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Dzintara Volga, a “Nascar russa” – ou “quando táxis viram carros de corrida”

Um carro nascido para trabalhar como táxi pode ser um bom carro de corrida? Na Rússia (onde mais?), eles acham que sim. O carro é o GAZ Volga, lançado nos anos 50 para substituir o icônico Pobeda e se tornar um dos automóveis mais numerosos da URSS. O que talvez os a fabricante não tivesse imaginado é que ele também seria um dos heróis do automobilismo soviético.

Quando se pensa em carros russos, o primeiro que vem à mente é o Lada – nada mais justo, afinal ele está nos quatro cantos do mundo e é famoso por suas linhas quadradas e sua valentia –, mas o GAZ Volga também merece ser lembrado. Por quê? Simplesmente porque, certamente, qualquer um que já foi à Rússia andou em um destes, mesmo sem saber.

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A primeira geração do GAZ Volga, que também é conhecido como GAZ-21, foi lançada em 1955 e trouxe diversas inovações técnicas às ruas soviéticas — câmbio automático opcional, estilo moderno, inspirado na escola de design americana, parabrisa inteiriço, e não dividido em dois (sim, isto era novidade na União Soviética), além de um aproveitamento de espaço que era referência no “mercado”.

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A maior inovação de todas, porém, era o motor: um quatro-cilindros de 2,4 litros com comando no bloco e válvulas no cabeçote, acionadas por varetas (o conhecido pushrod), enquanto seu antecessor ainda trazia as válvulas no bloco.

Com apenas 96 cv, não era exatamente um motor potente, mas seu rendimento era superior e ele era muito robusto — tanto que acompanhou o o Volga por toda sua existência, ainda que outras opções fossem introduzidas ao longo dos anos (como um V8 de 5,5 litros). E olha que o Volga durou mais de meio século — ele só saiu de linha em 2010!

As qualidades do projeto do Volga, mais o fato de ser um carro relativamente acessível, acabaram tornando-no uma escolha popular entre os taxistas. Agora, como você sabe, para correr basta ter um carro. E os taxistas, bem, tinham. Assim, não demorou muito para que eles organizassem corridas com os táxis aposentados.

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Faz sentido: como já deu para sacar, eram carros robustos, que já tinham percorrido, em média, mais de meio milhão de quilômetros, e muitas vezes partes de vários táxis davam origem a um único carro de corrida.

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Os primeiros campeonatos aconteciam no bairro de Mezapark, uma das áreas mais badaladas da cidade de Riga, capital da Letônia, e eram organizadas pelo clube de automobilismo da cidade. Na época, a Letônia era uma região um pouco mais livre que o resto da União Soviética — taxistas-pilotos de países vizinhos vinham competir, e o número de espectadores era alto. Não é difícil entender o motivo: com carros baratos e depenados e anos de experiência nas ruas, os pilotos não se poupavam (e nem aos pobres carros) e guiavam com muita agressividade. Veja as fotos abaixo para entender do que estamos falando.

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Com a crescente popularidade, em 1966 as provas foram transferidas para o autódromo de Biķernieki Sports Centre, também em Riga. Ao longo  do tempo, os pilotos desenvolveram suas próprias receitas de preparação — que, dado o baixo orçamento, consistiam basicamente em carburadores maiores, comandos modificados e um aumento na taxa de compressão.

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Em 1967 o Volga chegou à sua segunda geração (que serviu de base para todas as outras, até 2010). O carro era melhor, com suspensão mais firme e chassi mais robusto, mas o motor era o mesmo 2.4 de 96 cv. Assim, as regras do jogo não mudaram: os carros usados nas corridas continuavam sendo ex-táxis e, com o número de espectadores crescendo cada vez mais — nos anos 80, a média de público era de 100.000 pessoas por corrida —, a Dzintara Volga se tornou a competição automobilística mais popular da União Soviética.

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Três anos depois, porém, em 1970, foi lançado o VAZ-2101 — baseado no Fiat 124, e o ponto de partida para o nosso conhecido Laika. Ele era menor, mas ainda assim espaçoso e confortável, além de ser robusto e barato. Assim, o 2101 acabou substituindo o Volga como escolha número um dos frotistas.

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A GAZ viu esta mudança no mercado como uma oportunidade para investir na imagem do Volga e transformá-lo em um carro de luxo. Assim, para a próxima evolução do carro, em 1981, a companhia preparou uma versão maior e mais luxuosa, construída sobre a mesma plataforma (algo evidente ao se observar a área envidraçada), chamada 3102. O carro acabou monopolizado pelos oficiais mais baixos do governo, o que causava uma situação curiosa: enquanto Volgas novos em folha circulavam levando gente graúda, os modelos mais antigos disputavam corridas nos autódromos.

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Isto sem falar que, apesar da chegada do Lada, o Volga ainda era vendido a taxistas em versões mais básicas — na verdade, isto aconteceu até meados dos anos 2000 —, garantindo que a frota de carros de corrida continuasse crescendo quando os táxis se aposentavam. Além disso, nada impedia que pilotos comprassem Volgas usados que não fossem táxis para correr também.

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Com o tempo, a Dzintara Volga foi adquirindo caráter mais oficial, com organizações regionais promovendo campeonatos menores e equipes mais profissionais e dedicadas entrando no jogo. Apesar disso, a reputação de “corrida do povo” da categoria continua — um paralelo comum costuma ser traçado pelos fãs, que dizem que a Dzintada Volga é a “Nascar russa.”

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Hoje a Dzintara Volga é uma grande competição histórica que ganhou seu formato atual em 2010. Começou com um evento único naquele ano, mas nos últimos cinco anos as provas começaram a ser realizadas em média uma vez a cada dois meses. Além dos Volga, agora há uma categoria de base específica para os Lada.

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O regulamento permanece, em essência, o mesmo desde o início: a base do motor deve ser o quatro-cilindros original, e apenas modificações no comando de válvulas, escapamento e sistema de admissão são permitidas, além da adição de um radiador de óleo.

No total, costuma-se extrair algo entre 130 e 140 dos antiquados motores — não é muito, mas os carros são leves o bastante para andarem bem rápido. O cambio de 4 marchas também deve ser original. Já o o interior é todo depenado, e recebe gaiola de proteção e cintos de 6 pontos regulamentados pela FIA.

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É realmente uma pena que as poucas informações que existem sobre esta categoria estejam em russo. Contudo, o que não falta é material visual, e as fotos e vídeos mostram alguns carros bem atraentes e competições ferozes.  A gente adoraria ver tudo isto de perto.