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Project Cars Project Cars #16

Project Cars #16: a transformação de um Kadett GL em um carro de track days com motor 2.4

Salve, galera do Flatout! Meu nome é Weiler Júnior, moro em Goiânia, tenho 37 anos, sou procurador do Estado de Goiás e professor universitário. Ao contrário do estereótipo da maioria dos goianos, eu não crio gado, não gosto de fazenda e nem curto música sertaneja; minha paixão são os carros e a adrenalina das corridas.

Como quase todos os gearheads daqui, sou aficionado por carro desde criança. Meu avô paterno era motorista profissional e sempre chegava em casa com os carros da empresa novinhos em folha. Jeep Willis, Fusca, Brasília, Gol BX, Passat e Monza foram a minha escola de direção e também de mecânica. Quando algum tinha problema, eu o acompanhava nas oficinas e ficava ali, com olho comprido, tentando aprender alguma coisa.

Já o meu pai não herdou essa paixão. Com ele eu aprendi o lado racional da coisa: prudência, zelo e economia. É dessa mistura de emoção e razão que a minha personalidade automotiva foi formada. E isso justifica a escolha do meu project car: um Chevrolet Kadett.

Antes de comprar um carro de uso exclusivamente “soviético”, tive outros carros preparados. O que mais se destacou foi um Fiat Marea Turbo. Esse carro foi a minha verdadeira escola em termos de aprendizado de manutenção, de preparação, de escolha e importação de peças para upgrade. Boa parte do que sei hoje veio dessa época. Felizmente, tive mais alegrias do que tristezas (não fundiu não, viu!), gastei uma boa grana em peças de performance e, como ele era meu carro de trabalho e de brincar, no final das contas a razão falou mais alto: vendi o Marea e decidi dar um tempo comprando um carro mais econômico.

Mas os amigos não deixam a gente quieto! Uns começaram a disputar campeonato de arrancada, outros migraram para os eventos de trackday, e eu apenas morrendo de vontade de participar, mas sem um carro preparado para esse fim específico.

Conversando com alguns amigos, tivemos a ideia de montar carros baratos e de fácil manutenção para brincar nos trackdays de Goiânia e Brasília, tudo naquele espírito de “pista – amigos – diversão”.

A minha escolha recaiu no Kadett, que é um carro robusto, peso mediano-leve, de manutenção barata e que aceita toda gama de motores e câmbios da GM Família II sem necessidade de adaptações.

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Esse é o carro original, no dia que comprei. É um Kadett GL 1.8 E.F.I, ano 1995

Alguém pode perguntar: “já que escolheu o Kadett, porque não pegou logo um GSI?”

Simples: o Kadett GSI tem um preço de revenda mais elevado do que as versões comuns, especialmente se estiver em bom estado. Preferi pagar mais barato numa versão comum, sem o trio ar-condicionado, direção hidráulica e vidros elétricos, justamente para tentar encontrar um carro com a estrutura legal (e aqui vai a minha tirada gearhead: sem isso o carro é obviamente mais leve!). Em outras palavras, pensando em um carro que será usado na pista, quanto mais leve melhor!

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Visual do cofre original, com detalhe para o motor 1.8, que se despediu para dar lugar a outro de mais cilindrada

A escolha do motor causou alguma controvérsia quando revelei que pretendia usar um motor 2.4 8v da Chevrolet S-10. A tendência natural de quem vai preparar um GM aspirado é usar o motor C20XE (o 2.0 16v de 160cv, oriundo do Calibra/Vectra GSi), ou então o X20XEV, conhecido como Ecotec, que equipou os Vectra/Astra/Zafira com motorização 2.0 16v e 136cv.

A razão da torcida de nariz é o fato desse motor 2.4 possuir uma relação r/l alta, o que – pelo menos teoricamente – tornaria o motor áspero em altas rotações.

Pois bem. A ficha técnica do motor GM 2.4 diz que ele tem bielas de 148 mm e virabrequim com curso de 100 mm, o que nos dá uma r/l de 0,33. Já o bloco GM 2.0 tem bielas de 146 mm e curso de 86 mm, resultando em uma r/l de 0,29, considerada bem aceitável para quem deseja fazer o motor girar.

Eu sabia disso e não achava tão absurdo. Como o projeto seria aspirado, preferi ficar com o torque produzido pelo motor 2.4 e acreditar naquele ditado americano: “there is no replacement for displacement“. Então para compensar a r/l ruim, parti para o alívio das peças móveis. Virabrequim e volante foram aliviados e balanceados. Pistões (ainda originais) e bielas forjadas foram pesados e equalizados.

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Nessa foto, o virabrequim aparece com trabalho de alívio (faqueado) e o comparativo do antes e do depois

Em seguida, comecei o processo de pesquisa para adquirir um coletor de escape. Já havia soluções prontas no mercado nacional, mas meu mecânico – que é preparador de carros de Marcas e Pilotos – me falou de uma empresa na Argentina que fabricava coletores de escape perfeitos! E mais, os Corsa de corrida estavam ganhando cavalos extras só com substituição por esse coletor. Depois de alguns emails trocados com o representante da empresa e alguns meses de espera, eis que recebo essa obra de arte feita na Argentina pela Conforma Inox S.R.L:

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Inicialmente, os freios dianteiros permaneceram os originais e o eixo traseiro recebeu o conjunto à disco do Vectra A, tudo com pastilhas Powerbrakes. Para não perder pedal nas freadas mais fortes, foram instalados aerokips em teflon e fluído Motul RBF 660. As rodas escolhidas foram as originais do Astra CD, calçadas com pneus Toyo R888, medidas 195/55. A rigidez da suspensão, necessária para manter a estabilidade em um carro de pista, ficou a cargo de amorcedores Fênix TopTG com regulagem de tração e carga.

Depois de algumas semanas entre retífica, montagem e ajustes, o motor recebeu um cabeçote 8v com balanceiros roletados, desses últimos que saíram a partir de 2009. Além do trabalho de fluxo (dutos, sedes e ângulos de válvula), o cabeçote também foi taxado e recebeu um comando novo da Carlini Competizione, modelo GM-2R de 310 graus de duração. O coletor de admissão original cedeu lugar a um novo com borboletas individuais de 48 mm da PRT Performance.

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Paralelamente à montagem do motor, iniciamos a parte de alimentação e injeção eletrônica. Optamos por montar um catch tank de inox para suprir de combustível a sede do novo powertrain.

Essa experiência eu trago da minha época de Marea Turbo, quando enfrentei muito problema de falta de combustível, já que a bomba instalada no copo original não conseguia alimentar os upgrades que eu havia feito. Já tinha testado as famosas bomba de GTi, da Dinâmica, da Walbro e outras dentro do tanque, mas nenhuma supriu como quando eu instalei o catch. O “x” da questão é que o catch fica sempre cheio e a saída de combustível ocorre pela gravidade, ou seja, numa aceleração rápida ou curva muito fechada, a tendência do combustível é se mover para o fundo ou lateral do tanque, deixando o copo da bomba vazio. Com o catch isso não acontece.

As bombas de combustível também não foram negligenciadas. Como a finalidade do carro é ser usado na pista, a alimentação não pode faltar. Por isso, substituí a bomba original e cansada do Kadett por outra 0 km (Delphi – álcool/gasolina), que agora faz a alimentação do catch tank, e acrescentei outra maior (DPL de 12 bar) para empurrar o combustível dali pela linha de tecalon de 10 mm até a flauta.

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Os injetores escolhidos foram os conhecidos Siemens Deka de 80lb/h, instalados na flauta de inox da PRT Performance. Compõe a linha de combustível um o kit dosador tipo Aeromotive + conexões + manômetro. Além de dar um visual muito legal, esse dosador tipo esfera tem relação de 1:1 e é muito bem feito. O manômetro ficou instalado no cofre mesmo para facilitar a regulagem da pressão de combustível.

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Graças ao fato de Kadett ter sido produzido por muito tempo na Europa e África do Sul, ainda encontramos muita coisa disponível para compra pela internet. Em uma de minhas buscas, consegui adquirir um par de lanternas traseiras do Kadett GSI, novíssimas, made in Germany. Difícil de achar, mas o visual não tem igual. Valeu a pena.

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Também resolvi personalizar o painel original do Kadett GL, que só contava com velocímetro e mostradores de nível de combustível e de temperatura da água. Removi o esquema de fábrica e instalei uma moldura para receber um conta-giros central Autometer, do lado direito o mostrador da Sonda Wideband ODG Raptor e do lado esquerdo o velocímetro digital + hodômetro da Guster. Ainda do lado esquerdo mandei fazer uma colméia com as luzes indicadoras originais, todas funcionais.

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Para completar as modificações internas nessa primeira etapa do projeto, instalei um volante Lotse e um banco concha genérico (de fibra de vidro), montado sobre o trilho original do Kadett.

Foram instalados manômetros de pressão de óleo, nível de combustível e temperatura da água, sendo que estes dois últimos deixaram o painel original e foram para o espaço onde seria o rádio. Também compõe o visual uma manopla Shutt “herdada” do Marea Turbo.

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A esta altura do campeonato, vários meses se passaram (de julho de 2011 a fevereiro de 2012) e tinha chegado a hora de iniciar o acerto do motor. O visual final ficou assim:

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Finalizada a fase de montagem de peças, iniciamos o processo de calibragem do novo motor. O gerenciamento de injeção e ignição ficou a cargo de um módulo Megasquirt 2, montado no Brasil e fornecido pela MS Racing, com sede em Piracicaba (SP). Com base em informações que eu forneci, o pessoal da MS Racing já me mandou o módulo com uma pré-configuração suficiente para dar partida. Após a instalação do chicote e dos componentes da injeção, demos a primeira partida (não perca a última acelerada no final desse vídeo!).

Como o projeto da Megasquirt é “do it yourself”, eu mesmo me encarreguei de fazer um acerto grosseiro, apenas suficiente para permitir que eu iniciasse a fase de amaciamento do motor. Só que o meu conhecimento em calibração da Mega – como os entusiastas a chamam – era limitado à época, e mesmo tendo conseguido um acerto que me permitia andar com o carro, decidi que era melhor levá-lo até Piracicaba, onde os verdadeiros entendidos da MS Racing fariam o acerto definitivo.

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Agendei a visita e a viagem de Goiânia a Piracicaba, uma distância de +/- 850km, estava prevista para ser feita em 11 horas, contanto com paradas para abastecimento e descanso. No início do trajeto o Kadett foi bem valente, não apresentando nenhum problema mecânico; porém, após rodar 420km, o carro começou a apresentar um comportamento estranho. A injeção começou a cortar, a rotação caía e voltava inexplicavelmente, um típico sintoma de sensor de rotação com defeito. Consegui andar com o carro até o posto mais próximo e daí para frente tive que terminar a viagem no guincho.

Eram 21:30h daquele dia quando finalmente consegui desembarcar o carro no galpão da MS Racing. Os responsáveis pelo acerto, Luiz – mais conhecido como PIU – e o Cristiano, foram super profissionais e me deram todo o suporte necessário.

No dia seguinte, iniciamos os trabalhos logo cedo e descobrimos que o defeito apresentado pelo carro na viagem foi a queima de um driver de ignição por excesso de ruído vindo do sensor de rotação instalado errado (bingo!). Culpa do eletricista que fez o chicote!!!

Resolvido o problema, subimos o carro no rolo para o acerto fino. Como disse, eu já tinha feito um acerto bem “‘quadrado” para permitir que o carro rodasse razoavelmente na estrada. O interessante é que isso acabou ajudando, diminuindo bastante o tempo do carro em cima do dinamômetro. Em poucas horas chegamos ao resultado final: 184 whp e 215.5 Nm (aproximadamente 21.97 kgfm) de torque nas rodas.

Fiquei bastante feliz com o resultado de um longo trabalho de oito meses, acompanhando oficina e muitas vezes tendo que colocar a mão na massa para ver a coisa acontecer.

E contrariando a boca maldita, o 2.4 surpreendeu a todos com muita elasticidade, subindo giro rapidamente, casando perfeitamente com o câmbio de Kadett GSI de relações curtas.

No próximo post, contarei a vocês sobre a estreia do carro nas pistas, os detalhes das minhas experiências nos eventos de trackday pelo país e as mudanças que ocorreram com a chegada de novas peças que transformaram um humilde Kadett GL no que eu chamo de Kadett Evolution.

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Espero que todos gostem e até a próxima!

Por Weiler Júnior, Project Cars #16

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