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Kunimistu Takahashi: a história do inventor do drift – e o cara que inspirou Keiichi Tsuchiya

Nomes japoneses, para a gente que nasceu no Brasil falando português, são meio complicados e difíceis de lembrar. Mas você, leitor do FlatOut, certamente sabe quem é Keiichi Tsuchiya (e, se não sabe, fique sabendo): o Drift King, que popularizou o drifting em todo o mundo, competiu em provas de turismo nos anos 80 e é um dos apresentadores dos programas das revistas Best MotoringHot Version. Seu Toyota AE86 é um dos carros mais famosos e cultuados entre os fãs da cultura automobilística japonesa, e sua carreira é inspiração para muitos entusiastas que desejam dominar a técnica do drift – no Brasil, no Japão e no mundo. Mas… quem inspirou Keiichi Tsuchiya?

Seu nome é Kunimitsu Takahashi e, se ele não inventou o dorifuto, certamente foi o responsável por sua popularidade na Terra do Sol Nascente. Vamos contar sua história agora.

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Kunimitsu nasceu em Tóquio em 1940, e já em 1960 participou de seu primeiro Grand Prix de motociclismo. No ano de 1961, ele se tornou o primeiro piloto japonês a vencer uma etapa do Moto GP fora do Japão, em Hockenheim, na Alemanha, conduzindo uma moto Honda de 250 cm³. Kunimitsu continuou sobre as duas rodas até 1964, conquistando outras três vitórias e um quarto lugar no Tourist Trophy na Ilha de Man.

Foi exatamente no Snaeffel Mountain Course, em Man, que Kunimitsu sofreu uma queda e levou alguns meses para se recuperar. O risco inerente de ser um motociclista profissional foi um dos fatores que o levaram a trocar o guidão pelo volante. E foi ao volante que o piloto, hoje um veterano com 77 anos de idade, se tornou uma lenda.

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Logo de cara, Takahashi tornou-se piloto da equipe de fábrica da Nissan, e foi um dos que conduziram a segunda geração do Skyline no Campeonato Japonês de Turismo (que na época se chamava All Japan Touring Car Championship, ou só JTCC) até 1968, quando o primeiro GT-R foi lançado – o famoso Hakosuka, que era movido por um seis-cilindros de dois litros e 200 cv. Este motor, que em configuração de pista chegava perto das 12.000 rpm, foi um dos primeiros com comando duplo no cabeçote e quatro válvulas por cilindro.

Se você for procurar informações e os melhores resultados da carreira de Kunimitsu no JTCC, não vai ter muito sucesso – a menos que saiba japonês, pois este é o tipo de coisa que os nipônicos costumam de guardar para si. Os registros visuais ficaram, em sua maioria, perdidos no tempo, e os que existem precisam ser garimpados com carinho no Youtube e em sites cheios de bugs dos anos 90.

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É bem sabido, contudo, que até o fim de 1972 o Hakosuka acumulou mais de 50 vitórias em circuitos espalhados pelo Japão, superando carros como o Mazda RX-2, o Porsche 911 e o BMW 2002. No ano seguinte, o Mazda RX-3 chegou e acabou com a festa do Skyline GT-R. De qualquer forma, a crise do petróleo de 1973 também contribuiu para que a Nissan tirasse o Skyline GT-R de linha por um tempo e encerrasse sua participação em provas de turismo.

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Isto não impediu, contudo, que Kunimitsu Takahashi de ficar famoso, e nem de se tornar um ídolo, pelo modo como conduzia seu Hakosuka nº 6. O carro branco com faixas vermelhas virou capa de revista, pôster, miniatura e skin para simulador, e a partir dos 2:30 do vídeo abaixo, pode ser visto soltando a traseira nas curvas largas e abertas do circuito de Fuji Speedway. É bonito de ver e ouvir.

Naquela época, o asfato de Fuji Speedway era ruim e os pneus definitivamente não eram tão aderentes quanto hoje. A pilotagem era brutal, rápida e cheia de disputas por posições. Kunimitsu Takahashi encontrou seu próprio método de explorar as condições não muito favoráveis: dando derrapagens controladas.

Se você tem boa memória, vai lembrar que a técnica de derrapagem controlada é diferente do drift – o Juliano Barata, nosso editor-chefe, explicou tudo bem explicadinho aqui. Cabe um resumo: ao “lançar” o carro nas entradas de curva, atacando as mesmas com velocidade e apontando para dentro, os pilotos das antigas – até o fim dos anos 70, mais ou menos – faziam com que a traseira “escorregasse” e davam gás, mantendo um estado de dinâmica neutra, levemente sobesterçante, e contornando a curva deslizando sobre as quatro rodas. Era uma forma de aproveitar ao máximo o limite de aderência dos pneus, que naquela época tinham composto muito mais duro e carcaça muito mais dobrável nas laterais.

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Foto: Japanese Nostalgic Car

O efeito visual era muito parecido com o do drift, mas havia uma diferença importante: os carros começavam a deslizar já no meio da curva. No dorifuto propriamente dito, o carro já entra na curva de lado. É importante lembrar que o drift não é uma técnica de velocidade, mas sim uma demonstração de perfeito conhecimento da dinâmica e controle do carro. Entre jogar a traseira antes mesmo de entrar na curva e manter-se na combinação ideal de ângulo de esterçamento, velocidade e limite de aderência, perde-se preciosas frações de segundo. Ganha-se, contudo, no espetáculo.

Kunimitsu Takahashi pilotou profissionalmente até meados dos anos 90. Em 1977, ele participou de sua primeira e única corrida de Fórmula 1, chegando em nono lugar pela Tyrrell no GP do Japão. Entre 1986 e 1996 ele participou oito vezes das 24 Horas de Le Mans, ficando de fora da mais importante prova de longa duração do automobilismo apenas em 1991, 1992 e 1993. Seu melhor resultado no Circuito de La Sarthe foi um oitavo lugar com o o Honda NSX de sua própria equipe em 1995. Nos anos 90 ele foi presidente da GT Association, órgão responsável pelo campeonato japonês de Super GT.

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Foto: Oishi Yukio

Entre os espectadores de Kunimitsu Takahashi nos anos 70 estava um garoto chamado Keiichi Tsuchiya. Que, como dissemos há alguns parágrafos, começou a pilotar carros de turismo na década de 80. Como muitos moleques de sua geração, ele cresceu no meio das corridas ilegais, e levou para as competições o que aprendeu nas ruas das cidades e estradas nas montanhas (as famosas touges) do Japão.

Tsuchiya, claro, não estava sozinho nessa. Foi nas ruas e track days que o drift tomou, gradualmente, a forma que conhecemos hoje. A habilidade necessária e o espetáculo de cortes de giro e cortinas de fumaça de pneu explodiram em popularidade, bem como os carros de tração traseira baratos como o AE86 (que, por conta disso, hoje não é barato). Keiichi Tsuchiya continuou correndo e, ainda que fosse cada vez mais para a pista e menos para as ruas, continuou participando de ocasionais disputas nas ruas e contribuindo para a disseminação do drift no underground.

Pode-se destinar parte do crédito a Pluspy, um especial de quase 25 minutos que destaca a habilidade de Keiichi ao volante. A história por trás do vídeo é nebulosa como as montanhas do Japão onde ele foi gravado, e o consenso geral é que “várias revistas automotivas e oficinas japonesas” se juntaram para produzir este que pode ser considerado o primeiro vídeo sobre drift já feito. Misturando pilotagem hardcore com soft synth jazz japonês, Pluspy se tornou um clássico e, dizem, rendeu a Tsuchiya a perda temporária de sua habilitação.

Depois, já como parte do elenco da Best Motoring, Tsuchiya estrelou Drift Bible, um guia de mais de uma hora com todos os macetes necessários para quem quer começar a praticar o drift. Se a gente já publicou alguma vez este vídeo aqui, dane-se: vai de novo.

Keiichi Tsuchiya passou a ser chamado de Drift King (em japonês, carinhosamente abreviado como Dorikin) mais ou menos nesta época. E foi ele uma das inspirações inspirou Shuich Shigeno na hora de criar Takumi Fujiwara, que também pilotava um AE86 derrapando de lado nas touge japonesas. A outra inspiração, como contamos aqui, foi Jun Fujinoki, que realmente cuidava de uma tofu shop nos anos 90 e corria nas ruas com um Subaru Impreza preparado quando não estava trabalhando.

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Tsuchiya guardava uma admiração muito grande por Kunimitsu. Ficando cada vez mais conhecido no automobilismo japonês, Keiichi conta no vídeo abaixo (sem legendas, infelizmente) que no fim dos anos 80 teve a oportunidade de aprender algumas técnicas com seu herói, que acabou tornando-se também seu mentor. A relação dos dois culminou com Keiichi Tsuchiya e Kunimitsu Takahashi sendo colegas de equipe e revezando ao volante de um Skyline GT-R R32. Depois, em 1995, Tsuchiya foi um dos pilotos que revezaram ao volante com o próprio Kunimitsu em seu Honda NSX na edição de 1995 de Le Mans.

Se você é fã de Initial D, sabe que os irmãos Ryosuke e Keisuke Takahashi têm um papel importante na história. Os pilotos da gangue RedSuns, rivais de Takumi Fujiwara, se juntam a ele mais tarde, quando é fundada a equipe Project D.

O sobrenome dos irmãos Takahashi foi inspirado por Kunimitsu Takahashi – e o anime até brinca com a ideia de os Keisuke e Ryosuke serem filhos dele. Não duvidamos que este tenha sido um pedido do próprio Tsuchiya.