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Car Culture WTF? Zero a 300

Este Chevrolet Corvette Grand Sport novinho virou sucata por causa de uma rachadura de 2,5 cm

No Brasil, um veículo acidentado tem declarada sua perda total – o famoso “PT” – quando o valor do conserto é superior a 75% do valor segurado, seja este o preço de mercado do carro ou um valor determinado, estipulado no momento da contratação da apólice. Nos Estados Unidos, a situação é parecida: quando um automóvel sofre um acidente, declara-se a perda total quando o custo dos reparos excede o valor do carro antes do acidente, mais o valor dos componentes que sobraram e podem ser vendidos. Isto torna um pouco mais difícil que se tenha uma perda total nos EUA do que no Brasil, mas não impede certos casos bizarros de acontecerem.

Você já deve ter imaginado que, muitas vezes, os danos que levam a uma perda total são invisíveis. Se um carro está aparentemente inteiro mas, por exemplo, enfrentou uma enchente e teve sua elétrica e mecânica comprometidas, a chance de que seja uma perda total é grande. Mas, na boa, dá para acreditar que este Corvette visualmente impecável, tanto por dentro quanto por fora, “deu PT” por danos estruturais? Pois é, aconteceu. E pior: tudo por causa de uma rachadura de 2,5 cm.

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O carro é um Chevrolet Corvette Grand Sport 2017 vermelho “Long Beach Red Metallic”, com um belo V8 naturalmente aspirado de 6,2 litros e 470 cv. É o mesmo motor do Corvette de entrada, o Sting Ray, porém o Grand Sport conta com o kit aerodinâmico, os amortecedores magnéticos ativos do Corvette Z06 e um ajuste dinâmico mais afiado. É feito para quem quer um carro mais especializado para acelerar no track day, com alma purista e sem exageros sobrealimentados sob o capô. Uma pegada mais old school, pra pista e pra estrada.

E foi na estrada que o Corvette Grand Sport de um dos membros do fórum americano Corvette Forum, que atende pelo nick “cdm85-251”, fez seu último passeio antes de virar sucata. Eis o que aconteceu, nas palavras do próprio em uma publicação de 22 de agosto:

No dia 19 de julho, eu tive o azar de estar em uma rodovia extremamente cheia quando um veículo na minha frente desviou de uma pedra ou algo MUITO duro. A rodovia tinha oito faixas e havia outros carros a mais de 110 km/h em todas elas, por isso eu não tinha como parar ou desviar sem causar um acidente envolvendo outras pessoas. Tive que passar por cima, mas o objeto acertou vários lugares sob o carro – felizmente não acertou nada que tivesse fluidos. O maior problema agora é que a concessionária me mostrou fotos de uma peça estrutural na traseira que acabou trincada. Eles dizem que é um túnel de transmissão traseiro, e que é uma peça irreparável, não fornecida pela Chevrolet. O prejuízo foi calculado em US$ 7.600 sem a peça e sem a mão de obra. Alguém já passou por algo parecido?

Eu posso acabar ficando com um carro sucateado, ainda que esteja visualmente perfeito.”

Duro, hein? Não desejamos isto para ninguém (ninguém mesmo). Ainda mais olhando outras fotos fornecidas pelo dono do Corvette, que mostram que a rachadura tem tamanho ínfimo, com menos de 2,5 cm. O carro não sofreu danos em outras partes – motor, câmbio, elétrica, carroceria, nada. Tudo OK.

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O Corvette depois do incidente

Então, como explicar a perda total? Podemos dizer que foi uma infeliz sucessão de acontecimentos.

Primeiro, “cdm85-251” foi até uma concessionária Chevrolet para avaliar o carro e encomendar o conserto. Logo de cara, os mecânicos disseram que a rachadura era pequena e que aparentemente não houve danos muito graves. Então, algumas semanas depois, ele soube que a concessionária não estava conseguindo encontrar a peça para substituição, que a mesma não era vendida pela Chevrolet e que, por isso, seu carro viraria sucata.

A questão, na verdade, é bem simples. Além da rachadura em uma das travessas do monobloco de alumínio, próxima ao radiador de óleo, houve alguns parafusos danificados, além de um amassado em uma placa de metal que protege o tanque de combustível. Todos estes danos são reparáveis, exceto a rachadura – que exigiria substituição do monobloco todo para ser reparada. As longarinas são os componentes que estruturam o monobloco e suportam todo o stress da interação da suspensão com a carroceria, que absorvem quase todas as forças de flexão e torção: é a espinha dorsal.

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O dano e o local do dano

“Mas não é só soldar?”, talvez você esteja indagando. Bem, não é tão simples: o carro está na garantia, e o reparo precisa ser aprovado pela Chevrolet. A fabricante, porém, é categórica em afirmar que soldar aquele ponto em específico prejudicaria toda a integridade estrutural do carro, pois uma solda ali redistribuiria as tensões de forma diferente na área. As consequências no monobloco em longo prazo ou no caso de um acidente ficariam imprevisíveis.

O reparo feito da forma mais correta, substituindo a travessa, seria praticamente impossível e envolveria os equipamentos e procedimentos feitos pela fábrica para constituir o monobloco: soldas, rebites, colas. O preço desse reparo, feito desta maneira, seria algo astronômico. Por mais que a trinca seja pequena, percebe-se que  o impacto foi muito forte e que o objeto era mesmo extremamente duro – muito provavelmente o dano foi causado pelo próprio peso do carro comprimindo o objeto sobre o assoalho.

Ou seja: mesmo que os custos de reparo dos demais componentes sejam de pouco mais de 10% do valor de tabela o Corvette Grand Sport nos EUA, (que está em US$ 70 mil atualmente), o caminho mais “fácil” foi declarar a perda total, dar ao dono do carro o valor correspondente e mandar o Corvette a um leilão, que acontecerá nos próximos dias.

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Estima-se que o valor conseguido pelo carro não chegue a US$ 30.000 – menos da metade de um zero-quilômetro. Com isto, quem comprá-lo poderá até tentar consertá-lo por conta própria, mas deverá se preparar para resolver algumas questões. Primeiro, caso o dono resolva fazer uma solda local, como dissemos, aquela região não trabalharia da mesma forma que antes. Segundo, seria praticamente impossível fazer o seguro completo do Corvette por conta de seu histórico.

As opções mais prováveis do seu comprador são desmontar o carro e vender todas as suas peças impecáveis, ou fazer um carro de corrida, pois a presença de um rollcage completo homologado já faz este trabalho de auxiliar a redistribuir as cargas e tensões. Mesmo assim, o reparo e o reforço na região da trinca teria de ser feito.

 

Ao menos, o lado teoricamente mais prejudicado – o do dono – já teve o problema solucionado: com o valor da indenização da seguradora, conseguiu comprar outro Corvette Grand Sport 2018, na mesma cor e com o mesmo pacote de opcionais do carro sucateado.