FlatOut!
Image default
Car Culture

O pai do mítico 426 Hemi se foi: veja a história de Tom Hoover – e ouça o ronco de sua criação!

O que um muscle car com motor Hemi poderia fazer pelo seu dia? Abrir um sorriso em WOT (wide open throttle, ou aceleração total) deve estar entre os primeiros itens, mas não no dia 30 de abril deste ano. Foi essa a data de partida de Tom Hoover, morto aos 85 anos devido à Síndrome de Guillain-Barré, uma doença autoimune em que o sistema imunológico ataca o nervoso, causando fraqueza muscular crescente.

Hoover foi o pai do moderno motor Hemi, especialmente o primeiro e mais significativo deles, o 426 Hemi, o que talvez tenha explicação no fato de seu primeiro carro, um DeSoto 1952, ter câmaras hemisféricas. Antes de Hoover, os motores deste tipo na Chrysler eram chamados apenas de “double rockers”. Posteriormente à criação do 426, ganharam o apelido de “early Hemi”.

Tom_Hoover-Hemi

Como quase todo petrolhead, Hoover se apaixonou por carros desde criança. A profissão do pai, mecânico, deve ter ajudado no gosto pelas máquinas. Em 1948, ele entrou na Guarda Nacional da Pensilvânia e foi convocado para a Guerra da Coreia em dezembro de 1950. Passou 19 meses servindo. Anos depois, em 1955, ele começou a trabalhar na Chrysler e fez mestrado em engenharia automotiva no Chrysler Institute.

Tom-Hoover-Denver-3_505

Por pouco Hoover não foi trabalhar com motores de avião, na Pratt and Whitney, mas, em sua entrevista na Chrysler, ele pôde ver o projeto A311, com a preparação dos motores 331 e 345, também com câmaras hemisféricas, para as 500 Milhas de Indianápolis. Contratado, ele trabalhou em coisas como o precursor da injeção eletrônica, o Bendix Electro-Jector, incorporado nos modelos 1958. De lá, passou para o Laboratório de Motores e atuou no programa do Slant Six Hyper-Pak, que estrearia no Valiant 1960.

Para se divertir, Hoover reunia os amigos para falar de projetos de competição (qualquer semelhança com o Project Cars é mera coincidência). Foi daí que nasceu, no outono de 1958 (entre setembro e novembro, no Hemisfério Norte), o Ramchargers’. O objetivo era bater os GM big block que andavam vencendo toda prova de arrancada de que participavam. Segundo Hoover, a coisa começou a ficar séria quando eles perceberam que não conseguiriam dar uma escovada daquelas nos competidores se não unissem esforços. Carro que servia para ir e voltar do trabalho não era para bater recordes. O primeiro projeto deles foi o High and Mighty, um Plymouth P17 Deluxe Business Coupé, com uma fileira só de bancos que comportava três passageiros. Era o que havia de mais barato e leve na época. O orçamento dos caras era muito reduzido.

O motor foi trocado por um V8 354 (5,8 litros), um 331 ampliado, também de câmaras hemisféricas, com cabeçote do 392, para respirar melhor. Os próprios engenheiros do grupo prepararam o carro. Os coletores de admissão e escape foram feitos por Pete McNichols. O motor, por Hoover e Danny Mancini. Para cortar peso, o chassi foi encurtado, os para-lamas traseiros foram retirados e a parte superior do carro foi rebaixada em 12 cm e deslizaram a carroceria para a frente, o que acabou expondo metade do motor.

High-Mighty-II-49-Plymouth-CEMA-club-car-

A suspensão ganhou molas espirais de um Buick na dianteira e multibraços na traseira, desenhada por Dick Burke. A bitola traseira foi encurtada, para colocar as rodas mais para dentro, e o motor foi inclinado para deslocar o máximo de peso para sobre o eixo traseiro. Com tudo isso, o High and Mighty bateu os recordes da NHRA (National Hot Rod Association) em sua categoria para velocidade no quarto de milha (12,8 segundos a 173,63 km/h) e de tempo (12,62 s a 185,07 km/h). O melhor tempo registrado do carro foi 11,8 s a 188,29 km/h.

Os Ramchargers’, vale lembrar, eram independentes. A Chrysler não tinha nada a ver com o time. Pelo menos não até um dos filhos de Lynn Townsend mostrar ao pai, em 1961, um carro da equipe batendo o campeão da época, Dyno Don Nicholson e seu Chevrolet, na revista Hot Rod. Townsend ligou para a Chrysler para saber do carro e quem atendeu foi Hoover. E assim foi nomeado coordenador do programa de corridas. Anos depois, em abril de 1963, Townsend perguntou em uma reunião: “O que é preciso fazer para vencermos a edição de 1964 das 500 Milhas de Daytona?”.

A resposta de Hoover foi o 426 Hemi. E cinco produtos Chrysler entre os dez primeiros colocados da prova, entre eles Richard Petty e seu Plymouth Belvedere.

Richard Petty

O primeiro projeto de Hoover à frente do departamento foi o Max Wedge, em outubro de 1961. Os motores B foram os primeiros desenvolvidos pelo então recente departamento unificado de engenharia da Chrysler. Antes, cada divisão desenhava seus próprios motores, o que era um desperdício de recursos dentro de uma organização que podia partilhar esses componentes. Uma das primeiras decisões do departamento foi abolir as câmaras hemisféricas, mais caras de fazer do que as câmaras em cunha (wedge). Um ano depois deles, vieram os RB (de Raised Block), que tinham bloco mais alto e, consequentemente, mais curso de pistão. Enquanto os B tinham todos 85,7 mm (3,375 polegadas), os RB tinham 95,3 mm (3,75 polegadas). Com isso, o menor motor B, de 350 polegadas cúbicas (5,7 litros), tinha um parceiro de 413 polegadas cúbicas (6,8 litros) entre os RB. O diâmetro dos pistões também era maior.

O projeto Max Wedge usava a técnica de coletores de admissão cruzados (cross ram), mais longos, para conseguir uma espécie de fluxo forçado pelo acúmulo de energia cinética da massa de ar (esse acúmulo de energia é diretamente proporcional ao comprimento do duto e inversamente proporcional ao diâmetro). A técnica rendia boa força em baixa e no midrange, mas a potência de pico era limitada, o que se mostrava ruim nas corridas. Foi por isso que Hoover decidiu trazer as câmaras hemisféricas de volta. E usou o RB 413 para isso.

Cross-Ram-induction

Com a câmara maior, a cilindrada do 413 subiu para 426 (7 litros). Uma das vantagem das câmaras (falaremos em detalhes sobre a parte técnica do 426 Hemi ainda esta semana!) era um menor custo de desenvolvimento para resultados mais expressivos no curto prazo que eles tinham. Os ângulos das válvulas de admissão e de escape, por exemplo, continuaram os mesmos dos motores Wedge porque não havia tempo para testar os ângulos ótimos. Segundo Hoover, desde o início ficou nítido que aquilo seria reverenciado pelos fãs, antes mesmo de o 426 Hemi destruir recordes da NHRA e da AHRA. E ser promovido por coisas tão legais quanto o Hemi Under Glass.


Mike Buckel, um dos engenheiros envolvidos no projeto, lembra-se de que o projeto não foi sucesso imediato. Antes, foi preciso fazer um belo shake-down: Hoover alugou a Fontana Drag Strip. E botou seus Hemi para correr com carros Super Stock. O Hemi, acredite, fez tempos iguais ou piores. Identificados os problemas, o time fez as necessárias correções e o resto é história. Comemorada pela marca no ano passado, com os cinquenta anos deste motor extraordinário.

In 2014, Mopar celebrates the 50th anniversary of the introducti

E Hoover estava lá para cortar o bolo.

Tom_Hoover-Mopar

Em 1967, por questões familiares, os Ramchargers’ se dissolveram. Para Hoover, foi uma frustração ver o grupo se separar. Inclusive porque eles não eram uma iniciativa da Chrysler, mas sim um grupo de malucos por carro com o suporte da marca. E que, por acaso, trabalhavam nela.

426-Hemi-Blueprint

Entre os filhotes de Hoover estão a Lil’Red Express Truck, o motor 440 Six-Pack (com mais torque em médias rotações, ainda que sem a mesma pegada em alta do 426), os giradores small block de Trans-AM da equipe AAR e os carros de arrancada da categoria Pro Stock.

Tom-Hoover-Denver-7_061

Hoover mudou do desenvolvimento de carros de corrida para o de modelos de arrancada logo depois dos bons resultados do 426 Hemi, onde ficou até 1974. De lá, ele passou para a divisão Direct Connection Performance Parts, de peças de alta performance, até 1979, quando se aposentou. Mas continuou trabalhando. Primeiro na GE, até 1984, e depois na Bosch. Influente, Hoover encontrou o time de engenheiros que desenvolveram o moderno 5.7 Hemi e três de suas sugestões foram imediatamente acatadas: duas velas por cilindro, elevar o comando de válvulas (para encurtar os cames, reduzindo a inércia do trem de válvulas e permitindo que as varetas e balancins das válvulas de escape ficassem com arranjo mais simples) e aumentar a área de squish (para melhorar a eficiência em cargas leves e rotações baixas e reduzir emissões). Ele nunca se afastou das competições nem dos eventos da Mopar. Pelo menos até o último dia 30 de abril deste ano.

Ainda nesta semana lançaremos um post destrinchando os detalhes técnicos e as vantagens do mítico “elefante laranja” 426 Hemi!