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Paralisação dos caminhoneiros: o que está acontecendo e quais as consequências até agora

Nesta quinta-feira (24) a paralisação e os protestos dos caminhoneiros chegaram ao seu quarto dia e não tem sinais de que irá terminar tão cedo. A paralisação expõe a fragilidade da infra-estrutura de transportes do Brasil — um país onde o transporte rodoviário local pode ser mais caro que o transporte marítimo internacional vindo do outro lado do planeta —, e pode literalmente parar o País pela escassez de alimentos, combustíveis, insumos e matéria prima.

Diante da situação, é importante entender o que está acontecendo, porque isso está acontecendo, como o governo pretende acabar com a crise e quais as consequências imediatas e em médio prazo desta paralisação. É o que vamos explicar neste post.

 

Como a greve começou?

Após sucessivos aumentos no preço do diesel, a Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA) apresentou um ofício ao governo federal pedindo o congelamento do preço do diesel e abertura para negociações no último dia 16. O ofício foi ignorado pelo governo federal.

Diante disso, a resposta da CNTA foi um comunicado público no qual ameaçava a paralisação dos caminhões a partir desta última segunda-feira (21). Nesta mesma segunda-feira, a Petrobras ainda anunciou um aumento de 0,9% no preço do diesel nas refinarias. Sem conversa e aumentando os preços, os caminhoneiros decidiram parar seus caminhões, dando início à greve.

 

Por que os preços subiram tanto?

Pela combinação de dois fatores fora do controle do governo somados a um outro fator controlado pelo governo. Por ser uma estatal, a Petrobras está sempre sujeita às políticas administrativas do governo vigente. A gestão passada do governo federal optou por fazer reajustes anuais independentemente da cotação do dólar e do barril do petróleo no mercado internacional. Foi uma opção para conter a flutuação dos preços e controlar a inflação.

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Essa política de preços é particularmente arriscada porque a Petrobras não produz combustíveis com o petróleo que extrai, mas com petróleo que importa — conta da autossuficiência foi feita pelo equilíbrio de exportação e importação de petróleo. Por essa razão, a política funcionou bem enquanto o petróleo estava em baixa, mas quando a cotação disparou, a Petrobras manteve os preços controlados apesar do petróleo mais caro, assumindo prejuízos para tentar recuperar mais adiante, caso ele voltasse a cair. Isso resultou em uma dívida que chegou a quase R$ 300 bilhões, além da desvalorização da Petrobras no mercado financeiro.

Para reverter a situação, o atual governo adotou uma nova política de preços dos combustíveis. Eles passaram a ser definidos mensalmente com base na variação cambial, no custo do transporte, na cotação do barril de petróleo entre outros fatores. Com a medida, os preços chegaram a cair significativamente quando a cotação do petróleo foi abaixo no mercado internacional.

A cotação do petróleo, aliás, favoreceu as importações de combustíveis e fez os preços caírem ao patamar mais baixo desde 2015. Com essa volatilidade dos preços do petróleo a Petrobras decidiu modificar novamente a política de preços, passando a permitir ajustes diários a partir de junho de 2016. Foi uma tentativa de conter as importações e também uma forma de se manter competitiva. Na época, com a cotação favorável não houve grandes variações nos preços.

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Cotação do petróleo entre maio de 2015 e maio de 2018

Na verdade, eles estavam tão favoráveis que o governo não teve pudor em usar a caneta e aumentar os impostos (PIS/Cofins…) sobre os combustíveis. Foi o primeiro golpe nos preços: da noite para o dia a alíquota para gasolina subiu de R$ 0,3816 para R$ 0,7925 por litro, para o diesel foi de R$ 0,2480 para R$ 0,4615 por litro, e para o etanol, a alíquota para os produtores subiu de R$ 0,12 para R$ 0,1309 e para o distribuidores saiu de zero para R$ 0,1964.

O negócio pegou quando a cotação do petróleo começou a subir no mercado internacional justamente no segundo semestre de 2017, e chegou neste mês em sua maior cotação desde o segundo semestre de 2014. Foram os reajustes graduais que todos nós vimos no ano passado e no início deste ano.

A situação se agravou quando o dólar começou sua escalada a partir do fim de março/início de abril, saindo da casa dos R$ 3,40 para chegar aos atuais R$ 3,62 depois de bater nos R$ 3,73. Além de o petróleo ficar mais caro em dólar, o dólar ficou mais caro. O resultado foram 121 aumentos nos preços do diesel desde junho de 2017, com uma alta de 56,5%, passando de R$ 1,5006 para R$ 2,3488 nas refinarias, e chegando à média de R$ 3,595 nas bombas, com picos de R$ 4,479 em algumas regiões do Brasil.

 

Demandas dos caminhoneiros

Os caminhoneiros têm apenas uma demanda principal: a redução dos preços do diesel, que atualmente inviabilizam o transporte de mercadorias no país, segundo os representantes das categorias. Aqui mesmo no FlatOut leitores que trabalham como caminhoneiros falam em um custo de R$ 2.000 semanais com abastecimentos, o que achata a lucratividade dos autônomos.

Por isso, caminhoneiros autônomos e entidades representantes da classe, exigem que o governo estabeleça uma nova regra para os reajustes. Com o reajuste diário, os caminhoneiros não conseguem calcular o custo do frete com exatidão, correndo o risco de ter prejuízos dependendo da variação e da distância do frete.

 

Consequências da paralisação

Os efeitos imediatos da paralisação dos caminhoneiros são a falta de reabastecimento de combustíveis e alimentos. Como consequência, diversas cidades do Brasil tiveram linhas de ônibus suspensas — caso de São Paulo e Rio de Janeiro —, ao menos cinco aeroportos de capitais estão prestes a ficar sem querosene de aviação, o que certamente irá suspender suas operações. Na noite desta quinta-feira a ANP suspendeu a obrigatoriedade da adição de álcool anidro à gasolina e biodiesel no diesel para facilitar a logística e reduzir a escassez de combustível.

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Os estoques de produtos perecíveis dos supermercados está esvaziando, e algumas lojas já estão limitando o número de produtos vendidos. A Associação Brasileira de Supermercados (Abras) informou que já faltam produtos perecíveis nos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Ceará, Espírito Santo, Pernambuco, Tocantins, Santa Catarina, Paraná e São Paulo. Os poucos produtos perecíveis restantes tiveram seus preços inflacionados pela escassez.

Além da distribuição de alimentos perecíveis, a paralisação também está afetando a produção destes alimentos. Os frigoríficos interromperam a produção de carne e a produção de leite está sendo simplesmente descartada. Com a falta de ração para os animais, que não chega também devido à paralisação, os produtores terão que sacrificar os animais (abate sanitário) para evitar doenças e o canibalismo, que pode causar epidemias.

Os efeitos da paralisação, além disso, não deverão cessar com o fim da greve. Apesar da normalização da distribuição ao final da greve, os prejuízos acumulados com estas perdas durante a paralisação deverão ser recuperados posteriormente, o que fatalmente irá elevar os preços em um primeiro momento, ainda que o frete não seja afetado.

 

 

Soluções propostas

Diante da situação caótica o governo federal começou a agir já na terça-feira. Os líderes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia e Eunício Oliveira, anunciaram a proposta de redução da Cide sobre o diesel e a gasolina para reduzir os preços dos combustíveis. A medida, contudo, é insuficiente para trazer os preços de volta ao patamar anterior aos sucessivos reajustes, uma vez que a contribuição é de apenas R$ 0,05 sobre o diesel e R$ 0,10 sobre a gasolina.

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Por essa razão, a Câmara dos Deputados votou em caráter emergencial a isenção do PIS/Cofins sobre o diesel até dezembro deste ano na noite de ontem (23). A isenção pode reduzir o preço do diesel em mais 14%, o que levaria o preço médio do diesel de volta para a casa dos R$ 2,10. Contudo, a isenção do imposto será custeada com a reoneração de 28 setores do comércio varejista, hoteleiro, e industrial, medicamentos, pães, massas, fabricação de navios, brinquedos e pneus, que voltarão a pagar o INSS com alíquota de 20% em vez do valor da receita bruta — o custo, claro, deverá ser repassado aos consumidores. O projeto de lei (que é a única forma de isentar um imposto federal) será enviado ao Senado Federal antes de seguir para o gabinete presidencial para sanção. Contudo, o Senado só votará o projeto na próxima semana.

Além do governo federal, a Petrobras também anunciou a redução imediata de R$ 0,10 no litro do diesel. A redução dos preços na refinaria deverá, junto da redução do PIS/Cofins e da Cide, recuar o preço do diesel para o mesmo patamar do final do ano passado.

 

 

Por que a gasolina é sempre tão cara no Brasil?

Há quem atribua a culpa à estatização, outros atribuem o preço elevado às margens de lucro envolvidas no processo. Há quem diga que a culpa é dos impostos estaduais, que chegam aos 30% do preço do combustível; ou ainda da adição de álcool anidro — que tem período de entressafra e divide sua produção com o açúcar.

O problema, contudo, vai um pouco além da superfície e das discussões nas redes sociais. Há vários outros fatores ocultos, discretos e quase desconhecidos que influenciam de forma ainda mais direta o preço dos combustíveis. Falamos sobre eles neste post, que você deve ler como leitura complementar a este para compreender melhor o problema dos combustíveis por aqui.