. Ela foi construída nos EUA pela empresa sul-africana CAT, que obteve licença para reproduzir o carro em todos os detalhes, o que inclui a pintura azul claro com a faixa laranja do icônico patrocinador. Por isso esse “CAV GT” Gulf Oil Edition (seu nome oficial) traz as plaquetas que conferem autenticidade à réplica, um certificado emitido pela própria Gulf, além do número de chassi registrado para que o carro tenha seu histórico rastreado ao longo dos anos.

O modelo é construído com base em um monocoque de aço inoxidável desenvolvido pela própria CAV — e que, segundo a fabricante, é até superior ao do GT40 original —, mas o motor é o mesmo Ford Racing 302 (4.9) usado no modelo original, com preparação para girar até 6.500 rpm. As rodas BRM também são originais de época, idênticas às usadas no GT40 campeão. As mudanças estão na tampa de válvulas, que ostentam o nome oficial da réplica (CAV GT) e na cabine, que é mais espaçosa que a original (dispensando a bolha na porta para acomodar pilotos mais altos como Dan Gurney), traz ar-condicionado, e tem volante na esquerda e câmbio no túnel central — o carro original tem volante na direita e câmbio na soleira da porta direita.

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Foto: egmcartech.com

Mesmo com tais diferenças, ainda assim uma réplica como esta representa a exata sensação de se pilotar um vencedor de Le Mans nas ruas, porém sem a parte ruim da coisa: o pânico constante de bater e danificar um carro de valor histórico inestimável. E assim chegamos ao vídeo em questão, que mostra como é lidar com um protótipo de motor central dos anos 1960, caso você decida usá-lo em uma cidade como Nova York.

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Foto: Classic Car Club Manhattan

O modelo em questão pertence ao Classic Car Club Manhattan, que também produziu o vídeo com a réplica. Como o apresentador avisa, este não é um carro para curtir o fim de semana com sua gata: ele não tem bagageiro, a suspensão é dura e passar um dia inteiro no carro é algo que exige esforço. Isso fica claro no momento em que se abre as portas do clássico. Antes dos bancos estão as imensas soleiras que acomodam os tanques de gasolina — sim, no plural porque o GT40 tem dois tanques, um em cada soleira, com um bocal em cada canto da dianteira, próximo ao para-brisa. Essas tampas circulares metálicas que se vê nas soleiras são o acesso à bomba de combustível e ao próprio tanque.

Depois que você se alongar e contorcer e se acomodar nos bancos justos, vem o processo de partida. Apesar de ser uma réplica de rua, o procedimento é o mesmo dos carros de corridas: ligue a chave geral para fornecer energia ao carro, gire a chave para fazer as bombas de combustível funcionarem e então aperte o botão de partida para acordar o V8 racer. Nesse trecho do vídeo é possível vem em detalhes os botões, interruptores, materiais de acabamento e posição dos comandos do GT40.

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Foto: Classic Car Club Manhattan

Com o motor ligado é hora de partir, certo? Errado. Este é um carro totalmente analógico e que não sabe fazer nada sozinho além de queimar combustível. Você precisa checar os instrumentos para verificar seu pressão de óleo, combustível e outros parâmetros de funcionamento do carro estão ok. Se a temperatura subir demais (acima de 90º C) e a ventoinha não ligar automaticamente, por exemplo, você precisa ligá-la manualmente por meio de um interruptor no painel. O mesmo vale para a pressão de combustível: a pressão está baixa? É você quem precisa notar isso pelos instrumentos e ativar a bomba auxiliar. Aqui a coisa é somente para iniciados.

Com tudo sob controle você pode finalmente tirar o carro da garagem. Se ele estiver parado de frente para a saída basta pisar na pesada embreagem de competição — acredite, elas são realmente pesadas — engatar a primeira marcha, acelerar su-a-ve-men-te e (tentar) modular o acoplamento da embreagem. Lembre-se: o acelerador precisa de movimentos suaves, ou você vai acabar afogando o carro. Se o carro estiver de costas para a saída o processo é um pouco mais complicado. Começando pelo retrovisor, que não mostra muito mais que isso:

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Foto: Youtube/Reprodução

Uma bela visão das cornetas de admissão, mas que não ajuda muito na hora de dar marcha à ré. Isso nunca foi um problema para um carro que era mais rápido que todos nas pistas, mas o negócio aqui é sair da garagem. Por isso os caras da CAV instalaram um retrovisor com câmera de ré, uma heresia muito bem vinda para se poder curtir o carro em qualquer lugar que não seja um circuito de corridas. Com a câmera ativada você pisa na embreagem pesada e engata a ré, certo? Errado de novo.

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Fotos: Classic Car Club Manhattan

O trambulador tem as seis marchas (cinco + ré) dispostas em um H tradicional, mas a ré fica ao lado da primeira e para destravá-la é preciso engrenar a segunda e depois levar a alavanca para a frente. Aí sim você pode soltar o pedal da esquerda com cuidado e começar a dirigir o GT40. Claro, sempre com alguns cuidados. Por exemplo: você vai parar em um semáforo? É importante colocar o carro em ponto morto e dar algumas aceleradas leves, pois o alternador é subdimensionado (menos peso?) e é possível descarregar a bateria do carro mesmo com o motor funcionando em marcha lenta. Em movimento, contudo, o alternador carrega a bateria com eficiência.

Quando o carro finalmente vai às ruas — em dois trechos do filme, um no começo e outro no fim — é possível ver claramente o comportamento arisco e pouco dócil do carro nas arrancadas e nas trocas de marcha em acelerações moderadas típicas da cidade. No começo, o carro precisa de um certo embalo e velocidade do motor com o câmbio acoplado antes de afundar o pé direito, e as trocas antes do limite de 6.500 rpm também exigem esse mesmo cuidado, algo que se nota no final — se você não ficar hipnotizado pelo funcionamento da vareta de acionamento das borboletas e pela tremedeira das cornetas sob aceleração, enquanto é seduzido pelo canto do V8.

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Foto: Classic Car Club Manhattan

No fim das contas este é um choque de realidade que pode ser decepcionante para alguns, mas também é como se todas essas artimanhas fossem um mecanismo de auto-defesa do carro. Da mesma forma que nosso corpo reage ao seu “uso incorreto” por meio de dores, alergias, infecções e afins, esses bólidos criados para as pistas também demonstram todo o seu incômodo quando são obrigados em circular em um ambiente impróprio. Um sinal de que você talvez não deva fazer isso com eles.

 

[ Via Jalopnik US / Foto de abertura: Yumslife ]