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Projetos Zero a 300

Ford Mustang Boss 351 V10: o mundo seria um lugar melhor com ele

A Dodge clamou o título de única fabricante norte-americana a oferecer um esportivo com motor V10 – o Viper, que estreou em 1992 e foi produzido até 2017, com um breve hiato entre 2010 e 2013 por causa, entre outras coisas, da recessão mundial de 2009. Um dia, porém, a Ford quase acabou com a exclusividade do Viper neste quesito.

Quer dizer, ao dizer que “a Ford quase colocou um Mustang com motor V10 nas ruas” estamos sendo bem otimistas, o que sequer faz sentido porque estamos falando de algo que ocorreu 20 anos atrás. Uma época mais simples, quando ninguém falava em dupla embreagem, downsizing, híbridos plug-in, carros elétricos ou veículos semi-autônomos como possibilidades reais e viáveis. Muita coisa muda em 20 anos, e isto fica bem evidente quando olhamos para o Ford Mustang lançado em 1999.

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Em sua quarta geração, cuja estreia foi em 1993, o pioneiro dos pony cars havia acabado de ser reestilizado. A carroceria conservou o perfil visto pela primeira vez seis anos antes, mas a dianteira e a traseira ganharam linhas mais angulares, com faróis e lanternas maiores, para-choques mais proeminentes. Era um cupê de desenho contemporâneo, com referências bem sutis ao design dos anos 60 – como as lanternas traseiras repartidas em três seções verticais. Não era um carro retrô como a geração seguinte, de 2005 (e é por isto que, pensando bem, não faz sentido quando reclamam do fato de a geração atual não ser retrô).

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Em 2003 o Mustang de quarta geração já estava bem estabelecida, e era bem vista pelos entusistas – afinal, foi a geração que “salvou” o Mustang, devolvendo o muscle ao car. Então fica fácil entender por que um grupo de engenheiros da divisão Powertrain Research & Advanced Engines, em Dearborn, Michigan decidiu transformar um V8 em V10 e colocá-lo no cofre de um Mustang que estava “sobrando” no pátio da Ford: eles tinham acesso ao material e às peças, uma oficina completa à disposição e simplesmente queriam saber se era possível.

Havia, claro, uma “desculpa” para justificar o projeto, que foi feito nas horas vagas sem avisar à diretoria – que é como surgem os melhores projetos de fábrica, sempre gostamos de dizer. O motor V8 Modular de 4,6 litros (281 pol³) com comando duplo no cabeçote, introduzido em 1993, era um excelente motor – leve, compacto e girador. No entanto, o pouco espaço entre os cilindros e o curso reduzido dos pistões deixavam pouco espaço para ampliar o deslocamento com mais curso e diâmetro. O que fazer, então? Dar dois cilindros a mais ao V8 de 4,6 litros, aumentando seu deslocamento de 4,6 litros para 5,75 litros, ou de 281 pol³ para 351 pol³. Por isto, o protótipo foi batizado como Boss 351, em referência à versão clássica lançada em 1970 com motor V8 de 5,8 litros – ou 351 pol³.

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O orçamento limitadíssimo levou o time a aproveitar o máximo possível de materiais, ferramental e componentes que já existiam no depósito da Ford. Os moldes para o bloco do V10, por exemplo foram feitos usando moldes de V8 cortados e colados, e o mesmo foi feito para os moldes dos cabeçotes. Bielas do Mustang Cobra Terminator e pistões com taxa de compressão de 10:1 de outros projetos foram reaproveitados, e novos comandos de válvula foram feitos com base nas medidas do Cobra R. O motor foi instalado no carro sem jamais ter sido testado em um dinamômetro de bancada – não havia recursos bastantes para isto.

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O carro, aliás, era um Mustang já bem usado – um carro de frota que serviu para testar a compatibilidade do motor V8 supercharged de 5,4 litros usado pela SVT no Cobra R, que precisava de um capô especial para acomodar o compressor mecânico. Com o motor V10 a saliência no capô não era necessária, visto que ele tinha a mesma altura do V8 de 4,6 litros e apenas 100 mm a mais no comprimento geral. Coletores de escape 5x3x1 feitos sob medida e uma travessa tubular feita sob medida ajudaram o motor V10 a se acomodar na mesma posição em relação à parede corta-fogo que ficaria o V8 original, e o espaço na dianteira se mostrou suficiente para o sistema de arrefecimento. Da mesma forma, a transmissão manual de seis marchas Tremec T-56 foi encaixada sem problemas.

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A alimentação ficou por conta de duas ECU, uma para cada bancada de cilindros, com painéis de controle do lado do carona – uma medida nada estética e totalmente funcional, permitindo que se o engenheiro sentado ali realizasse alterações em tempo real, dois corpos de borboleta de 70 mm para cada coletor de admissão. Uma vez testado em dinamômetro, o motor V10 rendeu 432 cv a 6.500 rpm e 55,3 mkgf de torque a 5.200 rpm.  Felizmente é possível vê-lo e ouvi-lo em ação graças a este vídeo relembrado pelo pessoal da Road and Track:

Com esta força, o Mustang V10 foi capaz de cumprir o quarto-de-milha em 11,93 segundos a 188,3 km/h. O Dodge Viper, com seu V10 de oito litros com comando no bloco e 456 cv, cumpria o quarto-de-milha em 12,2 segundos a 192,8 km/h. É uma comparação puramente baseada no número de cilindros, visto que o V10 one-off do Mustang era outro tipo de motor, com comando duplo no cabeçote e capacidade de girar muito mais. Dito isto, o Viper também usava o câmbio Tremec T56.

Por outro lado, os fãs do Viper podem comemorar o fato de seu esportivo com motor V10 favorito ter sido, de fato colocado nas ruas e sido uma lenda por um quarto-de-século. O Mustang Boss 351 V10 só passou por uma bateria de testes de revistas antes de desaparecer – não se sabe o paradeiro do protótipo hoje em dia.

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Não existem muitos carros com motor V10 na história da indústria automotiva – e certamente é ingênuo esperar que virão outros no futuro. Audi R8, Lamborghini Huracán, Lexus LFA, BMW M5 E60 e o Dodge Viper estão entre eles e todos já nos deixaram ou estão em vias de fazê-lo, e a tendência é que os motores sobrealimentados com menos cilindros e menor deslocamento substituam de vez os naturalmente aspirados nos próximos anos. A exceção será o Lamborghini Huracán, cujo sucessor terá um V10 com tecnologia híbrida – e sem indução forçada, garante a companhia italiana. O Mustang Boss 351 foi um devaneio que talvez nem fosse viável a ponto de integrar o seleto grupo dos esportivos com motor V10, mas isto não nos impede de desejar que isto tivesse acontecido.