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Car Culture

Eurotrip: uma viagem de 4.000 km de carro pela Europa — parte 1

Cruzar um país ou um continente ao volante de um carro é o sonho de dez entre dez entusiastas. O leitor Yuri Franzoni da Silva realizou este sonho na metade deste ano, quando alugou um carro em Paris foi até a Suíça dirigindo ao lado de sua esposa. Nesta mini-série de posts ele irá contar em detalhes sua aventura que inclui estradas perfeitas, museus cheios de graxa e gasolina e dicas para quem pegar a estrada no Velho Mundo. 

 

Olá, pessoal! Há coisa de três meses, pude realizar um baita sonho junto com minha mulher: passar férias na Europa, com um carro à disposição para andar por onde der na telha. Meu nome é Yuri Franzoni da Silva, moro na Serra Gaúcha e quero compartilhar com vocês, leitores do FlatOut!, o aprendizado e a experiência de cruzar o Velho Continente ao volante.

4000 km de carro pela Europa

Todo viajante com um mínimo de experiência sabe que a viagem não começa no dia em que você põe o pé na estrada, e sim muito antes disso. Isso me leva ao primeiro capítulo da nossa jornada:

 

Planejamento, poupança, mais planejamento, mais poupança

Tendo em vista o tamanho da empreitada e as nossas condições financeiras, o início do planejamento consistia em um bom tempo guardando dinheiro, abrindo mão de alguns luxos desnecessários. Jantar fora todo dia? Trocar de celular — ou de carro? Devagar… não tínhamos condições de fazer tudo isso e ainda sobrar para guardar uma grana, então tivemos que escolher.

Primeiro conselho: acostume-se com essa ideia, pois no final, o esforço vale a pena.

Na prática, eu e a Raquel (minha esposa) ficamos por mais de um ano guardando uma boa grana todo santo mês. Então, em novembro de 2013 concluímos que tínhamos finalmente juntado uma quantia razoável, que nos permitiria fazer a tão sonhada viagem à Europa nas próximas férias, dali a uns seis meses.

Até então, nós sabíamos o que queríamos visitar — a Europa, duh — mas não havíamos definido quais seriam exatamente nossos destinos. Então, começamos a cotar pacotes de viagem em agências e em todos os casos, os valores eram bem altos — quase sempre, suficientes para comprar um carro popular zero km.

Nos também já imaginávamos a facada nas passagens aéreas — não, nós não tínhamos milhas ou coisa do tipo para nos ajudar —, então nos concentramos em montar roteiros que fizessem valer o gasto. Invariavelmente, eles começavam em um país e terminavam em outro, o que fez as passagens ficarem ainda mais caras. Pra completar, nenhum dos pacotes cotados incluía o aéreo, transformando orçamentos de R$ 15.000 rapidamente em contas de R$ 25.000 — fora de cogitação para nossos objetivos.

Segundo conselho: defina exatamente o que você não pode deixar de ver, mas sempre tenha em mente que o gasto pode ser bem maior que o imaginado.

Mas nem tudo foram espinhos: vimos tantas opções de pacotes, roteiros e ideias que isso acabou clareando a nossa mente, levando a uma decisão diferente: fazer tudo por conta própria. HELLYEAH!

 

Criando paciência para pesquisar e coragem para contratar

Assim, eu e a patroa começamos a procurar maneiras de fazer tudo sem o auxílio de ninguém. Definimos o período da nossa viagem e reservamos 20 dias entre junho e julho de 2014, sempre podendo oscilar as datas de saída e retorno conforme desejado.

Definimos nossos principais destinos do roteiro: Londres, Paris, Amsterdã, Stuttgart (você já deve imaginar por quê), Munique, Veneza e Roma. Já era muita coisa… e ainda a ansiedade da viagem tomou conta, então esse roteiro inchou bem mais até embarcarmos no avião. Começamos a procurar hotéis e pousadas em sites como o Decolar.com e o Submarino Viagens. No fim das contas, o site que mais nos ajudou foi o TripAdvisor, com os links para reservar hoteis e as avaliações da comunidade de usuários.

Nossas visitas foram planejadas com basicamente um único livro, cujo título é “O Guia Criativo para o Viajante Independente na Europa”, de Zizo Asnis. As dicas e recomendações desse livro são fantásticas, foi nossa bíblia para montar o roteiro antes de sair reservando e comprando passagens.

Terceiro conselho: separe um tempo e pesquise MUITO.

Contratamos todas as nossas estadias através de seis sites diferentes, cada um com a sua política de compra, pagamento e reembolso (quando necessário). Tudo comprado, vouchers gerados em PDF e salvos no Dropbox (que salvou minha pele algumas vezes, acredite), saímos à compra da passagem aérea. Compramos os nossos dois trajetos sempre voando TAP Portugal direto no site deles.

4000 km de carro pela Europa

Aí começamos a pesquisar por transporte, inicialmente buscando passagens de trem entre os locais desejados. Mesmo tendo pensado bastante até então, foi complicado tomar qualquer decisão – pudera, fazendo tudo com uma antecedência de nada menos que sete meses… isso leva à terceira parte.

 

Não se afobe e prepare-se para MAIS planejamento

Nosso voo de ida previa o desembarque em Londres, então compramos a nossa passagem do Eurostar, para sair de Londres a Paris via trem-bala, passando pelo Euro Túnel, através do site da Rail Europe. Fácil, mas de Paris em diante começamos a imaginar o transtorno de andar de mala e cuia de uma estação a outra — para viajar por 20 dias você se vê obrigado a levar uma bagagem razoável. Além disso, no total as passagens também iriam custar um valor considerável.

Aí surgiu a ideia de alugarmos um carro para fazer o restante do trajeto. O preço do aluguel dava um pouco menos do que o total que gastaríamos em passagens, ou seja, gastaríamos mais dinheiro em combustível e pedágio, mas ganharíamos liberdade e tranquilidade para fazer nosso passeio.

Muita pesquisa e comparação de preços depois, fechamos a locação de um veículo na Europcar. Ao escolher as “viaturas” disponíveis, a classe mais simples oferecia um Fiat 500 ou um Smart ForTwo por cerca de 580 euros de aluguel para o período escolhido. Como minha esposa tem justamente um 500, a gente sabe bem das limitações de espaço do carrinho.

Por mais dez euros, na próxima categoria, havia o VW Polo ou similar (Renault Clio, Opel Corsa e outros). Por outros dez euros, dava para sair de Ford Focus, Peugeot 308 ou semelhante. Depois, por mais quinze euros, tinha VW Golf 7, Mercedes Classe A ou BMW Série 1… aí começou a ficar interessante! Selecionei uma estação de retirada que ficasse próxima ao hotel e acabei batendo o martelo por um Golf ou similar a ser retirado na estação Paris Invalides RRC.

Quando digo para “não se afobar”, quero dizer o seguinte: fizemos muito bem em comprar a passagem do Eurostar com antecedência — economizamos mais de 50% no preço final —, o aluguel do carro reservado com antecedência também nos poupou trabalho e dinheiro, mas a nossa eterna vontade de conhecer mais e mais acabou fazendo que mudássemos nossos roteiros intermediários muitas vezes, exigindo que cancelássemos um hotel e contratássemos outro. Além disso, a compra da passagem aérea com tanta antecedência não se revelou vantajosa, pois se eu tivesse esperado uns dois meses a mais, teria economizado cerca de 2 mil mangos… mas como arrependimento não resolve nada, é vida que segue.

Quarto conselho: fique de olho nos valores desde muito cedo, mas saiba a hora certa de comprar.

E aí você pergunta: como manter a sanidade mental em meio a tantos vouchers, comprovantes, compras e contratos, durante tanto tempo? Eu usei e abusei do Excel. Preparei um checklist gigante, montei uma espécie de cronograma da viagem com hora de chegada e saída, tempo estimado de deslocamento e outros mais. Não fosse essa planilha, certamente eu teria feito alguma c*gada mais séria.

4000 km de carro pela Europa

Também pesquisei com antecedência o custo de rodar tanta distância através de tantos países diferentes. Isso foi fundamental para determinar quanta grana levar em dinheiro (e em cartões, claro) para não tomar nenhum susto na viagem. Adiante, vou relatar com mais detalhes.

Bem, saindo do blábláblá dos preparativos, chegou o grande dia e saímos à luta…

 

“Fuzimo de Bento!” Chegou o dia

Saímos de Bento Gonçalves a Porto Alegre de ônibus (120 km) e às 20:00 finalmente embarcamos rumo à primeira parada, Lisboa, para troca de aeronave e partida para Londres. Desembarcamos no aeroporto de Heathrow no dia seguinte, às 18:00 locais (sem qualquer atraso em lugar nenhum, diga-se) e pegamos uma fila gigantesca para passar pela imigração.

Um atendente de turbante e barba nos atendeu com a frieza que já esperávamos dos ingleses, mas a sabatina que se seguiu depois foi até constrangedora. Quase vinte minutos explicando a natureza da nossa visita e finalmente deixaram a gente entrar. Tive de puxar todos os documentos, comprovantes, vouchers, tudo o que eu tinha de dentro da mochila, para comprovar nosso roteiro. Vai ver não foram com a minha cara, sei lá, melhor nem me estender muito nisso.

Quinto conselho: mantenha toda a papelada que você juntar sempre à mão.

Ah, e não preciso dizer que falar inglês direito é mais do que indispensável, né?

 

Londres e Paris a pé

Bem, eram quase 20:00 (hora local) quando conseguimos pegar nossa bagagem e descer à estação Heathrow do Underground, em direção ao Tune Hotel King’s Cross, onde nos hospedamos por duas noites.

Apesar do quarto minúsculo (sendo bondoso no adjetivo), a localização do nosso hotel foi providencial nessa estada tão curta. Ficava a uma quadra da estação King’s Cross do Underground, estação que dá acesso a quatro linhas diferentes do metrô. Através da Piccadilly Line, deu para pegar um único trem direto do aeroporto. Além disso, junto dessa estação fica a St. Pancras International, de onde partia nosso trem para Paris. Mas a melhor notícia foi quando chegamos: o hotel ficava ao lado de um pub

4000 km de carro pela Europa

O hotel é aquela plaquinha preta com letras vermelhas mais à direita…

Se você está se perguntando por quê optamos por conhecer Londres a pé e pegar o carro depois, foi por dois motivos: primeiro, o preço da locação quase dobrava ao retirar o carro na Inglaterra e devolver na Itália e segundo, eu não quis me arriscar na mão inglesa. Não parece, mas muda bastante coisa! Por isso, compramos dois tickets “Day Anytime Travelcard” zonas 1 e 2 do metrô. Apesar do pouco tempo na capital britânica, deu para caminhar bastante (e como!) por lá, com direito a um passeio em um dos Big Bus Tours – vale a pena se você tem pouco tempo na cidade.

Sexto conselho: reserve mais tempo para conhecer Londres um pouco melhor do que nós… um dia e meio, como tivemos, é realmente muito pouco.

Às 16:30 da nossa segunda tarde em Londres, já era hora de partir rumo à França. Chegamos à capital francesa mais ou menos às 18:30 na Gare Du Nord, onde tomamos um táxi ao nosso hotel – um muquifinho BEM simplório mas muito simpático chamado Hôtel Montpensier. Novamente trocamos conforto pela localização: cinco minutos de caminhada e estávamos diante da entrada principal do Museu do Louvre.

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Pense em alguém feliz…

Ficamos três noites em Paris, um lugar tão fantástico que se tivéssemos ficado toda a nossa estadia por lá, não teríamos nos arrependido. Para locomoção, optamos por dois dias do Paris Transport Pass, que dá acesso a todo e qualquer meio de transporte público da cidade.

Tenho um nojo de pobre…

No verão, anoitece MUITO tarde na capital francesa – subimos a Torre Eiffel às 22:00 e pudemos apreciar o pôr-do-sol).

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Assim é Paris às 22:00 no verão

Sétimo conselho: sério, se um dia você tiver a oportunidade, visite Paris. Não é à toa que é a cidade mais visitada… do mundo (Hyundai feelings).

4000 km de carro pela Europa

Depois de três dias batendo perna na cidade-luz, chegou a hora de retirar o carro que alugamos. Mais ou menos 30 minutos de caminhada até a estação de retirada. Chegamos, apresentei meu número de reserva e o voucher impresso e… e…

 

Cara, cadê meu carro?

Lembra que eu queria alugar um Golf, A3, Classe A, Série 1 ou semelhante? Quando chegamos, a estação da Europcar que selecionei era apenas um balcão numa estação do metrô parisiense, o que limitava bastante a disponibilidade de veículos.

Peguei o chaveiro e vi o logotipo da Opel. Pensei “ué”… e quando espichei o pescoço pra fora do prédio, vi um Astra 1.6 CDTI preto esperando por mim. Questionei a atendente e a resposta foi que “não havia veículos disponíveis” na classe que escolhi. “Mas também é um bom carro”, disse a senhora que me atendia, quando reparou na decepção que não consegui tirar da minha cara. E eu louco para pegar um Classe A…

4000 km de carro pela Europa

Cadê a estrela no capô?

O problema é que eu escolhi uma estação muito pequena — se tivesse ido retirar o carro no aeroporto ou pelo menos numa estação do metrô, eu teria mais opções. Como não tinha nenhum carro da classe que eu contratei, então me deram um de categoria inferior, porém mais equipado e movido a diesel ao invés de gasolina. Se eu tivesse insistido, acho que teria conseguido sair com um carro de categoria superior à que contratei — e viajar quase 4.000 km num Classe C não seria nada mau! Mas na hora lembrei do planejamento de gastos com combustível que eu tinha feito, o dinheiro que eu tinha certamente não daria conta do recado.

Oitavo conselho: procure retirar seu veículo em aeroportos ou estações de trem, para garantir que isso não aconteça.

Como eu tinha levado meu GPS de casa, devidamente programado com os mapas e endereços dos nossos hoteis, o GPS original do carro foi praticamente inútil. Já o motor a diesel… esse fez valer a pena andar num carro “inferior”, por assim dizer. Eu estava programado para andar num carro a gasolina durante todo o trajeto e apesar de ter feito uma estimativa dos gastos, eu teria errado FEIO — o preço do litro da gasolina oscilava entre EUR 1,58 na Alemanha e EUR 1,98 na Itália, já o diesel ficou entre EUR 1,38 e 1,75 nesses mesmos países. Além disso, o consumo do motorzinho 1.6 turbodiesel foi excelente, como você verá adiante. Então, o carro acabou encaixando na estimativa otimista que eu tinha feito no Brasil.

Se não tem tu, vai tu mesmo… e saímos de Astra.

 

Começando a jornada: da França à Bélgica, da Bélgica à Holanda

Enquanto eu tentava me entender (e me conformar) com o carro — motor 1.6 turbodiesel, câmbio manual de seis marchas, sistema start-stop, bancos parcialmente revestidos em couro, cruise control… — fomos ao nosso hotel pegar nossas coisas e saímos em direção a Bruges, na Bélgica. Foram 293 km em estradas excelentes, tudo muito bem sinalizado, 16 euros de pedágio nos arredores da cidade de Fresnes (França), mapeados através do meu GPS meia-boca.

 

Bruges, na Bélgica

Chegamos em Bruges e o caminho indicado pelo GPS encontrava-se bloqueado por uma obra… demos umas voltas e achamos o hotel. A cidade é muito bonita e vale a visita — mas faça-o a pé, que é muito mais agradável. Ali começamos a gastar com o carro sem nem mesmo andar com ele: foram 8 euros de estacionamento de um dia pro outro. Dia seguinte, passamos por Gent, Bruxelas (às custas de três horas perdidas em dois belos congestionamentos), Roterdã e chegamos ao nosso hotel em Amsterdã, percorrendo mais uns 300 km nesse dia.

 

Amsterdã e carro: duas palavras que não combinam

Outra mordida: o estacionamento rotativo opera das 8:00 às 00:00 e custa a bagatela de 3 euros por hora na região onde estávamos – mais próximo do centro o preço chega a 5 euros por hora.

Mas andar de carro por lá não foi ruim por isso não. A primeira impressão que tivemos de Amsterdã, no ponto de vista de transporte, foi de que a cidade não gosta de carros, definitivamente. Além do preço do estacionamento rotativo, todas as vias possuem faixas exclusivas para uso de bicicletas e motonetas.

E cara, quanta bicicleta… Tanto que eu e Raquel nos animamos a alugar duas e sair pedalando, uma experiência muito divertida por sinal. Além de dividir o espaço com as magrelas, a rua também é ocupada pelo tram, o bonde elétrico da cidade.

Encontre uma foto sem uma bicicleta

Antes de partirmos em direção à Alemanha, resolvemos passear um pouco pela cidade. Péssima ideia: além do movimento de bicicletas e motos, encontrávamos o tram o tempo todo, pessoas atravessando e caminhando por qualquer lugar, alguns (poucos) caminhões e (muitos) ônibus de turismo dividindo o mesmo espaço, quase sempre em ruas bem estreitas. Ficou claro que automóveis não têm prioridade por lá.

Não quero dizer que eles estão errados – acho que até certos, pois o transporte público deles funciona bem e as bicicletas são muito mais eco-friendly – mas isso faz com que dirigir na capital holandesa se torne uma experiência estranha.

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Essa é uma rua tranquila de Amsterdã. Agora imagine o triplo de cada veículo na mesma via

Nono conselho: se for a Amsterdã, deixe o carro no hotel. De preferência, longe do centro. A pé ou de bike é muito melhor.

Rumo à Alemanha, paramos para almoçar num restaurante no meio da auto-estrada, confesso que nem sei direito onde estávamos, e seguimos adiante.

 

Alemanha, autobahnen e… gasolina, por favor

Cruzamos a fronteira com a Alemanha, passamos pelos arredores de Düsseldorf e só aí que fui lembrar que ainda não tinha parado para abastecer. Àquela altura, o carrinho já tinha rodado nada menos que 970 km desde Paris e a luz da reserva finalmente acendera. Nada mau! Enchi o tanque pela primeira vez, gastei uns 80 euros e então resolvemos conferir a cidade de Colônia (Köln), ali perto.

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A impressionante Dom de Colônia. Aquela moça de braços abertos é a Raquel…

Apesar da visita ter valido a pena, nós perdemos mais duas horas enfrentando congestionamentos para entrar na cidade, que começavam na própria autobahn. Isso veio a se repetir várias vezes na nossa passagem pelo país, aliás.

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Déjà-vu?

Seguimos adiante passando por Bonn e Frankfurt, mas nem nos animamos a entrar por receio de perder ainda mais tempo em tranqueira. Passamos pelo acesso à região onde fica o autódromo de Nürburgring – também não deu para dar uma passada lá, já era quase noite –, depois passamos pelo autódromo de Hockenheim na autobahn. Até Frankfurt, pegamos tanto congestionamento na estrada, devido aos acessos às cidades de maior porte e também a várias obras de ampliação e manutenção das estradas, que quase não tive chance de aproveitar uma autobahn como se deve (se bem que os vários alemães que passaram por mim não pensavam do mesmo jeito, mas não quis arriscar logo no primeiro dia).

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Tá vendo a fila do outro lado? Foram uns 8 km desse jeito…

Décimo conselho: não é porque você está na autobahn que você deve tentar encarnar o Schumacher ao volante. Habitue-se ao ambiente antes disso.

Os últimos 150 km depois de Frankfurt, para chegar a Stuttgart onde passaríamos aquela noite, esses foram divertidos: a patroa cansada, eu nem tanto (hehehe! esperando pela oportunidade)… ela dormiu, apareceu a primeira placa de velocidade liberada e vamos ver se o Astra anda ou não anda.

 

“Taca-lhe pau nesse carrinho!”

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Tá vendo aquela placa ali à direita? Só lembranças boas

Eram umas 20:30, esposa dormindo, resolvi pisar um pouco. O motorzinho 1.6 turbodiesel começou a gritar mais alto e a uns 3.000 rpm em sexta marcha eu estava a uns 170 km/h. Deu para seguir por uns 100 km mais ou menos nesse ritmo, reduzindo para 100 ou até 80 próximo aos acessos às cidades, como manda a lei local.

Chegando perto de Stuttgart (quase dez da noite), estava eu bem feliz e contente a uns 170 km/h outra vez, quando vejo dois pares de farois de xenônio no meu retrovisor crescendo bem rápido… Apesar de estar na segunda das quatro faixas da autobahn, puxei para a direita e ocupei a terceira faixa, para não me meter em briga de cachorro grande. Em coisa de segundos, passaram por mim dois Porsche 911 desfrutando da estrada como eu gostaria de estar… Como diria o Bráulio, “lascivei”. Baixei um pouco o vidro do carro pra ouvir os boxers berrando alto, o suficiente pra acordar a esposa. Ela nem viu o que era: só viu o meu sorriso besta, deu uma risada e voltou a dormir.

Toda autobahn tem no mínimo três faixas — ao menos em todo o trajeto que fizemos. A faixa da esquerda fica invariavelmente livre, só é usada para ultrapassagens e mais nada. Mesmo aqueles dois 911 voltaram para a pista à sua direita (a segunda, no caso) depois de passarem por mim. Caminhões e veículos lentos, faixas à direita. DIREITA, caramba. Igual a um certo país onde eu moro…

Décimo primeiro conselho: não se envergonhe de ser turista e ser ultrapassado por muitos numa autobahn alemã. Melhor isso do que fazer uma merda à brasileira.

Chegamos ao hotel Ibis em Stuttgart, onde descansamos após uns 650 km de viagem desde a saída em Amsterdã. A agenda do dia seguinte começava com a minha exigência, talvez um dos únicos lugares que sempre estiveram no trajeto desde o início.

 

Do Porsche Museum ao roteiro “impossível”

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Bom, para um fã da marca como eu, conhecer o Porsche Museum é algo marcante. Vale demais a visita, mesmo porque o ingresso nem é tão caro assim, o local é muito bonito, extremamente organizado, com uma loja de gifts muito bacana na saída e aluguel Porsche Drive para quem quiser provar da brincadeira.

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A oficina de clássicos da marca, vista do café existente na entrada do museu

Não preciso me estender muito, mas ainda demos sorte de pegar uma exposição especial em referência a Le Mans, pois a corrida deste ano tinha acontecido apenas alguns dias antes. Muito legal mesmo!

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Pra quem costumava ver só umas poucas dessas máquinas na loja do Pastore, tá de bom tamanho!

Não preciso nem dizer que eu estava – como diz um ditado daqui do Sul — mais feliz que mosca em tampa de xarope…

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Duro foi voltar pro Astra…

Naquela noite, dormiríamos em Munique, que fica a uns 250 km dali através da autobahn. Rápido e fácil, né? Também achamos, então resolvemos aproveitar para rodar um pouco mais. Saímos de Stuttgart e seguimos em direção a Baden-Baden, cidade muito simpática e bonita que marca o início do roteiro da Floresta Negra (Schwarzwald). Parei nas informações turísticas e perguntei sobre o roteiro que pretendíamos fazer naquele dia – cruzar a Schwarzwald, descer até Zurique (Suíça), passar por Liechtenstein e subir de volta até Munique. Ouvi uma gargalhada da senhora que me atendia, alguns comentários (certamente sarcásticos) em alemão e um “that’s not possible, forget it“. Não acreditei nela e segui adiante… como é mesmo aquela frase do “sou brasileiro”?

Pra quem gosta de dirigir, a Floresta Negra é uma paisagem muito bonita que é costurada por um belíssimo trajeto – cruzamos com muitos motoqueiros, algumas Ferrari (descendo a montanha do jeito que se deve, aliás), alguns Jaguar E-Type, enfim, bem bacana mesmo. Saímos na pequena cidade de Freudenstadt, cruzamos por mais uma penca de cidades bem pequenas, uma grudada na outra, até sairmos na autobahn que levava à fronteira com a Suíça. Antes disso, abastecemos novamente (tinha cerca de 1/4 de tanque e eu já tinha rodado uns 700 km desde as proximidades de Düsseldorf).

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Nada como uma estradinha de interior para curtir seu Jaaaag

Na fronteira da Confoederatio Helvetica — é isso que significa aquele CH que identifica a Suíça na União Europeia —, fomos parados pelo fiscal, que pediu nossos passaportes e indicou a obrigatoriedade do vignette, que é um adesivo colado ao vidro para indicar que você pagou o pedágio.

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Esse vignette suíço vale por um ano e custa CHF 40 (francos suíços, afinal, eles têm moeda própria), o equivalente a 35 euros. Além disso, o fiscal foi muito solícito e até indicou um ponto turístico próximo à fronteira chamado Rheinfall, local com vista panorâmica para as cascatas do Rio Reno. Conferimos e seguimos adiante.

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Rheinfall, Zurique e o caminho para Liechtenstein

Entramos em Zurique para conhecer um pouco da cidade — já passava das 19:00 e ainda tínhamos quase a metade do trajeto pela frente! Quase comecei a acreditar na alemã que riu de mim, mas continuamos. Passamos pelos Alpes suíços (só vendo pra crer, lugares fantásticos), e conhecemos o pequeno principado de Liechtenstein.

Na ordem, o preciso local de fronteira entre a Suíça e Liechtenstein, a capital Vaduz e o Schoss Vaduz, residência oficial do príncipe de Liechtenstein

Até queríamos entrar em Bregenz (Áustria) e Lindau (Bodensee, na Alemanha) mas já era tarde da noite quando passamos por esses lugares. Ao passarmos por Lindau, já de volta à autobahn alemã, pegamos um pouco de chuva e mais adiante, estrada interrompida. Foi complicado fazer o GPS entender que não dava para passar por ali…

Décimo segundo conselho: aprenda a mexer direito no seu GPS antes de sair viajando. Não seja burro como eu fui…

Cansado e sem paciência para descobrir como ajustar o GPS, acabamos seguindo uma van da Sixt (outra locadora de veículos) que nos guiou através do desvio, que tinha cerca de 25 km e cruzava uma cidade da região. Depois disso? Mais de 180 km/h direto no Astra para chegar em Munique!

Aí bateu a preocupação: e se não tiver ninguém no hotel pra atender?

 

“Dear Mr. DA SILVA”

Chegamos em Munique depois da 1:00 (rá! quem disse que era impossível?), após rodar 735 km de uma vez só.

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O Hotel Laimer Hof, onde tínhamos reserva, é um estabelecimento familiar, ou seja, sem recepção 24h. Ao encontrar o hotel, nos deparamos com a cena abaixo:

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Com um cartaz desses, poderia ser eu, o Ayrton Senna, o presidente Luiz Inácio, o meia brasileiro naturalizado croata Eduardo… meio genérico, mas tá valendo

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Nossa sorte foi que os proprietários são tão atenciosos que deixaram esse singelo recado para quando chegássemos. Toquei a campainha, acordei um rapaz que falava um inglês com sotaque de alemão sonolento, mas no fim deu tudo certo, fizemos o check-in e fomos pro nosso quarto (rindo bastante). Munique é fodástica, ficamos dois dias por lá e curtimos bastante a cidade. Não gastamos com estacionamento – não havia cobrança na região do hotel e é tudo muito seguro, não tivemos qualquer receio de deixar o carro na rua.

No dia programado para sairmos de Munique em direção à Áustria, baixou um tempo chato, chuviscando, neblina, um pouco de frio… mas precisaria mais do que isso pra nos desanimar. Era encher o tanque do carro (de novo) e seguir viagem. Só que a programação desse dia quase conseguiu derrubar o nosso astral: resolvemos dar uma chegada até Dachau, que fica a menos de 40 km de Munique, para conferir o memorial às vítimas da II Guerra Mundial.

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Arbeit macht frei: a grande mentira estampada já na entrada

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Trata-se de um campo de concentração nazista (o primeiro criado pelo III Reich, na realidade) e que desde 1965 está aberto ao público. Muito triste, de revirar o estômago, ainda mais com um tempo cinzento como o que pegamos naquele dia. Mas vale muito a visita, não dá para esquecer os horrores de Adolf Hitler e sua trupe. Serve para fazer uma reflexão sobre muita coisa, acredite…

Décimo terceiro conselho: se for visitar um campo de concentração, esteja psicologicamente preparado.

Saímos de Dachau próximo às 13:00, sem almoçar – e também sem fome, depois do que vimos – e partimos em direção à Áustria. Fizemos um caminho que nos permitisse conhecer a cidade de Füssen, próximo à fronteira, que tem dois castelos medievais. O mais famoso deles é o Schloss Neuschwanstein, que acabou ficando conhecido como o “Castelo da Cinderela” pela fama que o lugar tem de ter inspirado os criadores do personagem da Disney. Não sei se procede, mas chegando lá, realmente parece um conto de fadas. O troço é desproporcional, deslumbrante, exagerado, magnífico – não é à toa que o rei Ludwig II tem a fama de ter gasto todo o ouro da coroa levantando castelos impressionantes (e desnecessários). Mas era a Idade Média, muita coisa não fazia sentido mesmo…

Füssen e seus dois castelos – o mais imponente é o Neuschwanstein, mas não é o único

A própria cidade de Füssen é muito bonita e vale a visita. Acabamos almoçando por lá (eram quase cinco da tarde), quando a fome finalmente voltou. Seguimos adiante em direção à fronteira austríaca, rumo à cidade de Innsbruck.