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Por que a gasolina é tão cara no Brasil? – Os 5 fatores que mais afetam os preços da gasolina… além dos impostos

As queixas sobre os preços da gasolina no Brasil de 2017 talvez sejam um dos raros consensos nestes tempos de polarização de opiniões. Há quem atribua a culpa à estatização, outros atribuem o preço elevado às margens de lucro envolvidas no processo. Há quem diga que a culpa é dos impostos estaduais, que chegam aos 30% do preço do combustível; ou ainda da adição de álcool anidro — que tem período de entressafra e divide sua produção com o açúcar.

O problema, contudo, vai um pouco além da superfície e das discussões nas redes sociais. Há vários outros fatores ocultos, discretos e quase desconhecidos que influenciam de forma ainda mais direta o preço dos combustíveis, e achamos que seria uma boa hora para falar sobre eles.

Por isso conversamos com analistas, donos de postos e levantamos as informações disponibilizadas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e chegamos a cinco fatores principais que afetam diretamente o preço da gasolina que você compra.

 

Falta de concorrência

Atualmente apenas três empresas controlam cerca de 80% da distribuição de combustíveis, e todas elas também atuam indiretamente no varejo. São os postos de “bandeiras grandes”. Como a legislação brasileira impede a verticalização — ou seja, a operação de uma distribuidora e uma rede de revendas — os postos de combustíveis são sempre operados por empresas independentes por meios de contratos semelhantes a franquias. Estes contratos incluem uma cláusula de exclusividade na compra de combustíveis — que é uma forma de garantir que os postos da rede X vendam combustíveis distribuídos pela distribuidora X.

Mas o outro lado desta moeda é que a exclusividade tira dos postos o poder de barganha de preços, afinal, eles são legalmente impedidos de negociar com outras distribuidoras que eventualmente ofereçam combustíveis mais baratos, o que limita sua margem de variação de preços.

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É por isso, por exemplo, que a Ipiranga está com dificuldade de renovar os contratos de quase 20% dos seus postos devido à sua inflexibilidade na negociação de preços e prazos de pagamento — o que limita a variação dos preços na bomba. Por isso as distribuidoras concorrentes começaram a abordar estes postos oferecendo benefícios para convencê-los trocar de bandeira. Contudo, ainda que troquem de bandeira eles também terão um contrato de exclusividade de fornecimento pela frente.

É por esse motivo que os postos independentes ou de redes menores (os chamados “bandeira branca”) geralmente oferecem combustíveis a preços menores. Mas mesmo eles têm poucas opções de distribuidores, o que também limita a negociação e a barganha de preços.

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Refinaria de Manguinhos

A falta de concorrência também afeta os preços nas refinarias: atualmente há apenas uma refinaria privada no Brasil — a refinaria de Manguinhos, no Rio de Janeiro. Por ser independente, esta refinaria pode importar sua matéria-prima e refinar ou ainda comprar a gasolina importada, fazer sua formulação de acordo com a legislação brasileira e revendê-la às distribuidoras. Contudo, sua capacidade de produção é substancialmente menor que a da Petrobras, de forma que seus preços não chegam a influenciar o mercado nacional.

Por esse motivo a política de preços da Petrobras influencia todo o mercado e permite que a empresa seja usada como instrumento de política econômica, como veremos a seguir.

 

Uso político da Petrobrás – e dos impostos federais

Apesar do fim do monopólio estatal da exploração e refino do petróleo brasileiro, a principal empresa em operação no setor é uma estatal de capital aberto, a Petrobras S.A. Por isso, embora tenha captação de recursos provenientes de acionistas, seu conselho administrativo ainda é definido por gestores políticos, o que abre espaço para que a empresa seja utilizada como instrumento de política econômica nacional.

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Isso significa que, em determinados períodos, a definição dos preços dos combustíveis pode deixar de levar em consideração apenas fatores objetivos como custo de produção, frete, flutuação cambial e cotação do petróleo no mercado externo, e passa a ser influenciada pela política econômica do governo de situação.

Esse tipo de influência política é algo que tem sido praticado desde os anos 1950, quando Juscelino Kubitschek decidiu congelar os preços dos combustíveis por um ano para estimular a indústria automobilística e controlar a inflação. Durante o regime militar os preços eram igualmente manipulados para os mesmos fins. No final dos anos 1990, o presidente Fernando Henrique Cardoso também usou o recurso para controlar a inflação, e em 2002, congelou os preços do gás de cozinha pelo mesmo motivo.

Já nos últimos anos os presidentes Lula e Dilma Rousseff adotaram a política de represamento dos preços, que eram reajustados anualmente, independentemente da cotação do petróleo no mercado internacional. Com a mudança de governo em 2016, a política de preços mudou mais uma vez, também por motivos políticos: desta vez a intenção era recuperar o preço de mercado da Petrobras, que havia se deteriorado após uma série de escândalos de corrupção.

A nova política de preços, baseada na flutuação da cotação do petróleo no mercado internacional, traz mais um fator de influência direta nos preços da gasolina: a cotação do dólar.

 

Cotação do dólar

Atualmente a definição dos preços dos combustíveis considera o custo de produção, a cotação média do barril petróleo no mercado internacional e a cotação do dólar no mesmo período da produção. Essa avaliação de custos é realizada mensalmente e, dependendo da variação, a Petrobras anuncia um aumento ou redução dos preços dos combustíveis em suas refinarias.

Desde outubro do ano passado, o preço da gasolina teve sete reajustes, dos quais quatro foram influenciados pela variação cambial. Em outubro, janeiro de 2017 e fevereiro de 2017, a gasolina ficou mais barata devido à valorização do Real (cotação do dólar mais baixa). Já em dezembro passado os preços subiram junto com a cotação do dólar.

O motivo é que o dólar afeta diretamente não apenas o preço de compra do óleo importado, mas também o custo do frete marítimo internacional.

 

Legislação obsoleta

Nos anos 1990 a Shell e a Esso tentaram introduzir no Brasil o modelo de postos self-service, nos quais o próprio cliente abastece seu carro. Você já deve ter notado esse tipo de sistema nas viagens de Top Gear ou em filmes estrangeiros. Sem frentistas o custo operacional do posto é significativamente reduzido, uma vez que os encargos trabalhistas são a segunda maior despesa de um posto de combustível.

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Foto: Rafael Neddermayer/Fotos Públicas

O sistema tinha potencial para se popularizar, porém, no ano 2000, o presidente Fernando Henrique Cardoso sancionou a lei 9.956, de autoria do então deputado federal Aldo Rebelo, que proibiu o funcionamento de bombas de auto-serviço no Brasil (e também de catracas eletrônicas no transporte público). A justificativa do projeto de lei era, resumidamente, que o manuseio das bombas de combustíveis requer qualificação para garantir a saúde e a segurança, além de garantir empregos.

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De acordo com as fontes consultadas pelo FlatOut, atualmente o salário base de um frentista em São Paulo/SP gira em torno de R$ 1.200 a R$ 1.400. Contudo, por estarem expostos continuamente aos vapores de combustíveis e aos riscos inerentes à atividade, os encargos trabalhistas incluem adicionais de periculosidade, além de um adicional noturno (para aqueles que trabalham após as 22 horas) superior ao previsto pela CLT para trabalhadores de outros setores. Além disso, os frentistas precisam passar por um exame de hemograma semestral, pois a exposição constante ao benzeno e demais hidrocarbonetos pode desencadear diversos tipos de câncer, como linfomas e câncer de pele.

Ainda há um ultimo custo adicional: diferentemente de praticamente todos os setores do mercado, os postos têm por obrigação legal a lavagem dos uniformes dos frentistas ao menos duas vezes por semana. No total, o custo financeiro com cada um destes funcionários de pista chega aos R$ 3.000 — dos quais, lembre-se, menos da metade vai para o bolso do trabalhador.

O custo, logicamente, é repassado ao consumidor. Mas além de elevar o preço, o custo também limita a variação de preços na bomba. O motivo? A margem dos postos sobre os preços pagos às distribuidoras.

Essa margem precisa ser informada obrigatoriamente à ANP através do Livro de Movimento de Combustíveis (LMC). É praticamente uma prestação de contas que os postos fazem à Agência, informando mensalmente quantos litros foram comprados, quantos litros foram vendidos, quanto foi pago por cada litro no atacado e quanto foi recebido por eles na venda em varejo. Estes dados estão disponíveis no site da ANP – um pouco difíceis de encontrar, é verdade, mas eles são precisos e retratam exatamente as margens dos postos.

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Foto: Rafael Neddermayer/Fotos Públicas

Analisando estes dados, notamos que as margens em São Paulo variam entre 9% e 18%, mas isso não significa que o posto lucra quase 20% por litro. Nesta margem estão uma série de custos operacionais e de infra-estrutura que todo estabelecimento comercial precisa levar em consideração. Os custos com funcionários, por exemplo, são a segunda maior despesa de um posto de combustível, ficando atrás apenas do custo dos combustíveis e lubrificantes.

De acordo com uma de nossas fontes, o lucro líquido do posto sobre a gasolina atualmente gira em torno de R$ 0,03 a R$ 0,05 por litro vendido. “É uma margem similar às margens praticadas, em dólar, nos EUA, onde a concorrência é bem mais acirrada e as margens chegaram ao mínimo possível. Daí a criação das lojas de conveniência”, disse nosso entrevistado, que preferiu permanecer anônimo.

 

Custos ocultos

Segundo a Petrobras o preço da gasolina nas bombas é composto da seguinte forma: 30% é o custo da gasolina em suas refinarias, 41% correspondem aos impostos municipais, estaduais e federais, 13% é o custo do álcool anidro e 16% é a “margem” dos distribuidores e postos. O gráfico abaixo ajuda a visualizar quem leva a maior fatia do dinheiro que pagamos pelo litro de gasolina, mas ele não mostra o cenário todo.

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Uma análise simplista nos levaria a crer que os 16% dos distribuidores e revendedores correspondem ao lucro líquido — simplificando, 8% para cada parte.

A verdade, contudo, é que os 16% correspondem aos custos das distribuidoras e postos somados às margens de lucro. Aqueles encargos trabalhistas devidos pela contratação de frentistas estão incluídos ali. A conta de energia elétrica, de telefone e internet e seus quase 60% de impostos também, bem como a manutenção das bombas, impostos municipais, custo de aluguel, juros bancários.

Operação de fiscalização aos postos de gasolina

Foto: Ciete Silvério/A2IMG

Até mesmo a aferição das bombas, obrigatoriamente realizadas pelo Instituto de Pesos e Medidas a cada seis meses, têm um custo de R$ 600 por bico. Como uma bomba convencional hoje tem três “bicos” (gasolina comum, aditivada e etanol), o preço médio por bomba fica em R$ 1.800. Um posto com quatro bombas, portanto, tem uma despesa fixa semestral de R$ 7.200 — ou R$ 1.200 por mês, o mesmo valor do salário de um frentista.