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Project Cars Project Cars #76

Project Cars #76: em busca de um sucessor para o Puma GTS – e os próximos passos do projeto

Por Rodrigo Almeida, Project Cars #76

A restauração da mecânica básica da GTS manteria o carro no estaleiro entre 2009 e 2013. Não houve absolutamente nenhum componente mecânico intocado. Os assoalhos foram substituídos, buchas foram trocadas e até mesmo parafusos eram novos. O progresso era extremamente lento. No primeiro ano eu visitava o carro semanalmente.

Ajudei a remover a carroceria do chassis e martelei os assoalhos até se desprenderem do esqueleto. Para remover a tinta branca da carroceria foram necessários cerca de oito finais de semana de trabalho. Lixávamos à mão, soltando pó de fibra em todo o ar. A experiência era terrível. Aquela névoa branca penetra nos poros da pele gerando uma mistura de ardência e coceira infernal. Além de tudo, é tóxico e precisávamos trabalhar com máscaras.

Meu pai, amigo do mecânico, não fazia nada enquanto eu trabalhava. Somente compartilhavam alguma dica besta quando minha inexperiência se tornava um obstáculo. Observavam à distância, rindo de meus desajeitos, pois já haviam executado aquele trabalho uma dezena de vezes em décadas anteriores. Era mais para ensinamento que necessidade da minha ajuda. Quando eu não participava, a evolução era muito mais significativa. Após o lixamento da carroceria até a fibra e remoção manual de ferrugem, carpete e sujeira do chassis usando talhadeiras, o processo desacelerou.

Passei a visitar o carro mensalmente. Em seguida, visitava-o com meses de intervalo. Meu pai assumiu a responsabilidade e ia até a cidade onde estava a GTS para muitas vezes simplesmente tomar um café com o mecânico. Era a forma dele de não me deixar abandonar o projeto. Essas visitas ao menos rendiam uma lista de compras como dever de casa já que no segundo ano de carro parado eu praticamente não aparecia mais para tocar em ferramentas. Em geral, eram componentes básicos, simples e baratos. Cabo de freio de mão, uma borracha aqui, um reservatório de fluído ali, além de porcas e parafusos que dificilmente alcançavam os duzentos reais. Se não me falha a memória, essa etapa de recuperação da mecânica básica não superou muito a barreira dos seis mil reais. Mecânica standard aircooled não é cara.

 

O Puma Killer – Meu pequeno notável

A evolução do projeto cada vez mais lenta ganharia ainda mais um obstáculo. Mencionei na parte anterior que não podia mais continuar sem carro e decidi procurar um ‘Puma Replacement’. Dessa vez, a pressão foi ainda maior por procurar um carro normal. Todos que me conheciam temiam que a solução para um Puma parado seria um Karmann-Guia, Simca, Uirapuru ou alguma outra maluquice que eu poderia inventar. “Compra logo um 1000 zero quilômetro”, diziam. “Jamais”, eu respondia.

A ideia porém era me locomover, sem custos excessivos adicionais, no intuito de não canibalizar financeiramente o projeto da GTS. Uma preocupação grande em relação a decisão a ser tomada me impedia de dormir tranquilo naqueles dias. A experiência de conduzir um tração-traseira é inigualável. Sair de carro e dirigir era o ponto alto do meu dia nos tempos de Puma. Eu não queria ser mais um preso no trânsito ponderando quando aquele inferno astral acabaria e finalmente chegaria em meu destino.

Após muita pesquisa na pior fonte de informação que eu poderia estar usando, Fóruns de Trackday, rapidamente um predileto começava a se definir. Havia uma única opção de automóvel “popular’ com uma mecânica um pouco mais apimentada e com predisposição à pequenas escapadas de traseira em uma configuração pronta para diversão: o Ford KA XR 1.6. O pequeno notável era famoso como carro de entrada daqueles que se aventuram em seus primeiros Trackdays.

Os relatos sequer soavam críveis pois ouvia causos de XRs empurrando motores muito maiores sempre que o circuito era travado. Lia que sem dúvida nenhuma a vocação do carrinho eram curvas de ângulo fechado e baixa velocidade. Saí às buscas e diante de todas ofertas de XRs na região, selecionei o menos chato e talvez mais escandaloso: um XR Azul Mônaco. A cor era sensacional, até então nunca havia visto um com aquela tonalidade na rua. E lembrava que de 1.0, o XR não tinha nada. É outro projeto, versão brasileira do malvadíssimo SportKa, o ‘Irmão Mal’ do Ford Ka:

Agendei o Test Drive, fui de táxi até a revenda e logo mais estava sentado ao volante. O interior, bem, era o clássico interior de Ka. Liguei o motor e até que gostei do ronco de Zetec 1.6. Saí para a rua e aprovei o conforto de suspensão, da direção hidráulica e pareceu bastante esperto. Pedi permissão para acelerar um pouco mais em uma rótula que se aproximava. “Pode pisar”, disse ele. Droga! Aconteceu de novo! Faço o TED amanhã!

Em poucas voltas com o carro já havia me tornado o Tiff Needell com seu SportKa em curvas de baixa. Naquele ritmo, precisaria de um jogo de pneus traseiros por semana. Me divertia tanto com o carrinho que algumas vezes precisava me beliscar e lembrar que havia uma GTS parada. Foi em um desses momentos que encontrei bancos Procar em desenho original de Pumas 76 em diante. Eram caros e decidi não comprá-los. Dias depois uma transportadora toca o interfone e lá estão os bancos. Como? Eu me perguntava. Meu pai havia ouvido minhas discussões negociando bancos e decidiu me presentear:

O negócio da GTS e do KA poderiam servir de exemplo para confirmar a opinião dos que me consideram impulsivo e sem juízo. Eu discordo, me considero decidido. Quando vejo algo que quero, não olho mais para o lado. Assim foi quando certa noite fiz uma proposta de casamento após alguns poucos minutos de conversa. Embora pudesse soar como um maluco, insisti e em poucos dias estava namorando. Em poucos meses mobiliando um apartamento e formalizando aquele pedido de casamento. Afinal, que dúvida restava quando em nosso primeiro encontro fui deixado para trás, comendo poeira de um Clio 1.6 e em um dos encontros seguintes teria caroneira na pista em Guaporé:

  • 99% dos Proprietários de Puma eram do sexo masculino.
  • 67% dos Proprietários de Puma eram solteiros.
  • 4% dos Proprietários de Puma, somente, se encontravam em uma faixa etária superior aos 40 anos de idade.
  • 93% dos Proprietários de Puma eram extremamente satisfeitos entre os quais 16% compraram um segundo modelo (GTE ou GTS), 18% jogaram seus outros carros fora, 82% das propostas recebidas por seus carros eram acima do preço de tabela e, imagino eu, maleducadamente rejeitadas.
  • 100% dos Proprietários de Puma, consequentemente, não se encaixavam no perfil material de relacionamento.

Relacionamentos precisam de transparência e por isso, com cuidado, precisei endereçar o elefante na sala. Confessei de uma vez meu segredo: sou Pumeiro. Seria praticamente um relacionamento a três. Contei tudo sobre a GTS. Desde então, minha esposa se refere ao carro como “a filha”. Visitou a oficina onde a Puma estava, se tornou amiga do restaurador e sua esposa, tomávamos os quatro café na oficina, acompanhava todo o projeto comigo e passou a participar de cada decisão.

O XR, enquanto isso, encontrou seu habitat em nossos passeios cada vez mais frequentes a uma região serrana. Não havia um final de semana sequer sem subir e descer serras sobre-esterçando sem parar. A necessidade de pequenos ajustes surgiam aos poucos. Começou com um jogo de Potenza G3, passou pelo interior com instalação de som da versão MP3, além de bancos de couro. Logo mais, ganhei da namorada um espelhamento até que inevitavelmente o bom senso perdeu a briga.

Um 4×1 direto em Inox trouxe mais torque e mais barulho excessivo também. Levou naturalmente à um CAI e seriam necessárias algumas aplicações de termotape devido a constantes sobreaquecimentos que surgiriam. Comecei a pensar em comandos Steve Wyndham Racing. Não me controlo. O alarme soou. Mas posso ser culpado?

O XR foi um dos carros mais incríveis que já dirigi. Gostávamos muito do carro e minha esposa dirigia ele como se o tivesse roubado. Não lembro bem a razão, não lembro se foi após dividir curvas com um Si de um amigo ou se precisava de um carro ‘pronto’ para frear a distração que o KA estava provocando em relação à GTS. Mesmo assim, em determinado momento decidi substituir aquele pequeno notável azul por um Honda Civic Si que era, literalmente, endemoniado.

Puma Killers no.2 e no.3 – The Devil (literalmente) e The Italian

Meu Si era possuído. Por mais cético que eu seja, não estou tentando exagerar aqui, o carro era possuído realmente. Quando saí com o carro da revenda, mal podia acreditar no que estava dirigindo. A posição de dirigir, a rigidez da suspensão, a tolerância a rolagem de carroceira, os bancos, o interior, tudo era perfeito. Nada, absolutamente nada, precisa de melhorias em um Civic Si. Bem, à exceção de Eibach pois não faz sentido um carro sem Eibach.

Nunca precisei de Hondata nem de qualquer fôlego adicional pois não queria suavizar o VTEC kick. É inexplicável as sensações, o som quando o regime de giro muda no segundo perfil do comando. O Civic não era um carro comum. Sempre me senti dirigindo uma jóia, uma obra de arte. Posteriormente, teria a oportunidade de dirigir superesportivos e aquele wow factor especial que carros incríveis proporcionam ao simplesmente sentar no banco, também está ali em um Si.

Meu Si era ridiculamente mimado. Nunca viu nada senão Podium. Somente era calçado com pneus UHP (RE050, S-Drive, Advan V105), o que havia de melhor. Finalmente atendia o que tanto buscava, perfeição. Não sentia necessidade de mudar nada, absolutamente nada. O carro era tão especial que nunca consegui o dirigir simplesmente virando a chave e focando no destino.

Não saía de Si para comprar pão, saía de Si e com sorte lembrava do pão. Ao sentar nos bancos pela milésima vez, sempre olhava tudo, admirava cada detalhe e me considerava privilegiado pela oportunidade de usufruir da experiência que me abismava todas as vezes. Tirar o Si da garagem e ir trabalhar era um evento. Tudo naquele carro era um ritual.

Apesar de como posso soar, isso não é um elogio. A minha relação com o Si não é a mesma daquela com um carro de dia-a-dia. Entretanto, o Civic era sim meu carro de trabalho. O sentimento de estar dirigindo uma jóia sobre rodas me estressava. Eu ficava nervoso quando outros carros se aproximavam, não gostava de motos ao meu redor e me tornava apreensivo na chuva. O carro era excessivamente firme para uso diário.

Eu tomava rotas absurdas para evitar ruas de paralelepípedo ou com qualquer buraco. Ah os buracos. Desenvolvi pressão alta por conta deles. Se precisasse visitar amigos morando em regiões cujo acesso se dava por trechos curtos de estrada de chão, não ia. Neguei inúmeros convites para qualquer confraternização sem acesso possível por asfalto perfeito. Minha relação com aquele carro definitivamente não era saudável. Longe do asfalto impecável, a verdade é que dirigir o Si me amedrontava tanto quanto aquele Opala do meu avô.

Apenas nos finais de semana de subidas de serra eu podia relaxar. O tapete perfeito, as curvas que o carro tanto gostava e o kick do VTEC ao ultrapassar serra acima em espaços impossíveis traziam do Si tudo que ele podia oferecer. O manual informava 192cvs apenas. Eu duvidava. Futuramente, um dinamômetro comprovaria mais de 200cvs provavelmente devido à sorte ou ao prolongado uso de Podium. O Si se tornou o Touge Car noturno pois somente na madrugada não haviam inquietantes obstáculos ao meu redor.

Paradoxalmente, dirigíamos o Si com muito menos vigor que fazíamos com o XR. A baixa velocidade tornava o Honda um pouco desconfortável. As seis marchas pediam trocas constantes no trânsito em um carro com embreagem bastante pesada. Me mantinha na esquerda, não era agressivo e somente aumentava a velocidade quando possível. Minha esposa preferia o torque instantâneo do câmbio ultra curto do Ford e também sentia falta das facilidades trazidas por carrocerias diminutas de Hot Hatches.

https://giphy.com/gifs/car-chaos-BrjUaZZyLNPu8

Para ela, o Si era um trambolho. Para mim era um míssil muito especial que não deveria ser disparado em qualquer lugar e situação. Minha esposa passou a acreditar que não era o nosso perfil de carro, não era o nosso XR que provocava sorriso de orelha a orelha o tempo todo em todo o lugar. Ela decidiria recuperar aquele ‘Hot Hatch Experience’ buscando incansavelmente por um substituto perfeito. Depois de muito tempo procurando, chegava em casa nosso outro bebê. O sensacional Fiat 500 SportAir com pacote Premium de sete airbags, som Bose e teto panorâmico. Segue sendo um filhote pois o novo pequeno notável anda calçado de UHPs quase semi-slick, só conhece Motul e Militec, é refrigerado com Inugel e com Mocool, e recebe dela tanto mimo quando o Si recebia.

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Foi justamente em uma dessas situações com o Si enquanto mantinha o míssil contido e domado que o capeta encarnado no carro se manifestou. O carro foi roubado. Felizmente, ou infelizmente, foi logo recuperado. Aquela pintura renascentista, como eu o via, não era mais impecável como eu o mantive. Acionei o seguro, a seguradora faliu. Usei persuasão diplomática, decidiram pagar substituição de rodas, bandejas, suspensão e pneus sem impedir a desagradável sensação de ter seus bancos usados por alguém sem sua autorização. Nunca mais fui o mesmo com o carro, mas insistia nostálgico em recuperar o encantamento perdido.

Os novos pneus não atendiam minhas especificações de mimo e resolvi fazer uma viagem para substituí-los por novos RE050 Run-Flat. Retornando, peguei pista livre e resolvi me reencontrar com o VTEC. Uma pedra trincou o para-brisa. Acatei por poucos minutos o pedido para relaxar mas logo tentei tentei liberar o VTEC da jaula mais uma vez. Um buraco na pista estremeceu o carro e causou a quebra de ponta a ponta do para-brisas trincado. De volta à cidade, para-brisa substituído, quis espantar a falta de sorte visitando nosso templo, as curvas da serra de meu Touge noturno. Uma pedra quebrou a roda e rasgou meu run-flat recém comprado.

Problema resolvido, carro na minha mão, saí para trabalhar e ao meio-dia, almoçar. Uma CG125 em alta-velocidade, vindo do acostamento, se chocou com minha lateral traseira projetando o motociclista ao ar no que parecia ter sido um acidente fatal. Vivo, o motociclista caiu em pé, partiu em disparada enquanto um automóvel surge tentando atropelá-lo. Era um caso de marido traído tentando homicídio que terminaria com BO, acionamento de seguro e meu Si cada vez menos imaculado, parado outra vez.

Dado meu perfeccionismo com o carro, a pintura seria refeita seis vezes. Isso mesmo, reprovei o serviço em cinco oportunidades. Na sexta, desisti. Foram meses de tentativa mal sucedidas para recuperar a perfeição de antes. Triste, saí com o carro, resistindo a ideia de permitir que minha ex-jóia se fosse. No caminho, um Del-Rey vindo da pista a minha esquerda tentou converter à direita cortando a frente do Civic e provocando outro acidente. Era surreal, parecia uma piada de mal gosto. Sequer cobrei ou pedi telefone. Mandei sair da minha frente e parei o carro no hospital novamente.

Serviço terminado, ignorando a qualidade da pintura, aceitei ainda que bastante contrariado, estacionar em uma concessionária Mitsubishi e testar um Lancer GT. Completei o test-drive com expressão deprimida. Não adianta testar um carro, por melhor que seja, com a cabeça fechada repetindo a si mesmo “não é meu Si”. Voltei chateado para o Honda e quando me aproximo, adivinhem: bateram no Si parado! Era a gota d’água. Eu ria, simplesmente ria. Antes cético, estava finalmente convencido de que se tratava de um fenômeno sobrenatural. O Little Bastard, ou Christine japonês, era decididamente possuído. Não podia mais dirigi-lo e o encostei em um estacionamento enquanto voltava a procurar um novo Daily-Driver para substituir o meu Eleonor nipônico.

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Acabaram as distrações, é a hora da Puma

E a GTS, onde fica? Boa pergunta. Assim como quase esqueci dela agora relembrando a possessão do assaSIno, assim também foi na época. Eu esquecia que ainda estava restaurando o carro por quatro anos. Além do mais me distraí com o XR, com o Si, com o 500, apartamento novo, com a vida. Encostar o Si foi excelente nesse sentido pois decidi montar o que estava pronto na Puma e ligar o motor no estado em que estivesse. O Dinaci era um bom mecânico básico mas não era um entusiasta de customizações. Não soube montar meus coletores Sportsystems e acionamento invertido de minhas Solex 40 de Opala a la PUMAKIT. Optei por reinstalar o solequinho simples e regularizar as modificações de cor no DETRAN:

Após quatro anos parada, era a primeira volta na rua. E que dia foi aquele! Que saudades estava do carro. Ainda era um 1600 cansado com carburação inadequada porém com um interior e painel – de qualidade duvidável – refeitos, chassis restaurado, novos freios, bancos e iluminação. O carro estava lindo. O que veio depois, fica para o próximo capítulo pois, afinal, com a Puma fora do estaleiro como iria guardá-la em um apartamento? Contarei a história de mais um novo projeto relacionado a GTS além de outro Puma Killer. Até lá!