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Os incríveis especiais de homologação rejeitados do Grupo B, parte 1

A simples menção do Grupo B de rali é o suficiente para unir entusiastas de todas as tribos. Quem não admira a categoria mais insana do automobilismo, com seus protótipos de quase 800 cv e disputas épicas entre pilotos que hoje são lendas?

Todo mundo conhece os ícones do Grupo B: Ford RS200, Lancia Delta S4, Peugeot 205 T16 e até o renegado Metro 64R são reverenciados no mundo todo. Mas e os carros que não chegaram a ver a luz do dia ou não ficaram tão famosos quanto?

É deles que vamos falar neste post: os rejeitados do Grupo B, que jamais chegaram a disputar um campeonato oficial. Alguns deles sequer foram feitos para os ralis, pois o Grupo B também valia para corridas de turismo. A ideia era definir dimensões, potência e números para homologação, e não determinava que todo carro deveria ser usado para estágios cronometrados em estradas de chão batido.

O que todos eles tinham em comum, porém, era a exclusividade e o fator “dane-se” quando o assunto era visual e configuração mecânica. Por isso, muitas experiências foram feitas, ainda que algumas não tenham dado certo por uma ou outra razão.

Vamos conhecer agora alguns carros do Grupo B que jamais competiram.

 

Ferrari 288 GTO Evoluzione

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O Grupo B da FIA não estava restrito aos ralis, e também valia para corridas de turismo. E foi por isso que a Ferrari achou que era uma boa ideia criar um protótipo para o Grupo B com base em seu modelo intermediário, a Ferrari 308. O resultado foi a 288 GTO, que utilizava parte da estrutura e da carroceria da 308, mas era um carro fundamentalmente diferente. Enquanto o motor da 308 era instalado na transversal, na 288 GTO ele era longitudinal. E, na 308 era um V8 naturalmente aspirado de 2,9 litros e 255 cv, a 288 GTO tinha um V8 de 2,8 litros com dois turbos e 400 cv. Aliás, a posição do motor foi modificada por causa dos turbos e intercoolers.

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A sacada da Ferrari, porém, era o intuito real da 288 GTO. Competir estava em segundo plano, pois o que os italianos queriam mesmo era um pretexto para criar um supercarro exclusivo para seus melhores clientes (na boa, como se fosse necessária uma desculpa). Foram feitos 272 exemplares entre 1983 e 1987 e, de fato, alguns deles acabaram competindo em provas de rali sob o regulamento do Grupo 4.

Acontece que a Ferrari nasceu do automobilismo, e não demorou para que aquele negócio de criar um protótipo do Grupo B para competir de verdade acabou sendo levado a sério. O resultado foi a 288 GTO Evoluzione, apresentada em 1985.

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A 288 GTO Evoluzione foi desenvolvida em parceria com a Scuderia Michelotto, equipe italiana que começou como uma concessionária da Ferrari e conseguiu relativo sucesso nos ralis nos anos 70.  Ela tinha uma carroceria mais arredondada, projetada pela Pininfarina, e trazia formas mais arredondadas e aerodinâmicas, com uma dianteira ainda mais baixa e pára-choques e saias laterais bem próximas do chão. Além disso toda a face traseira do carro e coberta por saídas de ar para ajudar a resfriar o motor.

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Este era o mesmo V8 de 2,8 litros da 288 GTO comum, porém calibrado para entregar cerca de 650 cv a 7.800 rpm. Era um ganho de 50%, e suficiente para elevar a velocidade máxima até os 362 km/h. Nem mesmo a Ferrari sabe quantos exemplares foram feitos – fala-se em cerca de cinco deles, apenas. E eles nunca participaram de nenhuma prova. No entanto, sua contribuição para a Ferrari foi grande: a silhueta básica da 288 GTO Evo foi o ponto de partida para a Ferrari F40, considerada a mais lendária criação dos engenheiros de Maranello.

Lada Samara EVA

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O Lada EVA foi apresentado em 1985 pela Vilnius Fabrik Tuning Sport, ou simplesmente VFTS, oficina russa de preparação que ajudava a Lada a criar seus carros de competição. Feito com base no hatch Samara, o Lada EVA tinha um motor de 1,8 litro (1.860 cm³, na verdade) com comando duplo no cabeçote, injeção de combustível e turbo para entregar 300 cv. Os para-lamas eram bem largos e abrigam dutos de ventilação para o motor, enquanto a dianteira (sem grade, pois não havia motor embaixo do capô) trazia quatro faróis circulares de longo alcance. O resultado era um carro provido da típica “beleza funcional” de outros protótipos do Grupo B.

Segundo consta, foram feitos alguns protótipos (equipados com o motor naturalmente aspirado de 160 cv usado pelos Lada Laika de competição, também preparados pela VFTS) e a fabricante soviética já estava juntando fundos para construir as 200 unidades de homologação necessárias. No entanto, com o fim do Grupo B em 1986, o projeto foi cancelado sem cerimônia.

 

Ford Escort RS1700T

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O Ford RS200 é um dos carros mais icônicos do Grupo B, e infelizmente foi um dos que se envolveram nos acidentes que ocasionaram o fim da categoria. Seu irmão mais velho, porém, não é tão conhecido assim: o Escort RS1700T.

Assim que a terceira geração do Escort foi lançada, em 1980, a Ford começou a desenvolver sua versão de rali, feita sob medida para suceder o famoso Escort RS1800 usando o novo carro como base. Agora, como você já deve saber, o Escort MkIII foi o primeiro a romper com o tradicional arranjo de motor dianteiro longitudinal e tração traseira — agora era tudo lá na frente, e o motor passou a ser transversal.

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Isto não impediu a Ford UK de adaptar toda a estrutura para receber um conjunto mecânico com o layout mecânico clássico e desenvolvê-lo por dois anos. Ele tinha um motor de 1,8 litro que, com cabeçote Cosworth e turbocompressor, entregava cerca de 350 cv em especificação de competição, enquanto a versão de rua não teria mais que 200 cv.

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Com a introdução do Grupo B em 1982, a Ford chegou a desenvolver um sistema de tração integral para o Escort. Porém, logo ficou claro que um bólido de rali baseado em um carro compacto de tração dianteira jamais seria competitivo. Então, para o ano seguinte, a Ford começou a trabalhar em seu protótipo de motor central-traseiro, o RS200, que aproveitou parte dos elementos do Escort.

 

Alfa Romeo Alfasud Sprint 6C

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O Alfa Romeo Alfasud Sprint era um carro interessantíssimo por si só: lançado em 1976 e produzido até 1989, ele tinha motor boxer de quatro cilindros, tração dianteira, formas retilíneas e traseira fastback, em uma interpretação à italiana da receita popularizada pelo VW Passat em 1973. E, nos anos 80, ele foi transformado em um protótipo do Grupo B de rali.

Preparado pela Autodelta, a equipe de fábrica da Alfa Romeo a partir dos anos 60, o Alfasud Sprint 6C tinha este nome porque, em vez do boxer de quatro cilindros, usava um motor V6 emprestado do Alfa Romeo GTV6, posicionado atrás dos bancos dianteiros. Com 2,5 litro e 225 cv, o V6 já fazia sucesso nas corridas do Campeonato Europeu de Turismo.

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Entre o compartimento do motor e a cabine havia uma barreira de vidro, a fim de manter o ambiente menos abafado e barulhento. O vidro traseiro foi substituído por um arranjo de entradas de ar, e a suspensão original, com arranjo McPherson na dianteira e eixo rígido e barra Panhard na traseira, deu lugar a um sistema independente nas quatro rodas com braços triangulares sobrepostos e amortecedores duplos.

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Foram feitos dois protótipos. Um deles era um mero mockup estático que foi apresentado no Salão de Paris de 1982. O outro era uma mula de testes bastante crua, mas totalmente funcional. O problema é que, por razões que jamais foram reveladas, a Alfa Romeo decidiu cancelar o projeto antes que pudesse estrear nos ralis.

 

Mercedes-Benz 190E Cosworth

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O regulamento do Grupo B foi colocado em prática no fim de 1982 para a temporada seguinte, mas já em 1980 as fabricantes estavam por dentro dele. E a Mercedes-Benz foi uma das que começaram cedo a investir em um carro para a nova categoria: uma versão do icônico 190E Cosworth feita para o WRC.

Eles até pensaram em colocar o carro para competir em ralis, embora sua tradição fossem mesmo as corridas em circuitos de asfalto. Quando a Audi estreou o Quattro em 1981, com motor cinco-cilindros turbo e tração integral, a Mercedes-Benz soube que o 190E não estava apto a enfrentá-lo. Em 1984, então, o 190E foi apresentado para correr no asfalto.

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Foi uma decisão sábia: seu sedã turbinado se deu muito bem em provas de turismo, tanto no DTM, o Campeonato Alemão de Carros de Turismo, quanto no Campeonato Europeu de Turismo – e até participou da primeira vitória de Ayrton Senna contra seus rivais na Fórmula 1, em uma corrida especial em Nürburgring para promover o carro. Da versão para o Grupo B de rali restaram apenas alguns poucos registros visuais.

 

Mitsubishi Starion 4WD Rally

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Quando dizemos que o Audi Quattro foi um carro extremamente influente nos ralis, não estamos brincando. Veja o caso da Mitsubishi, por exemplo: no fim dos anos 70, uma versão de competição do Lancer fazia relativo sucesso nos estágios. A chegada do Quattro fez com que a Mitsubishi perdesse a fé em seu sedã que, na época, ainda usava tração traseira.

A solução estava em casa: criar uma versão de tração integral do cupê Starion, que já fazia certo sucesso em ralis com tração traseira. Ele era mais aerodinâmico e robusto, sendo mais apropriado para receber um tração nas quatro rodas.

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Apesar de, ainda como um modelo experimental, ter vencido o Rally Mille Pistes, na França, em 1984, o Starion do Grupo B jamais ficou 100% pronto. O que é uma pena: além do visual matador, com carroceria alargada e um belo perfil fastback, ele acabou deixando passar tempo demais em seu desenvolvimento, e acabou não ficando pronto a tempo: o Grupo B foi cancelado e o Starion 4WD foi abandonado. O que é uma pena, pois com motor de 2,1 litros e pelo menos 350 cv em seu acerto mais manso, ele poderia ter sido competitivo.