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Project Cars Project Cars #207

Project Cars #207 – a história do meu Voyage Sport preparado por conta própria

Depois de deixar passar por várias vezes a inscrição para o Project Cars, resolvi, nesta última oportunidade, inscrever meu projeto. Por que não inscrevi antes? Por achar que meu projeto é “comum” demais para entrar na lista, entre tantos projetos interessantes. Afinal, trata-se do tradicional “VW quadrado com motor AP”. De longe, a geração de carro e motor mais preparados no Brasil. Bem, desta vez resolvi me inscrever e, para minha surpresa, meu projeto entrou na lista. Meu nome é Aluízio, tenho 30 anos e sou natural de Maringá/PR, mas moro atualmente em Macaé/RJ.

De onde surgiu esta ideia de montar um Voyage Sport aspirado? Foi o somatório de várias paixões que surgiram desde moleque, sendo a principal delas a mecânica automotiva, que vem de sangue. Meu pai praticamente nasceu na oficina que ele tem até hoje, e eu comecei a frequentar a oficina diariamente e aprender a consertar carros a partir de meus 12 anos de idade. Após as aulas na parte da manhã, fazia minhas tarefas escolares, e ficava o resto do dia ajudando meu pai na oficina.

Mas por que a ideia de montar um aspirado? Quando criança, meu pai montou dois motores aspirados para amigos dele. Um era um Fiat 147 1.3 com uma Weber 40, de uso diário. O outro era um Opala com três Weber 40, sendo este exclusivo para arrancadas. O Opala era todo depenado no interior, com gaiola e um tanque minúsculo no porta-malas. Nas provas de arrancada, o 147 andava na “Street 4 Cilindros”, e o Opala na “Super Street 6 e 8 Cilindros”, categorias (praticamente) extintas da arrancada atual.

Naquela época a arrancada era uma categoria quase amadora. A disponibilidade de peças era baixa, e muita coisa era feita com criatividade e habilidade, aproveitando peças de diferentes motores, usinando pistões para adaptações, e assim por diante. Por conta destes carros meu pai ficou relativamente conhecido entre as pessoas do meio, mas sempre foi convicto de que não trabalharia com isso. O negócio dele sempre foi e ainda é mecânica em geral, e não preparação. Apesar de algumas pessoas tentarem levar carros ou motores para ele montar, ele quase sempre negou. Montou somente pouquíssimos motores para alguns amigos mais chegados. Mas nada muito “elaborado” a nível de seleção de peças e preparação.

Bem, por acompanhar estes carros, e principalmente o Opala durante as arrancadas, tomei gosto pela preparação aspirada.

Tendo acompanhado um Fiat e um GM, porque a decisão do Voyage? O gosto pelos VW surgiu em função dos Gol GTS e GTi. Nascido em 1984, eu era relativamente novo quando GTS e GTi fizeram sucesso, e admirava demais estes carros. O interior com bancos esportivos Recaro e tecido xadrez sempre me chamaram muita atenção. Somente um tempo depois fui conhecer o Voyage Sport, uma espécie de versão GTS do Voyage, com motor 1.8S e comando 49G, bancos Recaro e rodas BBS 14”. Soma-se a isto eu ter aprendido a dirigir em um VW – um Santana AP 1.8 1986, o carro do meu pai na época. Este foi o carro que marcou minha adolescência, e no qual fiz as primeira modificações, mesmo que básicas, como a instalação de um comando 49G.

Pois bem, tendo trabalhado na oficina do meu pai desde novo e fissurado pelos motores preparados, sempre tive o sonho de ter meu próprio carro com um desempenho melhor. Durante a faculdade, como não tinha um emprego fixo (somente trabalhava na oficina do meu pai durante as férias), não tive dinheiro para comprar meu carro, e a ideia de poder montar meu carro com a ajuda do meu pai foi só crescendo.

Quando me formei em engenharia mecânica, no fim do ano de 2006, comprei meu primeiro carro, um Gol G3 1.6 2003. No início de 2009, nas minhas primeiras férias, decidi turbinar o carro. Seria este a primeira modificação com resultado mais significativo que eu faria. Comprei o kit e eu e meu pai instalamos. O resultado ficou satisfatório, apesar da receita simples (o famoso “kit padaria”). Voltei rodando com o carro para onde moro hoje, a praticamente 1.300 km de minha cidade natal, sem problema algum.

voyage_sport_comercial

Nesta época comecei a amadurecer a ideia de realizar meu desejo de criança: montar um motor aspirado com meu pai. A primeira ideia foi a de montar um Gol GTS, mas acabei desistindo em função do preço elevado de um GTS em razoável estado. Neste ponto o Voyage Sport atendia muito melhor, pois é praticamente o mesmo carro, porém mais barato. Meu irmão estava trabalhando a 70 km da cidade onde moram meus pais, e não tinha carro. Como eu já estava pensando em comprar o Voyage, uni o útil ao agradável: decidi comprar o carro que seria o início do meu projeto, e deixá-lo com meu irmão, que o utilizava para viajar na segunda para o trabalho e na sexta para voltar à Maringá.

Procurei o carro aqui em Macaé, e também em Maringá, através da internet. Em Macaé achei um Voyage com a estrutura e a lata bem conservados, mas o carro já era turbo forjado. Apesar de bonito, não casava com minha ideia de desenvolver o próprio projeto. Em Maringá encontrei dois carros. Combinei um encontro de cada um dos vendedores com meu pai para olhar os dois, e ele gostou mais de um deles. Com o aval dele, negócio fechado. Comprei o carro sem vê-lo pessoalmente, somente com base em fotos e na opinião do meu pai.

Foto ruim voyage como comprado

Carro 2 Carro 1

Trata-se de um Voyage Sport 1993. O carro estava praticamente original, somente com coletor 4×1, polia regulável no comando e rodas Orbital 15” no lugar das originais BBS de 14”. Além destes, haviam outros resquícios de que o carro já havia sido modificado, como os furos à esquerda no painel, indicando a instalação de um contagiros.

Carro 3

Conheci o carro pessoalmente alguns meses depois, e constatei que o carro era íntegro, apesar de algumas mossas na lata e da falta de tinta nas quinas, de tanto polirem o carro, e um pequeno podre na moldura do vidro. Mas nada que um bom funileiro não resolva. Trazendo a narrativa para o presente, a lataria ainda não foi feita. Este é o último ponto do projeto, mas o objetivo aqui, por enquanto, é relatar o trabalho da mecânica. Este sim já está pronto.

Com o carro em mãos, comecei a detalhar o projeto de preparação em minha cabeça. Li vários fóruns sobre montagem de AP aspirados, pesquisei vários sites de lojas e fabricantes de peças, e comecei a planejar quais seriam as peças e modificações a serem feitas. De início, a minha ideia foi de montar a alimentação carburada, com duas Weber DCOE. Pura nostalgia, sem pensar no resultado. Após o início dos estudos das possibilidades de configuração, e de conhecer o leque de regulagens de injeção e ignição possibilitadas pela injeção programável, decidi montar o carro injetado, apesar do custo um pouco maior. Apesar do limite de orçamento anual, o projeto não tinha prazo de conclusão. Deixo os prazos a cumprir para meu dia-a-dia no trabalho.

De início, minha cabeça ainda pensava na época da arrancada praticamente amadora, quando boa parte dos participantes ia às provas com os carros rodando. Ou seja, eu queria um Voyage forte para andar na rua, e de quebra ainda poderia participar de forma competitiva em provas de arrancada. Depois de ver o nível dos atuais carros de ponta na arrancada, esqueci completamente esta ideia. Com a condição sine qua non de montar o carro com quatro borboletas (eu podia abrir mão do carburador, mas não da eficiência e do visual do coletor com uma borboleta por cilindro proporcionada pelas Weber DCOE) o carro seria enquadrado na categoria DO. Nesta categoria os carros usam pneu slick e são aliviados, o que estava fora de cogitação para meu carro de rua. Além disso, os valores investidos nos carros de ponta são altíssimos e fora das minhas possibilidades financeiras. Com isso, esqueci completamente a arrancada, e a ideia do projeto ficou totalmente voltada para o uso recreativo. Nas pistas, somente para verificar o desempenho do carro, e não para competir.

Esta decisão de não colocar o carro para competição foi de certa forma tardia, pois boa parte dos componentes foram comprados pensando na máxima performance. Me arrependo do resultado final? De forma alguma, apesar de ter tido algumas dúvidas após decidir usar o carro somente para as ruas. Afinal, eu poderia ter um carro de desempenho ligeiramente inferior e com um investimento consideravelmente menor.

Chega de história e passemos à decisão da compra do motor e das peças. Pensando inicialmente em colocar o carro na pista, e utilizando a velha máxima (muitas vezes incorreta) do maior é melhor, comecei a pesquisar e selecionar os componentes. Claro que, após uma ligeira pesquisa, a decisão foi por elaborar o projeto tendo como base um bloco 2.0 “alto”. A principal diferença deste bloco para o AP 2.0 convencional é a altura do bloco, que é refletida de forma direta no comprimento das bielas, desde que mantido o curso do virabrequim. A vantagem das bielas mais longas, conforme já foi mencionado em outros post aqui do Project Cars, é melhorar a relação entre o raio (metade do curso) do virabrequim e o comprimento das bielas, o famoso R/L. Estando o valor do comprimento da biela no denominador da fórmula, quanto maior a biela, menor o valor do R/L, e mais girador é o motor. Ou seja, os 15mm a mais das bielas do motor com bloco alto em relação ao bloco baixo (159 mm contra 144 mm) melhoram o comportamento do motor em altas rotações, principalmente diminuindo a vibração. Esta característica era importante para o meu projeto, já que o objetivo eram os 8.000 rpm de giro máximo.

Estes blocos vieram ao Brasil instalados nos Golf 2.0 GLX e GTI, e se não me engano também no Passat. Após muita pesquisa na internet, encontrei em 2011 um motor deste com a parte mecânica completa em uma cidade vizinha a onde moro. Comprei o motor e aproveitei a oportunidade de um amigo viajando para Maringá para leva-lo à oficina do meu pai.

Outra diferença deste motor para o AP 2.0 dos carros nacionais é o cabeçote, de fluxo cruzado no motor de bloco alto. Com a base do projeto em mãos, comecei a estudar a escolha das peças, e procurar os lugares para comprar.

O comando selecionado foi um alemão Schrick 320º, e este foi adquirido através do ebay do país da cerveja e da origem da VW, além de berço dos meus fabricantes favoritos. Esta peça, por sorte, não foi taxada quando da entrada no Brasil. Abaixo uma imagem do catálogo da Schrick com os dados do comando (Part Number 0014 01 200-01):

Dados Comando

As demais peças do cabeçote (válvulas, guias, sedes, molas, pratos inferiores e superiores de titânio, tuchos com regulagem por baixo, calços dos tuchos e travas de titânio) foram adquiridas da techtonics tuning, dos Estados Unidos. Este foi um dos erros do projeto. Fui orientado pelo vendedor a escolher válvulas do maior diâmetro disponível (42 mm na admissão e 35 mm no escape), o que é ruim para a velocidade de fluxo, e também causa uma pressão de assentamento das sedes no cabeçote muito baixa, em função do tamanho destas, não deixando material algum do cabeçote entre as duas sedes. Outro problema foi o valor dos impostos que tive que pagar quando as peças chegaram ao Brasil, que representaram mais de 100% do valor que paguei pelas peças, além da encomenda ter ficado parado na receita por meses.

Como engenheiro de formação e curioso de nascença, decidi estudar um pouco mais sobre o fluxo de cabeçotes, o principal responsável pelo desempenho dos motores aspirados, e sobre os trabalhos que podemos fazer para melhorar o fluxo de ar e, por conseguinte, a quantidade de oxigênio admitido, permitindo uma maior injeção de combustível, gerando maior torque e potência (em uma visão mais simples sem considerar outros efeitos envolvidos). Além das muitas horas gastas lendo matérias em sites na internet, comprei e li dois livros sobre o tema: “Engine Airflow”, do Harold Bettes, e “How to Port & Flow Test Cylinder Heads”, do David Vizard. Gostei mais do segundo livro, com exemplos bem práticos.

Livros

Enviei o cabeçote para ser trabalhado pelo Jadir da JJ Competições, de Florianópolis, que é de longe um dos melhores profissionais que conheci nesta caminhada. Ele inclusive é mencionado em outros posts muito interessantes aqui do Project Cars. O Jadir me assustou de início, me explicando que o comando que comprei era muito agressivo, só gerando torque e potência em rotações muito altas. Também foi dele a proposta de descartar minhas válvulas e sedes enormes e instalar peças com diâmetro menor, visando melhor funcionamento do motor em baixas e médias rotações, tornando o comportamento menos extremos para uso na rua.

Peáas Cabeáote Voyage

Outro caso que, se for contar a história inteira, consumiria o espaço de um post, foi o da compra do coletor de admissão de quatro borboletas. O primeiro que comprei foi entregue na oficina do Jadir com qualidade e acabamento terríveis. Negociei a devolução com o fabricante (prefiro nem citar o nome), que apesar de ter aceito a devolução e confirmar o cancelamento dos boletos em meu nome emitidos para a compra, não os cancelou, o que fez com que meu nome fosse protestado. O Jadir foi muitíssimo camarada e fundamental para resolver a questão do protesto. Prefiro parar por aqui neste assunto, pois até hoje não recebi de volta a primeira parcela que paguei para o tal fornecedor, apesar de inúmeras promessas…

O segundo coletor que comprei foi de outro fabricante, o Carlini. Por recomendação do Jadir, comprei os coletores com borboletas de 40mm, também visando uma melhor dirigibilidade do carro. Enfim, o cabeçote com todos os componentes foi montado e trabalhado pelo Jadir. Segue abaixo foto do cabeçote quando comprei, após o trabalho, e o resultado do trabalho de fluxo.

Cabeáorte JJ 1 Cabeáote JJ 2

Coletor de admiss∆o Cabeáote JJ 3

Para completar o sistema de fluxo dos gases, comprei um coletor de escape de inox da Conforma Inox, empresa argentina especializada nestes coletores. Apesar de argentino, comprei o coletor em uma loja do Brasil.

As bielas foram compradas dos Estados Unidos, através da internet. As peças escolhidas foram os modelos de baixo peso da Eurospec, que pesam 500 gramas. Comprei de uma loja americana que também me deu muito trabalho. Após receber as bielas em Maringá, vi através das fotos que me foram enviadas que elas estavam erradas. Ao invés das bielas da Eurospec, o cara havia me enviado bielas da Scat. Estas bielas também são boas, mas não tão leves quanto as que eu tinha comprados, e também um pouco mais baratas. Após muita discussão com o vendedor, decidi ficar com as bielas e vender aqui no Brasil para facilitar as coisas. Ele me enviou um novo jogo de bielas, e nesta segunda tentativa as bielas chegaram conforme o combinado.

Pist‰es e Bielas

Também aproveitei duas viagens ao exterior para trazer algumas peças. Em uma oportunidade comprei no Canadá a instrumentação da AutoMeter: conta-giros, sonda wideband com leitor, pressão de óleo mecânico e de combustível eletrônico. Comprei também nesta viagem as bobinas individuais da Accel.

Instrumentaá∆o e bobina

Na outra viagem, desta vez aos Estados Unidos, comprei os bicos injetores de 60lbs/hr da Siemens. Registro aqui o agradecimento à minha esposa, que cedeu metade de um dia de nossa viagem de férias para que eu viajasse por 70 km (140  km ida e volta) para comprar os injetores.

Diversas 1

Pistões, junta do cabeçote, módulos de ignição e injeção eletrônica e seus periféricos, como roda fônica, volante aliviado e embreagem de cerâmica foram comprados através da internet, em duas lojas, uma do Rio Grande do Sul e outra de São Paulo. Em uma destas lojas também tive um problema, pois me enviaram a polia da roda fônica errada. Apesar do erro, o problema foi resolvido de forma relativamente simples.

Os pistões escolhidos para o projeto foram pistões Iasa Box, de 84,00mm de dois anéis, montados com anéis NPR. Preferi montar desta medida para ainda ter espessura nos cilindros para futuras retíficas.

Pist∆o e Biela

O conjunto virabrequim, volante e platô foram balanceados dinamicamente na retificadora onde bloco e virabrequim foram retificados.

Escape e diversas

Para o sistema de controle de injeção de combustível e ignição, comprei uma Fueltech FT 350 e um Spark Pro 4, com o chicote desenvolvido por eles.

Diversas 2

Bem, resumindo a história toda, segue a lista das peças do motor:

  • Bloco alto 2.0
  • Virabrequim original 0,25
  • Bronzinas Clevite
  • Bielas Eurospec lightweight
  • Pistões iasa box 84.00 mm 2 anéis
  • Taxa 13,5
  • Anéis NPR
  • Cabeçote 8V Fluxo Cruzado
  • Molas de válvula, válvulas, prato superior de titanio, , tuchos com regulagem por baixo, guias, travas Techtonics Tuning
  • Comando Schrick 320
  • Cabeçote stage 3 JJ competições
  • Coletor Carlini 4 borboletas 40mm
  • Coletor de escape inox – Conforma Inox
  • Volante aliviado
  • Embreagem 980 lbs
  • FT 350
  • Spark pro 4
  • Roda fônica
  • Bobinas individuais Accel
  • Bomba elétrica GTi
  • Velas Iridium
  • Bicos Siemens Deka 60 lbs alta impedância
  • Conta giros, leitor da sonda Wideband, pressão de combustível e óleo Auto Meter
  • Rodas Réplica BBS 15″

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Em fevereiro de 2014 estava com férias marcadas, e com somente um objetivo: viajar para Maringá para montar este quebra-cabeças e tentar acelerar, depois de praticamente cinco anos da compra do carro e mais de dois anos e meio comprando as peças do motor. O desafio não seria simples, pois eu e meu pai nunca havíamos montado um motor com injeção e ignição programável. Mas isso é assunto para o próximo post.

Por Aluízio Drugovich, Project Cars #207

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