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Car Culture

Os grafites de Nürburgring Nordschleife

Pergunte a dez entusiastas qual é sua road trip dos sonhos e nove te darão, com certeza, uma resposta que envolva Nürburgring Nordschleife. E parte deles pensa em deixar a sua marca por lá, na forma de um grafite no asfalto quente. É o que muitos, muitos mesmo, fazem.

“Porque virou tradição, claro”. Não deixa de ser verdade, mas dizem que os primeiros grafites surgiram como forma de homenagear àqueles que morreram em acidentes no circuito. Não é difícil de acreditar: Nürburgring, que começou a ser construído em 1925 e ficou pronto em 1927, vem de uma época onde segurança não era exatamente uma prioridade e, mesmo que fosse, não existiam tantos recursos tecnológicos. Você não está errado quando imagina as corridas do início do século XX como um monte de “charutos com rodas” (os monopostos da época) correndo sob o comando de corajosos pilotos cuja proteção poderia ser resumida resumida a capacetes de couro e óculos.

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Muitos morreram lá e, mesmo depois das reformas feitas para aumentar a segurança para pilotos e espectadores, a pista continua perigosa e exige respeito — entre outras, por uma razão bem prática: os mais de 20 km de extensão atrasam bastante o socorro — tanto para chegar até o local do acidente quanto ao hospital, e esta foi uma das razões para o fim das provas de Fórmula 1 em Nordschleife. O emblemático acidente de Niki Lauda foi “apenas” o estopim.

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Nürburgring fica no meio das montanhas Eifel, e foi feita para que as corridas que estavam ganhando popularidade na região (as chamadas Eifelrennen) pudessem acontecer em um local seguro. Além disso, um circuito de corridas naquele momento pós-Guerra geraria empregos e certamente ajudaria a levantar a economia, uma prática comum na época. Além de tudo isso, os fabricantes ainda passaram a usar o circuito para testar e desenvolver seus carros. Todo mundo ganhou.

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Enfim, divagamos. O caso é que um circuito nas montanhas construído nos anos 20 não poderia ser diferente: extremamente longo, estreito, com áreas de escape mínimas e uma variação topográfica de 300 m.

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Paddy McGrath, do Speedhunters, visitou o circuito em 2012 e conta algo que parece um milagre: dá para acreditar que nos anos 1920, foi preciso apenas dois anos para projetar e construir um circuito de quase 30 km (contando os dois anéis, o Nordschleife e o Südschleife)?

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Ao longo de quase nove décadas, muita coisa mudou — o circuito teve seu traçado alterado, ganhou infraestrutura e se tornou uma das principais fontes de renda da cidade de Nürburg, movimentando a economia com seus eventos e recebendo turistas — que, aliás, não vão só atrás de automobilismo: o Rock Am Ring, um dos maiores festivais de música do circuito europeu, já recebeu grandes nomes do pop, do rock e do metal.

A assinatura de Nürburgring

O que não mudou foram os grafites. Nós até procuramos descobrir desde quando eles estão lá — naquele post que fizemos sobre o circuito em 1967, eles não estavam —, mas a resposta que a internet nos dá parece ser “desde sempre” — o que não nos surpreenderia se fosse verdade. Gostamos deles.

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Só que os grafites não são bem vistos por todo mundo. Os mais conservadores, obviamente, acham que eles descaracterizam o lugar como um autódromo sério e poluem o visual. E todos concordam que a tinta fresca reduz a aderência e pode causar (mais) acidentes no circuito — como o clima lá é fresco e úmido, a tinta demora para secar mesmo depois de horas, o que faz com que mesmo os grafites feitos durante a madrugada por pichadores que invadiram o circuito depois dele fechar, representem um risco para quem vai correr lá no dia seguinte.

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Repare nas marcas brancas deixadas pelos pneus

Apesar disso, dificilmente os grafites de Nürburgring são considerados vandalismo — com exceções: em abril de 2013, o circuito ficou fechado por 1h30 para que os oficiais pudessem cobrir um gigantesco pênis branco pintado por vândalos com um senso de humor incrível terrível infantil — a organização da pista temia que os pilotos se distraíssem com a grande obra fálica (e escorregassem em toda aquela gosma esbranquiçada).

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Mas este foi um caso isolado.  Em geral, os grafites não são como uma pichação qualquer, que é apressadamente coberta assim que possível: eles são tão icônicos que games de corrida se dão ao trabalho de reproduzi-los em suas versões virtuais de Nürburgring Nordschleife — alguns mais, outros menos.

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É seguro dizer que os grafites são a forma que as pessoas que não vão até lá com um carro para bater recordes ou participar de uma corrida de 24 horas encontraram para deixar sua marca — e acabaram se tornando uma das marcas registradas do circuito, como as faixas coloridas nas áreas de escape de Paul Ricard ou a “Jarda de Tijolos” de Indianapolis, a única fração de tijolos que sobrou depois que o circuito foi asfaltado (uma jarda de largura, ou 91,5 cm).

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Grafite no asfalto, marcas de pancadas nas paredes. Isto é Nürburgring

Sendo assim, é natural que possamos chamar o ‘Ring de “templo do automobilismo”, ou até uma Meca, para onde todo entusiasta tem a missão de ir ao menos uma vez na vida — e, uma vez lá, por que não deixar uma marca?

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Não faltam exemplos: membros de clubes dedicados a uma marca ou modelo demonstram sua paixão, outros deixam mensagens engraçadas, alguns mandam recados para o amor de suas vidas, e às vezes até as marcas aproveitam a fama dos grafites para fazer publicidade, como fez a Honda em uma campanha para o Civic Type R (usando grafite virtual).

Nós até podemos olhar com nostalgia para as imagens antigas do circuito, como na década de 60, quando ele ainda parecia só mais uma estradinha rural cheia de curvas e Porsches clássicos, mas os grafites (e os festivais de música, e as sessões de voltas abertas ao público, e as corridas de 24 Horas) são uma das coisas que fazem de Nürburgring o que ele é hoje — e nós duvidamos que os novos donos, que compraram o circuito por 77 milhões de de euros, façam alguma coisa para tirá-los de lá. Se o fizessem, eles seriam os verdadeiros vândalos.

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A propósito, se algum leitor for para Nürburgring em um futuro próximo, seria legal que, digamos… surja alguma homenagem ao FlatOut! no asfalto da Meca dos gearheads. Mas não estamos pedindo nada — só seria legal. Sério.

nurburgring (9) The 2013 running of the Nürburgring 24 hours, May 16-21

De tanto insistirem, o “Ring” foi “saved”

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Faixa de pedestres?

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Em 2007, quando Nörburgring fez 80 anos

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Repare no maroto emblema da McLaren pintado ali no canto superior esquerdo do grafite

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Sim, Nürburgring é uma obra divina