FlatOut!
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Nós assistimos à estreia da segunda temporada de The Grand Tour e… gostamos!

Quando topei com “Top Gear” pela primeira vez em 2007, o programa já estava em sua nona temporada, com formato consolidado e audiência em crescimento geométrico. A qualidade do programa, que misturava a acidez e o nonsense do humor britânico com os carros dos nossos sonhos e quadros que ninguém havia ousado fazer sobre rodas até então, foi algo que me conquistou de cara. Logo comecei a assistir às outras oito temporadas respeitando a sequência cronológica. Ou melhor dizendo, tentei.

A primeira temporada de Top Gear foi terrível e impossível de assistir na íntegra. Lançada no distante 2002, era basicamente uma experiência de Andy Wilman e Jeremy Clarkson, dois colegas da high school que se tornaram jornalistas, entraram na BBC e acabaram se associando para criar um novo formato para um antigo programa (Top Gear nasceu em 1977 como uma “revista eletrônica” e manteve o formato original até 2001). O trio de apresentadores era formado pelo já polêmico Clarkson, um jovem Richard Hammond e um esquisito Jason Dawe, especialista em… carros usados — todos vindos de outros programas da TV britânica. A ideia era que Dawe cuidasse da parte de serviço ao consumidor do novo programa, enquanto os outros dois fariam as avaliações e quadros mais divertidos.

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Olhando em retrospectiva era uma ideia estúpida: como todos os power trios da história nos mostraram, a única razão de se ter um trio é tê-los trabalhando juntos, entrosados e servindo de apoio uns para os outros. Logo ficou evidente que Dawe e seu tedioso quadro sobre carros usados e dicas de compra e venda era dissonante do novo formato planejado por Clarkson e Wilman, o cara foi sacado do programa e em seu lugar foi colocado James May, formando o trio que todos conhecemos até hoje.

Novos quadros foram criados, o entrosamento entre os apresentadores ficou mais natural e descontraído, o negócio começou a funcionar, a audiência lentamente começou a crescer e o programa se tornou o maior programa automobilístico da história da TV em termos de audiência, orçamento e faturamento.

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Avance 15 anos. Clarkson falou demais, fez besteiras demais e acabou sacado do programa que ele mesmo ajudou a moldar. O trio foi para a Amazon, onde criaram o Grand Tour. E aqui as histórias de Top Gear e The Grand Tour se encontram como o reinício de um ciclo. A primeira temporada de Grand Tour trouxe o trio que já conhecemos há tanto tempo, fazendo tudo o que sempre gostamos de vê-los fazendo — mais ou menos como a primeira temporada de Top Gear mostrou rostos conhecidos em uma situação desconhecida. Os apresentadores estavam entrosados, mas a produção daquela primeira temporada deixou claro que eles não sabiam como fazer tudo igual fazendo (quase) tudo diferente. O jeito foi arriscar. Na pior das hipóteses, os novos quadros não dariam certo.

E não deram.

Proibidos de fazer o “Star in a Reasonably Priced Car”, eles fizeram piada com o “Celebrity Brain Crash”, no qual os convidados “morriam” a caminho da tenda-estúdio. Nas duas primeiras vezes foi engraçado, mas como toda piada repetida, nos últimos episódios já não havia graça nenhuma. A menos que você veja graça na infâmia.

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O Stig também estava proibido, então eles descolaram um piloto americano e brincaram com o estereótipo do redneck make america great again — que também ficou infame depois de dois ou três episódios. Some isso à criatividade pouco inspirada do quarteto (o trio de apresentadores mais o produtor Wilman) e você tem uma temporada irregular, que mais parecia uma ressaca de tudo o que acontecera em Top Gear no ano anterior.

 

O novo Grand Tour

Repetindo a história, Clarkson, Hammond, May e Wilman mudaram o programa para esta segunda temporada. A tenda já não gira o mundo, mas permanece fixa na Inglaterra. Os quadros que não funcionaram foram substituídos por novos que funcionam (ao menos no primeiro episódio). O programa ganhou um novo circuito e ainda não há um novo piloto de testes.

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O primeiro episódio começa com uma viagem pelo “The Grand Tour of Switzerland” (sobre o qual falamos aqui em 2014) para comparar o carro de ontem, o carro de hoje, e o carro de amanhã — uma metáfora para um carro aspirado, um carro híbrido e um carro elétrico. Supercarros no caso. Lamborghini Aventador, Honda NSX e Rimac Concept_One.

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Sim: a temporada começa com o terrível acidente sofrido por Hammond a bordo do supercarro elétrico em uma subida de montanha suíça. Talvez tenha sido proposital, para atrair a audiência curiosa para saber como tudo aconteceu. Ou talvez tenha sido a solução para explicar Hammond de muletas nos episódios seguintes.

A viagem foi a atração principal do programa. Não houve nenhum outro carro ou quadro externo além da viagem. Nela o trio assume de vez que transformou o programa de carros em um programa de entretenimento familiar centrado em carros. Boa parte dos dois primeiros blocos tem mais humor e situações cômicas do que carros acelerando. Encare essa mudança sutil na direção do programa como uma forma de sobrevivência nestes tempos em que os carros são o novo cigarro. Além disso, o roteiro é bem conduzido, você não chega a ficar entediado, mas ansioso para ver logo os carros, e corridas e curtição motorizada.

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A viagem culmina com a fatídica subida de montanha. Clarkson sobe com o Aventador, May com o Honda, então Hammond parte com o Rimac. Há uma certa morbidez no humor do episódio: antes da subida de Hammond, Clarkson e May iniciam uma brincadeira de fazer pressão psicológica sobre o baixinho, em uma tentativa de desconcentrá-lo, o que resultaria em um tempo baixo. Hammond sobe curiosamente tenso, com os olhos arregalados, e a edição constrói uma dramaticidade que te deixará inevitavelmente tenso ou, no mínimo, ansioso. Todos sabemos que ele vai bater, mas não sabemos quando. O desfecho chega a ser um pouco chocante, mas de volta ao estúdio o trio conduz o caso exatamente como se espera.

Yes, yes, he nearly died, no need to keep going on about it. #TheGrandTour

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O quadro “Conversation Street” continua, reforçando a comicidade dos personagens construídos sobre a personalidade real dos apresentadores, como se fossem caricaturas em um bate-papo. O quadro tem a dose de humor e a duração exatas para ser divertido e, claro, politicamente incorreto.

A primeira novidade é o substituto de “Star in a Reason…”, digo, “Celebrity Brain Crash”. Chama-se “Duelo de Celebridades” e parece a solução perfeita que a temporada passada não encontrou. A ideia é chamar duas celebridades que se confrontarão na pista, mas não duas celebridades aleatórias, e sim com um fato em comum. Neste primeiro episódio, eles foram descobrir “qual é o ex-jurado de show de talentos mais rápido do mundo”, e para isso chamaram David Hasselhoff (sim! Ele mesmo!) do America’s Got Talent, e Ricky Wilson do Kaiser Chiefs, que também foi jurado do The Voice UK. Eles disputam um time attack em um circuito que combina asfalto e cascalho a bordo de um Jaguar F-Type Coupe — bizarramente legendado como Jaguar Tipo F.

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(Aqui aliás, um parênteses: não sei se as legendas exibidas na avant-premiere de ontem são as mesmas que serão exibidas no Amazon Prime, mas elas têm uma quantidade acima da média de erros de tradução, como “V12 engine” traduzido como “motor 12 V” ou “nineteen fifty-five” legendado como 1995. Em determinado momento da Conversation Street, a piada final perdeu completamente o sentido devido a uma tradução literal fora de contexto. Esse é um ponto em que praticamente todos os programas sobre carros deslizam.)

O fato de a entrevista agora contar com duas celebridades e não apenas uma, torna o quadro mais dinâmico, mais cômico e, neste caso, em particular, mais politicamente incorreto. Esperamos que os próximos mantenham estas qualidades.

Também sentimos falta de um terceiro quadro neste primeiro episódio, mas pelo que vimos em informações embargadas (desculpem aí, galera, não podemos contar) os próximos episódios terão mais variedade de temas, alternando viagens com avaliações e os novos quadros.

Se o primeiro episódio desta segunda temporada de The Grand Tour é um prenúncio do que teremos nos próximos 11 episódios, a história de Clarkson, Wilman e cia. se repete: depois de uma derrapada na primeira temporada, eles seguraram o carro, recuperaram a trajetória e seguem acelerando para recuperar a ponta.

The Grand Tour está disponível no Brasil pelo Amazon Prime Video, o principal concorrente do Netflix atualmente. Para acessar clique neste link. Veja outros títulos automobilísticos disponíveis no Amazon e no Netflix neste post