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História Zero a 300

Quando Dan Gurney, o herói americano, estreou a campanha de lançamento do Toyota Supra

Recentemente dedicamos algumas páginas ao Toyota Supra, que é o assunto quente do momento graças à iminente chegada da quinta geração. Também falamos sobre Dan Gurney – mais especificamente, sobre o dia em que ele foi até o Reino Unido e levou consigo um Chevrolet Impala para mostrar aos ingleses que podia derrotá-los nas pistas com um “muscle car” praticamente original de fábrica.

Hoje vamos juntar os dois: o Toyota Supra e Dan Gurney. Isto porque, na década de 1980, o herói americano gostou tanto da segunda geração do esportivo que até foi a estrela da campanha de lançamento do carro em uma série de comerciais tipicamente oitentistas. Mais do que isto: Dan Gurney a popularizar o Supra no mercado americano, e seu relacionamento com a Toyota levou a uma parceria de sua equipe de corridas, a All American Racers (AAR), que não se importou em deixar de ser all american com a fabricante japonesa.

Eram comerciais divertidos e hoje bastante datados, que transbordavam a estética dos anos 80 hoje tão popular na Internet (vide o movimento synth/retrowave), com a música eletrônica e os elementos tridimensionais em wire frame. E, claro, a exaltação de tecnologias que na época estavam apenas começando a chegar ao mercado automobilístico em massa, como comando duplo no cabeçote (que já existia desde os anos 1930, mas era exceção, e não regra), injeção eletrônica multiponto, painel digital (opcional), freios a disco e suspensão independente nas quatro rodas. Até mesmo diferencial de deslizamento limitado.

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Dan Gurney cita cada uma destas partes com visível empolgação. E ainda faz uma referência ao livro The Right Stuff, de Tom Wolfe, que relatava os últimos anos do programa espacial norte-americano e foi transformado em filme homônimo em 1983 (no Brasil, lançado como Os Eleitos).

Em uma tradução livre, the right stuff pode ser “o que é preciso”: enquanto os astronautas tinham the right stuff, em termos de características físicas e psicológicas, para ir ao espaço; o Toyota Celica Supra tinha the right stuff para ser um excelente esportivo.

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O Toyota Supra nasceu em 1978 como uma versão fastback e esportiva do Celica, e logo no ano seguinte chegou aos EUA. Era movido por um seis-em-linha com comando simples no cabeçote, 2,5 litros e 110 cv, o 4M-GE. Com uma potência modesta, ele fazia mais a linha “esporte-fino”, com visual relativamente conservador e acerto de suspensão mais macio e confortável.

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A segunda geração (acima) foi lançada em dezembro de 1981 nos Estados Unidos, e era um carro bem mais interessante. O motor agora era o 5M-GE, de 2,8 litros, com comando duplo no cabeçote e injeção Bosch L-Jetronic. Entregava 145 cv a 5.200 rpm e 21,4 mkgf de torque a 4.400 rpm. Não parece muito, mas era mais do que o suficiente para que o Supra MkII fosse de zero a 100 km/h em 9,8 segundos, com máxima de 201 km/h.

Afiado nas curvas graças ao acerto da suspensão McPherson na dianteira e braços semi-arrastados na traseira, feito pela Lotus, o Supra também se garantia no departamento estético: dianteira baixa com faróis escamoteáveis, linhas mais limpas e inspiradas pelos esportivos italianos, como as Ferrari da época, davam um quê de “Magnum P.I.” ao cupê. O interior tinha linhas muito harmônicas e bem desenhadas, ergonomia exemplar (os bancos tinham até ajuste lombar) e um quê tecnológico com o equalizador digital para o rádio.

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Dan Gurney já havia participado das gravações do comercial de lançamento da primeira geração do Supra nos EUA, em 1979. No entanto, aparentemente só os comerciais feitos entre 1981 e 1985 foram preservados e publicados na internet.

Achamos interessante (além, é óbvio, da presença de Dan Gurney) por conta do contexto: no fim da década de 1970, já distantes da memória da Segunda Guerra, os esportivos japoneses eram mais aceitos pelo público norte-americano, oferecendo a tecnologia, o desempenho, a economia de combustível e a robustez mecânica que as ofertas locais simplesmente não conseguiam oferecer. Dan Gurney, que na década de 1960 ajudou a cimentar a reputação do automobilismo norte-americano no resto do mundo, de repente estava ao volante de um Toyota Celica Supra acertado pelos ingleses e dizendo que o carro tinha the right stuff.

E o que aconteceu? O Celica Supra MkII foi um sucesso instantâneo, pois o piloto que era o herói de muitos entusiastas — em especial os mais jovens, que o viam como inspiração —, o havia aprovado. Hoje o Celica Supra MkII é visto como um colecionável com preço em ascensão, custando entre US$ 10.000 e US$ 15.000. É mais ou menos metade do que custa nos EUA um Porsche 911 964 fabricado no fim dos anos 80, para te dar uma base.

Mais do que isto: a parceria entre Dan Gurney e a Toyota culminou em um contrato com a All American Racers, selado em 1983. A estreia aconteceu no campeonato de turismo da IMSA, na categoria GTU, ainda naquele ano.

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O carro, batizado Toyota Celica AAR GTU, era feito com base no monobloco de aço do Celica e utilizava o mesmo arranjo de suspensão (devidamente calibrado para as pistas, claro) e um quatro-cilindros de 2,1 litros naturalmente aspirado de 300 cv, acoplado a uma caixa manual de cinco marchas. A carroceria, porém, era de fibra de vidro com para-lamas widebody e desenho aerodinâmico. O projeto incluía também um difusor oculto, atrás do para-choque dianteiro e entre as rodas, que ajudava a estabilizar a dianteira em alta velocidade e acabou se tornando o trunfo da equipe.

Dan Gurney àquela altura não pilotava, sendo “apenas” o dono, presidente e CEO da AAR. Seus pilotos, entre eles Chris Cord, Willy T. Ribs e Dennis Asae, conquistaram com o Celica AAR GTU oito vitórias e 13 pole positions nos três anos em que correram com ele.

A geração seguinte do Celica, lançada em agosto de 1985, foi a primeira com motor transversal e tração dianteira. Embora as regras do campeonato de turismo da IMSA fossem bastante liberais quanto ao motor utilizado, a suspensão e às modificações na carroceria, o regulamento vigente na época dizia que os carros de competição precisava manter o monobloco e a configuração mecânica. Para Dan Gurney isto era claramente um problema, então a AAR apresentou junto a organização um pedido para reconsiderar as normas. E, para a surpresa de todos, o pedido foi aceito.

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Com a permissão para construir uma estrutura tubular feita sob medida, a AAR colocou na pista o Toyota Celica AAR GTO. Além da tração traseira, o carro utilizava um quatro-cilindros turbo de 2,1 litros utilizado anteriormente na versão de rali do Grupo B, vencedor das edições de 1984 e 1985 do Safari Rally (e depois, novamente, em 1986), com cerca de 480 cv. Graças a um conjunto excelente, incluindo carroceria de fibra de carbono e transmissão acoplada ao eixo traseiro, o Celica GTO da AAR venceu 16 corridas entre 1985 e 1988, ficando com o título em 1987.

O próximo passo foi a categoria GTP, para protótipos-esporte, na qual a AAR competiu com o Toyota Eagle MkIII entre 1991 e 1993. O carro foi projetado por John Ward e Hiroi Fujimori e utilizava uma versão ainda mais potente do motor 2.1 turbo, capaz de entregar 800 cv e de girar a mais de 10.000 rpm.

O Toyota Eagle MkIII é considerado um dos protótipos mais tecnologicamente avançados e bem sucedidos da história da IMSA GT. Em três anos o carro venceu 21 das 27 corridas em que participou, incluindo triunfos em Daytona, Sebring, Laguna Seca e Road America, e ficou com o título em 1992 e 1993. Nos dois anos o piloto campeão foi o argentino Juan Manuel Fangio II, filho do lendário pentacampeão de Fórmula 1.

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