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Car Culture História WTF?

Eagle Aircraft Flyer Special: a história do carro mais perigoso e bizarro da Fórmula Indy

Navegando pela internet (alguém ainda fala isto?), topamos com um desafio lançado ontem (29) pelo Flavio Gomes, do Grande Prêmio, em seu blog pessoal: identificar o monoposto acima e explicar de onde ele veio e para onde foi. Dá para entender a motivação para o desafio – ele é bem bizarrinho, não?

Não demorou para que os comentaristas do blog descobrissem a charada, e vários deles postaram o link para um ótimo artigo, publicado no site Carmrades, com a história do carro – no qual este post foi totalmente baseado.

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O nome da figura era era Eagle Aicraft Flyer Special. E ele era mais que bizarro: na verdade, ele foi um dos piores e mais perigosos carros que competiram na Fórmula Indy, projetado por alguém que não entendia nada sobre projetar carros de corrida.

Tudo começa com um homem chamado Dean Wilson. Em 1977, Dean fundou sua fabricante de aviões, a Eagle Aircraft Company, que ficava em Boise, estado de Idaho, na qual ele mesmo era o projetista. Sua especialidade eram biplanos leves e compactos, usados principalmente para pulverizar plantações – os chamados cropdusters em inglês. Eram aviões excelentes que, rapidamente, se tornaram muito populares.

Um dos clientes de Wilson era Joe Turling, um influente empresário, dono de uma rede de concessionárias Caterpillar. Ele próprio tinha seu Eagle, do qual gostava muito, e achava que Dean Wilson tinha futuro em outro campo, os carros de corrida, e sugeriu que Dean tentasse a sorte na Indy 500 de 1982.

Dean não tinha experiência alguma com automóveis, mas Turling se ofereceu para bancar o projeto. Não havia por que não topar – era a chance de fazer algo diferente e ainda faturar um troco.

A pilotagem ficaria a cargo de Ken Hamilton, que na época participava de corridas em ovais na terra –ou dirt track racing, como contamos em um post recente. Ele corria na categoria Super Modified, na qual os carros têm asas enormes para garantir que fiquem colados no chão enquanto aceleram a velocidades que esbarram nos 260 km/h.

Hamilton já havia tentado a sorte na edição de 1981 da Indy 500, mas não conseguiu se classificar para a corrida por conta de alguns problemas mecânicos. Quando Turling entrou em contato com ele, Hamilton não quis desperdiçar a oportunidade. Se ele soubesse…

Dean Wilson era um excelente projetista de aviões mas, como já dissemos, tinha experiência zero em carros de competição – o que era um problema, pois eram conceitos opostos. Aviões são feitos para voar pelos ares, enquanto carros de competição devem ficar colados no chão. Não basta apenas virar o projeto de cabeça para baixo.

Todos os bons projetistas de carros de corrida sabiam disto. Em 1977, Colin Chapman foi pioneiro na aplicação do efeito solo nos monopostos da Fórmula 1 com o Lotus 78, usando dutos Venturi no assoalho para criar uma zona de baixa pressão que “sugava” o monoposto em direção ao asfalto, aumentando a tração nas retas e a aderência nas curvas. No ano seguinte, o Lotus 79 aprimorou a ideia, incorporando saias laterais móveis que melhoravam a estabilidade do carro. Com Mario Andretti ao volante, o Lotus 79 ajudou o piloto e a equipe a conquistarem os respectivos títulos na temporada de 1978 na Fórmula 1.

https://www.youtube.com/watch?v=IKpgjENCH1s

Não demorou para que a ideia chegasse à Indy: em 1979, a Chaparral estreou o monoposto 2K, projetado por John Barnard, que seguia fielmente os preceitos inaugurados por Chapman na Fórmula 1 – e, em 1980, conquistou foi o vencedor das 500 Milhas de Indianápolis e campeão da CART.

Ou seja: no começo da década de 1980 já existiam evidências bastante sólidas de que o efeito solo dava certo – tão certo que não demorou para que os aparatos usados por Chapman fossem banidos da Fórmula 1, tamanha a vantagem que proporcionavam. Basicamente, o efeito solo era encarado como o futuro do automobilismo por qualquer projetista.

Mas nem todo mundo pensava assim: Dean Wilson não acreditava no efeito solo – segundo o próprio Ken Hamilton contou em um podcast de 2016, ele achava que o efeito solo era uma conspiração. E, sem entendimento algum sobre como funcionava a aerodinâmica de um carro de competição, ele preferiu seguir suas próprias ideias na hora de projetar o carro que Hamilton usaria nas 500 Milhas de Indianápolis de 1982.

Suas ideias, na prática, eram um retrocesso enorme. Em vez de uma estrutura monocoque com o motor como componente estrutural, método empregado por 99% dos monopostos daquela época, Dean Wilson criou um carro com estrutura tubular e painéis de alumínio – ou seja, ele era mais pesado e menos rígido que os outros. A porção traseira, pasme, era de madeira balsa e compensado, como em alguns aviões da época.

Como se não bastasse, não havia qualquer tipo de sidepod, nem asa dianteira, nem asa traseira. A geração de downforce, portanto, era ínfima. E o piloto ia sentado lá na frente, com as pontas dos pés a poucos centímetros do bico do carro – as pernas ficavam bem na zona de deformação.

Hamilton deu uma olhada no carro antes da corrida, e até chegou a questionar as decisões de Wilson. O projetista respondeu dizendo que sabia o que estava fazendo, e que seu carro podia não ter efeito solo, mas tinha algo que ele chamava de “efeito ar” — que nunca existiu.

Ken Hamilton, claro, não botou fé – ele sabia, lá no fundo, que o carro seria uma porcaria e que provavelmente perderia o controle. Mas ele só tinha aquela chance de correr na Indy 500, então era melhor engolir a indignação e tentar mitigar os problemas com um bom motor. E isto ele conseguiu, descolando um V8 Chevrolet de 5,8 litros com injeção de combustível e cerca de 730 cv.

No fim de semana da corrida, as coisas, previsivelmente, não foram bem. Para começar, por conta do visual esquisitíssimo do carro, os organizadores da Indy 500 não queriam deixar Hamilton se inscrever. Uma vez que ele conseguiu convencer os fiscais do USAC (United States Auto Club) de que o carro era seguro, o primeiro treino de classificação foi um desastre.

O Eagle Aircraft Flyer Special era um carro absurdamente imprevisível e, quando não perdia o controle e saía da pista, não conseguia passar dos 280 km/h. A velocidade mínima para a classificação era de 290 km/h e, com isto, era evidente que o monoposto precisava de algumas mudanças radicais.

Confrontado com esta situação, Wilson bateu o pé e recusou-se a modificar qualquer elemento do carro. Então o próprio Hamilton investiu US$ 1.000 na confecção de uma asa traseira que pudesse ao menos reduzir o arrasto aerodinâmico e aumentar a velocidade máxima.

Na segunda bateria de testes, após escapar da pista novamente e roçar o gramado no centro do oval (o que, milagrosamente, não causaram nenhum dano ao carro ou ao piloto) Hamilton conseguiu chegar aos… 287 km/h.

Após alguns acertos e novas tentativas, o melhor que o Eagle Aircraft Flyer Special conseguiu foram 292 km/h – o que, embora lhe garantisse o ingresso na prova, não lhe rendia sequer um 30º lugar.

O piloto preferiu não disputar as 500 Milhas de Indianápolis naquele ano pois o carro era instável e perigoso demais, sua vida e carreira estavam em perigo e Wilson, no fim das contas, era intransigente. O próprio Hamilton encarregou-se de avisar a Wilson que a melhor coisa que ele poderia fazer seria voltar para casa e dedicar-se a seus aviões. Que, afinal, eram ótimos.

Com o fracasso do projeto, Hamilton acabou ficando com o carro para si – um peso morto, em essência. Ele o vendeu em partes ao longo dos anos – primeiro o conjunto mecânico, depois a suspensão e as rodas, até ficar apenas com o chassi. Este foi vendido por um valor irrisório a um conhecido seu chamado Ron Hemelgarn, dono da equipe Hemelgarn Racing.

Ron estava abrindo um museu dedicado ao automobilismo, e o Eagle Aircraft Flyer Special era simplesmente curioso demais para não se tornar parte do acervo. Hemelgarn mandou restaurar o carro, que ficou pronto em 2000, e ele está no museu até hoje.