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Papo de Garagem Técnica

Especial motores V4 (sim, quatro cilindros em V): o samba do ogro doido

Um dia destes, estava trocando ideias com um amigo e nas respostas começamos a tratar de detalhes inerentes a balanceamento de motores. No desenrolar da conversa ele citou motores V4 e então eu, lendo a resposta, comecei a viajar.

Eu curto um monte aviação, e lembro que quando era moleque, meu pai me levava a aeroportos e eu ficava olhando aviões e via como era fácil identificá-los pela sua diversidade. Mesmo que visse um Douglas DC8 e um Boeing 707 lado a lado era fácil distingui-los, mesmo ambos sendo quadrimotores de asa baixa por diversos detalhes entre eles, motores diferentes e por aí vai. Tenta hoje olhar para o céu e distinguir de forma rápida e fácil um 737 de um 757 de um 767 de um 777 ou de qualquer Airbus biorreator. Difícil – para não dizer impossível, não é mesmo?

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Fico lembrando da genialidade de Sir Alec Issigonis com seu Mini que revolucionou o mundo automotivo. Mesmo que nenhum carro hoje tenha o cambio montado embaixo do motor como no Mini, a forma e disposição básica do carrinho definiu dali em diante como seria a forma principal e predominante no mercado de automóveis compactos e populares. Hatchbacks três portas, 4 cilindros dianteiros transversais passaram a ser o padrão da indústria em termos de carros acessíveis e populares.

Fiquei pensando também que, por mais pratico e simples que seja, do mesmo modo que nos aviões, a falta de variedade, a uniformidade cansa. Ficamos todos como que bailando eternamente ao som de Bolero de Ravel, numa eterna previsão (ou maldição) de como as coisas seriam monótonas e sem graça no nosso mundinho moderninho.

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Mas voltando ao V4, que foi o gancho do mundo real com esta viagem minha toda, forçando muito a memoria só consegui me lembrar de dois motores desta configuração sendo produzidos em quantidade apreciável para uso automotivo. Um de origem alemã, usado nos Ford, que depois acabou sendo vendido em 1967 à Saab – que o usou como substituto dos dois tempos de três cilindros, muito semelhantes aos que conhecemos aqui nos DKW Vemag quando esses se mudaram para o andar de cima.

Como detalhes sempre são bem vindos, este V4 tinha o ângulo do V de 60°, tinha um eixo auxiliar balanceador que girava em sentido oposto e com a mesma rotação do virabrequim. Começou a ser vendido em 1962 nos Ford Taunus. Era diferente, ousado, curtíssimo, inacreditavelmente curto para qualquer motor normal. Não era exageradamente pesado, tinha deslocamentos de 1,2, 1,3, 1,5 e 1,7 litros. Depois acabou dando origem a outro motor que conhecemos bem que é o V6 Cologne, que acabou até chegando a quatro litros de deslocamento nas Ford Ranger que tivemos por aqui. Abaixo uma foto do eixo deste motor, curto, compacto, robusto, com apenas três mancais fixos.

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O bloco, curto, estreito e compacto.

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Já o outro, Lancia, italiano, era um motor de ângulo apertado, como os VR da Volkswagem lançados muitas décadas depois. Aliás, vendo as fotos abaixo, achadas na internet, fica super fácil de ver de onde veio a inspiração para os VR5 e VR6. Aí lembrei também que, parecendo ser algo que se repete, esta era mais uma boa ideia patenteada pela Lancia muito tempo antes de vir a ser adotada de forma bem comum muito tempo depois. Foi assim também com o mancal móvel particionado, que era uma patente Lancia de 1915, que voltou à moda nos anos 70, nos motores V6 derivados dos V8 automotivos de 90°. Abaixo, diagrama do eixo do Lancia.

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Na foto abaixo, ao verificar bem o bloco é possível ver que os cilindros não são perpendiculares ao plano da junta do cabeçote: esta situação apresenta um complicador na hora de retificar o motor. Os VR da Volks são da mesma forma, bem como os Chevrolet 348/409/427 fabricados entre 1958 e 1965, motores extraordinários – ainda que tenham sido rapidamente substituídos pelos big blocks normais. Mesmo iniciando com deslocamento mais modesto, 396 polegadas cubicas, a verdade é os big rendiam mais torque e potência que os 409. Outro caso digno de nota são os motores da linha Ford, família MEL – Mercury, Edsel Lincoln, que também tinham um ângulo não reto do plano de junta com a linha de centro dos cilindros.

Abaixo: à esquerda, o belíssimo 409; à direita, bloco e cabeçotes Lancia.

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As imagens mostram a semelhança extrema entre este motor e os Volkswagen VR. Pena que os VW não tenham câmaras hemisféricas. Uma lembrança de uma época na qual performance era tratada como fim absoluto e não tínhamos ainda preocupações com emissões de poluentes. É possível verificar que o arranjo dos dois comandos de válvulas sobre cabeçote são para que sejam bastantes e suficientes para que cada um toque as válvulas dos cilindros de um mesmo alinhamento usando balancins assimétricos para atender esta demanda. Ao contrario do que seria de se supor, com um comando exclusivo para admissão e outro para escapamento.

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Abaixo, a junta de cabeçote à esquerda e, à direita, o virabrequim instalado no bloco do motor. Fica bem nítido que, mesmo com apenas três mancais fixos, é uma peça super forte, com o elemento entre os cilindros 1 e 2 e depois dos 3 e 4 completamente capaz de absorver os esforços mecânicos atribuídos ao eixo sem deformações indesejáveis. Este arranjo só é possível na medida em que o projeto é para um bloco em linha praticamente. Se fosse um motor normal já concebido como em V normal, digamos um V8, isso não seria possível de se ter. Como se quiséssemos fazer um V4 usando o projeto inicial de um V8. Veremos isso mais ali na frente.

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Este motor mostrado nas fotos é o Fulvia, projeto de Ettore Zaccone Mina, e os V4 em suas varias encarnações com ângulos de V variando de 10° a 20°, foram produzidos de 1922 a 1959. O das fotos é o mais legal, ainda que tenha tido uma evolução final, com ângulo de 11° usado nos HF. Agora, eu fico imaginando se o Signore Ettore Zaccone Mina, quando fez o desenvolvimento não só do motor, mas de outros produtos Lancia, conseguiria – mesmo que muito de longe – imaginar que a solução que ele tratava viria a ser usada em larga escala pela Volkswagen em seus motores VR e ainda num carro Bugatti, como o Veyron. Mais incrível ainda que o Signore Ettore ainda é vivo.

Algo interessante que merece ser comentado é que ambos os motores, tanto os Lancia quanto o Ford V4, deram origem a outros motores V6, fortemente baseados neles. Os Ford V6 Cologne são muito populares, excelentes, e usam o mesmo layout do V4, sem mais ou menos, dispensando apenas o eixo balanceador. Como o V6 é de 60° e tem intervalo de ignição de 120°, se arruma perfeitamente, com sequência de ignição simétrica – even fire. É bastante suave e agradável de se usar, sendo que as últimas series dele chegaram a quatro litros, sendo usados com muito sucesso até nas picapes Ford Ranger que tivemos o prazer de ter aqui no Brasil.

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Já nos Lancia, em 1950, o projeto de Francesco de Virgilio para um novo motor V6 que viesse para solucionar características dos V4 que não eram assim do agrado de todos veio da mesma forma que os Ford V6 com ângulo do V de 60°. Ficou em produção em várias encarnações e deslocamentos diferentes até 1970. No caso tem duas coisas inéditas: o primeiro V4 e o primeiro V6 veiculares automotivos foram da marca italiana. Totalmente pertinente comentar que a Ferrari teve um V6 de 1,5 litros nos anos 50, mas com ângulo do V de 120°, que resultava em um motor even fire, mas com resultantes e com o inconveniente de ser bem mais largo que um quatro em linha.

O grande pulo do gato, o mais legal dos V6 pequenos com V de 60° é o fato de serem pouco mais curtos que um 4 em linha que tenha diâmetro de pistões semelhante e ainda sim são pouca coisa mais largos, podendo ser facilmente instalados no lugar de um L4, seja longitudinal ou transversalmente. No caso dos dois V6 citados, ambos inicialmente foram montados longitudinalmente.
Outra coisa bem legal, de vanguarda mesmo, é que estes dois V6 anteciparam o padrão básico de como fazer um V6 automotivo pequeno, potente e liso, antes mesmo que a GM nos seus tempos de liderança tecnológica determinasse como era o modelo matemático que regeria todos os motores de seis cilindros em V e produzindo na década seguinte uma série de motores V6, alguns automotivos, como os usados nos Buicks com 225 polegadas cúbicas e outros para uso em caminhões e picapes grandes, que foram muito bem recebidos, tendo versões maiores de 8 e 12 cilindros e ainda conversões a diesel 4 tempos – conhecidos como Toro diesel.

E para mantermos a coerência do antigo sendo revisado e reusado depois de muito tempo, o Buick V6 de 225 cid foi vendido – projeto, motor e ferramental – para a AMC. O V8 derivado dele, feito em alumínio nos Olds F85, também acabou indo parar na inglesa Rover. Mais de uma década após a Buick, num movimento inesperado, recompra os direitos do V6, o reforma com um novo virabrequim even fire (o 225 era full odd fire) e surpreende a todos relançando o motor – que inclusive foi o utilizado nos Buick GNX turbo (aliás, você se lembra deste exemplar com menos de 600 km rodados à venda?).

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Aqui neste ponto fazemos uma parada nos automotivos e vamos ver outras coisas legais. Quem conhece ou já ouviu falar do José Rezende Mahar, talvez se recorde de uma brincadeira/gozação que ele fazia comumente em que perguntava se o interlocutor gostava só de carros. Se a resposta fosse sim, ele replicava “ah, que pena! Tem tantas outras máquinas legais, trens, aviões, caminhões, barcos e motos…”, deixando claro que gostar e só ver carros pela frente é algo de uma pobreza incrível. Então, em homenagem ao nosso amigo Mahar, vamos ver outras coisas legais.
Analisando longamente tudo o que foi tratado acima sobre os Ford e Lancias V4, analisando as criticas aos ford V4 de 60° que era tido como um motor automotivo medíocre, e conhecendo bem motores marítimos, sei que na época de ouro dos motores de popa dois tempos eram muito populares motores de 4 cilindros em V a 90°, que eram bem legais, confiáveis e populares.
Procurando entender o por quê da diversidade nas criticas e comentários sobre coisas parecidas mas tão diferentes chegamos a um monte de conclusões legais.

O fato de o motor ser dois tempos implica automaticamente numa coisa: sempre que o pistão sobe, há uma ignição e se inicia um ciclo motor. No quatro tempos isso ocorre uma vez sim e outra não, de modo que apenas uma vez a cada duas voltas – ou 720° de rotação – do virabrequim ocorre uma ignição.

Acho que qualquer um que tenha mexido ou usado motos tenha boa lembrança de motores dois tempos de dois cilindros, como os das Yamaha RD200 ou 350, os mais populares aqui. Quando um pistão está em cima, no ponto morto superior, o outro está embaixo, no ponto morto inferior. Desta forma sempre a cada meia volta do virabrequim uma ignição ocorre. Guardando as devidas proporções, é da mesma forma que acontece nos quatro cilindros em linha de quatro tempos, como em qualquer motor da maioria absoluta dos carros normais que temos andando por aí.

Por outro lado, se a moto tiver um motor 4 tempos de 2 cilindros, podemos ter dois cenários: primeiro, os 2 pistões subindo e descendo juntos, paralelos – quando um estiver em ignição o outro vai estar em balanço –, mas sempre a cada volta do virabrequim (360° de rotação) vamos ter uma ignição ocorrendo. E há outro jeito, que é fazer um vira alternado, como se fosse um motor 2 tempos, e desta forma o intervalo entre as ignições não vai ser o mesmo. O fato de termos espaços irregulares entre as ignições dos cilindros gera som estranho e ainda que muitas vezes não aconteça uma mudança drástica no diagrama de forças do motor com as vibrações e resultantes inerentes, o som muda e a condução do veiculo também.

Voltando ao V4, no caso dos náuticos dois tempos, muito simples: um virabrequim com dois pinos defasados 180° entre si, como num eixo de Yamaha RD350, por exemplo. De modo que como o ângulo do V é de 90° e numerando os cilindros 1 e 3 de um lado e 2 e 4 do outro, enquanto o 1 está no PMS, o 3 está no PMI, e os 2 e 4 estariam no meio do curso, um subindo e o outro descendo. 90° após a ignição do 1 teríamos a ignição do 2, mais 90° teríamos a ignição do 3 e mais 90° de rotação teríamos a ignição do 4. Em 360° de rotação todos queimam, e o motor funciona liso e suave. Pelo ângulo de 90° entre as bancadas os binários têm componentes verticais e horizontais idênticos, sendo facilmente canceláveis com um único contrapeso em cada ponta do eixo. Temos um motor harmônico, compacto, leve e fácil de se usar.

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Ah, sim, não estranhe, as flanges entre os mancais móveis são normais nos 2 tempos, é para fazer a vedação entre os cilindros, já que o carter é que faz a compressão para que os gases entrem nos cilindros.

Mas já que falamos de motos, como deixar de lado as inesquecíveis VF750F? Isso, aquela do V four Victory do Isle of Man TT Trophy. Detalhes? Muitos, claro!

Primeiro, era 4 tempos, como as demais Honda. Mas se são 4 cilindros 4 tempos em V, não fica ruim de arrumar? Sim, claro, mas é motor de motocicleta, menor, pequeno com pouco curso, peças levíssimas, e muito do que não serve em um automóvel serve e muito bem nelas.

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Neste motor em particular, temos um eixo com os dois mancais móveis alinhados, como se fosse um eixo de moto 4 tempos bicilindrico com cilindros paralelos. O bloco tem um ângulo de 90° entre as bancadas, desta forma os cilindros paralelos vão ter ignição a 360° de rotação do eixo, mas os adjacentes, da outra bancada, vão ter ignições em intervalos de 90° ou 270° de diferença. Não é uma sequencia simétrica, não deixa com um ronco magnifico, mas funciona e ganha espaço, porque o V4 é muito mais estreito que o 4 em linha. E sobre ser ou não magnífico o ronco, é sempre relativo… mas no mínimo perturbador!

No caso do nosso mundo automotivo, pela maior diversidade de requerimento de um automóvel, vemos que motores 2 tempos não são mais factíveis, ainda mais quando consideramos emissão de poluentes. Aliás, no mundo náutico, os 2 tempos também já subiram a escada e ainda que uns poucos persistam, motores de deslocamento grande não são mais viáveis. Caminhões deixaram de contar com 2 tempos em 1999.

Opa, peraí, caminhão 2 tempos? Isso dá pano para muitas mangas. Primeiro, como não lembrar com um sorriso dos Detroit diesel e seu som magnifico? Como não lembrar do quanto que eles despertavam paixões e alegravam aos entusiastas da velocidade, mesmo entre os que dirigiam pesados caminhões? Eu tive a oportunidade de dirigir o mesmo D60 duas vezes com um 4-53N. Bom, se ninguém consegue imaginar que pode ter prazer de acelerar um caminhão velho, melhor mudar seus conceitos. Aquilo é legal demais. Pra quem tiver curiosidade, dá só uma olhada neste vídeo, com o Davi dirigindo um.

O ronco é alucinante, o motor sobe de giro forte e rápido como um motor a gasolina. Muito tem a ver com a sensação de rotação pelo fato do motor ser 2 tempos e ter o mesmo som que um motor com o dobro do numero de cilindros se normal a 4 tempos. Claro, o difícil é segurar a onda, lembrar que é só um caminhão velho e não um dragster, mas faz parte do jogo.
Mas isso a ver com o texto? Simples, o motor 2 tempos do 4 em linha tem um eixo de manivelas bem exótico:

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Opa, mas isso é um eixo de V8 não? Não, é um eixo de 4 cilindros 2 tempos, que por ter apenas 360° para ver a ignição de 4 cilindros, precisa de ter os moentes a 90° um do outro. Claro, como é 2 tempos, é simétrico, even fire e tem o mesmo som de um motor de 8 cilindros 4 tempos. Obviamente tem sobreposição de tempos mecânicos, é super liso, ainda que precise de eixos contrarotantes para funcionar liso e sem vibrar.

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Dirigir um caminhão com este motor de apenas 4 cilindros é diversão garantida e é muito mais bacana que um normal, de 6 cilindros a 4 tempos. Duas características decretaram seu fim, bem como o de todos os demais motores de caminhão a diesel 2 tempos: o consumo especifico maior, ou seja, gasta mais combustível para produzir o mesmo trabalho e o pior crime possível a um motor de combustão interna – por mais que se tente, é péssimo no quesito emissão de gases poluentes. Game over.

Mas isso tudo aqui leva a gente a pensar num outro 4 cilindros em linha que tem este mesmo tipo de virabrequim, mas só que é 4 tempos. Isso, o da motocicleta Yamaha R1.

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Na época do lançamento um grande estardalhaço, que depois com o tempo acabou diminuindo bastante, o som exótico, o fato de ser mais difícil de balancear e a não linearidade da entrega do torque pela sequencia de ignição não simétrica acabaram mostrando, tal como nos Ford V4, que esta podia não ser a melhor ideia de todas.

Se a gente sair do mundo dos veículos normais e partir para ver outras paisagens, especificamente de carros de competição tipo midget para circuitos ovais em pistas não pavimentadas ou em carros de arrancada na areia, vai aparecer um outro motor exótico derivado de um motor comum de produção.

Provavelmente, leitor, você já deve saber que o imortal Chevrolet V8 small block teve diversos outros motores feitos a partir de suas dimensões básicas, como os nossos GM 4 e 6 cilindros dos Opala e o V6 das Blazer e S10. Teve até uma versão para uso náutico e aeronáutico dele, com 12 cilindros em V, feita pelo Ryan Falconer, nos EUA. E claro, já deve ter ouvido falar também de uma firma que produz componentes de altíssima qualidade, bielas, virabrequins e tudo mais que se precisa em um motor de competições chamada Scat.

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Pois bem: a Scat desenvolveu um motor de 4 cilindros em V a 90° baseado no Small Block Chevy. Normalmente disponível em 4” por 3.250”, como meio motor 327, entregando um deslocamento de 163 polegadas cubicas, algo como 2.7 litros, foi recebido com muito entusiasmo por competidores tanto de Dirty Track quanto pelos que fazem arrancada em areia, com os Sandsters. O motor era estupidamente caro, tudo exótico, feito do nada, e de inicio foi um sucesso, tendo conseguido resultados impressionantes – que com o tempo começaram a ser ofuscados pelo alto custo, pela aspereza e pelo desgaste absurdo que vinha nas peças, especialmente de transmissão. Veja ele à direita, ao lado de um motor VW a ar: pense num conjunto compacto.

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Este projeto, contudo, acabou sendo abandonado. A Scat acabou vendendo os direitos de fabricação e encerrou a produção do motor. É simplesmente impossível arranjar o virabrequim de forma a se obter uma sequência de ignição simétrica com uma entrega linear do torque do motor. Foram tentadas duas formas de ajeitar o eixo de manivelas, que tinha três mancais fixos apenas, sendo as bielas montadas uma ao lado da outra no mesmo mancal móvel, como em um V8 comum. Numa das formas os dois mancais moveis ficavam diametralmente opostos e na outra a 90° um do outro. Mesmo com a mudança, a ordem de ignição continuava ruim e as vibrações resultantes idem.

Um competidor chamado Jerry Wilson tentou outra aproximação para resolver o mesmo problema e a solução foi a ilustrada na excelente imagem abaixo, que é de uma reportagem que acabou sendo reproduzida no HAMB, no Jalopy Journal. A explicação sempre tem a ver com a extrema importância do alívio de peso e no caso, este V4 maluquinho fica mais leve, bem mais leve que um quatro em linha. Claro, poderíamos tentar fazer um virabrequim como os dos V4 lá do inicio do texto, mas como o bloco é muito compacto não existe espaço disponível suficiente para fazer um braço de alavanca capaz de permitir dois mancais moveis adjacentes no mesmo espaço original entre os mancais fixos do bloco que permitissem ter 90° de defasagem entre os cilindros do mesmo V.

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Eu comentei este fato junto à foto do V4 Lancia, e isso vendo a foto do mesmo por baixo, fica bem claro. Se a gente lembrar, no V6 Chevy, o septo que permite a defasagem entre os mancais móveis é extremamente fino porque o ângulo da defasagem é de apenas 30° e precisamos lembrar também que, para ter mais resistência, o mancal móvel do 350, que é de 2.100”, foi aumentado para 2.250”. E mesmo assim as bielas do V6 trabalham fora da linha de centro do cilindro onde funcionam pela largura deste septo.

Na imagem fica bem claro: o virabrequim é fabricado, bem como o comando e o cárter, cabeçotes são a parte fácil, tem de alumínio que é facilmente soldável e permite modificações. O bloco é um Chevy normal de produção serrado, se usa a parte traseira e a frente do motor é fechada com uma chapa que veda a câmara d’agua e permite a montagem da capa da corrente e da bomba d’água. É, nada fácil ou simples de fazer nem tem muito como a gente tentar fazer um em casa com serra tico tico e araldite.

Um detalhe no mínimo curioso, é que não vi nenhuma referencia a ninguém ter tentado fazer um eixo como o das VF750F, com os mancais móveis paralelos. Claro, ia continuar odd fire, ia continuar ruim, mas foi das soluções possíveis com mancais singelos não particionados que a Honda julgou melhor para seu motor de competições, que inclusive foi vendido normalmente em motos de rua.

Evoluções tecnológicas mudam paradigmas e acabam induzindo a uma convergência de soluções comuns a todos os participantes do jogo. Quando eu citei o Mini do Alec Issigonis, e os aviões comerciais todos iguais e pasteurizados, queria ao mesmo tempo criticar a falta de criatividade e realçar a convergência evolutiva.

Motores automotivos pequenos feitos para consumo em veículos populares sempre tão iguaizinhos, sempre tão repetitivos, são uma faceta monótona da convergência de soluções que temos que conviver pela evolução de todos os jogadores participantes do processo evolutivo. Sem um novo evento que modifique a cena presente, nada de muito novo ou excepcional deve acontecer.

A evolução dos métodos de fabricação e a informatização dos processos de projeto e criação levam periodicamente ao surgimento de coisas novas que antes podiam até ser vislumbradas como mais eficientes, porém sempre com algum empecilho para sua efetivação. Ainda que os esforços não fossem perdidos, como no caso dos V4 Ford e Lancia, que deram origem a outros motores V6 com as lições aprendidas nos V4.

No caso, um exemplo que demonstra isso bem são os motores com três cilindros em linha apenas. Sempre existiram, em caso de motores agrícolas ou para uso comercial, em caminhões ou tratores, com ciclo diesel 4 tempos. Eram normalmente vibradores e desconfortáveis, e como não tinham sobreposição de tempos mecânicos, tinham de usar sempre volantes motores pesados como forma de oferecer um funcionamento minimamente linear. Perkins 3-152, MWM 222-3, 225-3 são bons exemplos.

Só lembrando, um ciclo motor em 4 tempos equivale a 180° de rotação do virabrequim, e como são 3 cilindros, teremos apenas 540° de ciclo motor em 720° de rotação, o que nos deixa com um período morto de 180° divididos igualmente em três períodos de 60° entre ciclos motores.

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Nos motores a gasolina tudo isso ocorre, mas como é muito fácil fabricar um eixo com contrapesos que interage com o virabrequim e anula a resultante, fazer atualmente um motor de 3 cilindros automotivo liso, relativamente potente e confiável é muito simples, fácil e barato. Na verdade todas as qualidades são tão evidentes, que em pouco tempo o padrão de todos os carros populares será este, terão motores de três cilindros em linha, com ou sem turbo, dependendo do objetivo final. E os compradores estão super satisfeitos com os seus três em linha atuais, e não há resistência ao veiculo apenas pelo numero de cilindros, e isso de forma minimalista valida a escolha e o processo evolutivo.

Vendo os exemplos que citei e demonstrei acima, em que soluções completamente fora do padrão foram adotadas, algumas com maior grau de sucesso, outras inclusive sendo copiadas mais a frente em outros projetos, fica a clara sensação que se aventurar em desenvolver soluções novas eventualmente leva a sucessos, outras vezes não. Mas ficar na mais absoluta mediocridade e mesmice é que não deixa nenhuma empresa com absoluta garantia de ter sempre sucesso. Inovar é muito bom e eventualmente traz grandes benefícios. Ou não.

Um abraço a você que teve paciência para ler todas essas ideias. Até a próxima.

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