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Rosemary Smith: a incrível história da estilista que virou piloto de rali

Rosemary Smith é uma senhorinha dublinense de 79 anos. Como qualquer senhorinha de quase 80 anos (que ele irá completar em agosto), ela poderia estar em casa, curtindo sua aposentadoria com seus parentes e amigos e fazendo chá e biscoitos para as visitas. Mas em vez disso, ela decidiu aceitar o convite da Renault F1 para ir a Paul Ricard pilotar o R.S.17 de Fórmula 1. Como ela mesma diz “dirigir muito rápido é minha grande paixão”.

Talvez você não saiba ou não a tenha reconhecido, mas Rosemary Smith não é um senhorinha dublinense qualquer. Ela é simplesmente uma das primeiras mulheres a fazer carreira no rali internacional, com 41 provas disputadas e apenas quatro abandonos. Ao longo de sua carreira, ela venceu a competição feminina do Rali de Monte Carlo e do RAC Rally nos anos 1960, além de ter conquistado outras duas vitórias no campeonato irlandês de rali.

A história da sra. Smith com os carros começou em 1951. Filha de um concessionário de carros, ela aprendeu a dirigir aos 14 anos, ensinada por seu pai nas estradas sinuosas próximas à loja da família. Seu interesse por carros, na época, era como o de qualquer adolescente dos anos 1950: eles eram um meio de transporte que garantia a liberdade de ir e vir quando, como e por onde bem entendesse. Por isso, aos 16 anos, em vez de trabalhar com seu pai ou estudar engenharia, ela ingressou na Academia de Moda de Grafton, na capital irlandesa. Sua temporada na faculdade durou apenas seis meses: depois de ganhar um concurso de design ao final do semestre, ela percebeu que a vida acadêmica não combinava com sua personalidade, descolou um emprego em uma fábrica de roupas e trancou a matrícula para “aprender na prática”.

Na fábrica a jovem Rosemary Smith também não durou muito tempo: em três anos ela juntou dinheiro e pediu demissão para abrir seu próprio ateliê de moda, que acabou se tornando a maior boutique de Dublin. Isso ainda nos anos 1950, vejam só.

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Em 1961, entediada em seu tempo livre, ela aceitou o convite de um amigo para participar de um rali local como navegadora. Surpresa: além de boa estilista e empresária, a garota também era boa navegadora. Caramba, onde meu avô estava nessa época?

A vitória no rali despertou o interesse de Rosemary no esporte motorizado. Já com quase 10 anos de prática, a moça decidiu se tornar pilota. Comprou um carro, um Sunbeam Rapier, e fez sua inscrição no RAC Rally. Com um carro zero e original, sem nenhuma preparação, ela terminou em 51º entre os 102 participantes que concluíram o rali. Outros 55 abandonaram a prova.

Sua prova seguinte foi o Rali de Monte Carlo. Sim: o rali mais famoso do mundo. E com o Rapier originalzinho. Embora não tenha conseguido um resultado de destaque, ela conseguiu terminar a prova — algo que 66 dos 313 inscritos não conseguiram fazer. Tendo concluído dois ralis em posições razoáveis — especialmente para uma dupla de mulheres — Rosemary Smith chamou a atenção da Rootes, divisão da Chrysler no Reino Unido e Irlanda, responsável pela produção dos Sunbeam e dos Hillman. A fabricante procurou Rosemary e ela, acreditem, disse que não tinha interesse em continuar disputando ralis. A Rootes insistiu, a srta. Smith acabou mudando de ideia, e assim se tornou pilota profissional, com carteira assinada, férias e tudo mais.

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A primeira corrida como piloto de fábrica foi o Rali de Monte Carlo de 1963, agora com um Rapier preparado para rali. Apesar de toda a estrutura da equipe de fábrica, o resultado não veio: Rosemary acabou se acidentando e precisou ser levada ao hospital. Ficou de molho alguns meses e voltou para disputar o Tulip Rally na Holanda, o Alpine Rally, na França, o RAC Rally no Reino Unido e o Tour de France. Ela concluiu todas as provas, mas só conseguiu um destaque no Tour de France, conseguindo um terceiro lugar na categoria GT 2000 cc, e um décimo lugar na classificação geral — a frente de várias duplas masculinas que não deram muito crédito às duas garotas em um Sunbeam.

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Para a temporada seguinte a Rootes desenvolveu uma versão de rali do diminuto Hillman Imp, um concorrente do Mini. O carro parecia feito sob medida para Rosemary, que encontrou no bichinho sua “máquina gêmea”. Naquele ano ela disputou o Tulip Rally, o RAC Rally e o Rali de Genebra, onde conquistou seu melhor resultado com uma 15ª posição geral.

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Em 1965, já dominando o pequeno Imp, Rosemary superou um estágio marcado por uma nevasca intensa que tirou da disputa nada menos que 205 dos 227 carros participantes e chegou na quarta posição da Coupe des Dames, a competição feminina do rali. Naquele mesmo ano ela venceu o Tulip Rally, sua primeira vitória em um rali internacional, e conquistou uma vitória na categoria GT do Alpine Rally, um quinto lugar geral no Rali da Escócia, e um oitavo lugar geral no Rally KLG do Canadá.

No ano seguinte Rosemary venceu a Coupe des Dames no Rali de Monte Carlo, mas acabou desclassificada após devido a uma suposta infração técnica nos faróis do carro. Rosemary disse que não voltaria ao principado se a decisão não fosse revista. A decisão foi mantida, mas ela voltaria em 1968. Ainda em 1966, ela foi a primeira mulher a disputar o Rali da Acrópole. Em setembro daquele ano, Rosemary vendeu sua boutique em Dublin para se dedicar integralmente aos ralis.

Também naquele ano, Rosemary disse em uma entrevista à revista “Canada Track & Traffic” que já havia noivado cinco vezes e todos os pretendentes se mostravam compreensivos em relação ao seu trabalho pouco convencional para uma mulher. A compreensão, contudo, acabava quando a conversa chegava aos planos de formar família. Todos exigiram que Rosemary abandonasse os ralis. Todos levaram um pé no traseiro.

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Em 1967 Rosemary fez sua última temporada como pilota da Rootes e conseguiu um segundo lugar no Rali da Escócia e um décimo lugar no Alpine Rally. Nos três anos seguintes Rosemary não conseguiu repetir o sucesso dos anos como pilota da Rootes. Ela fez metade da temporada de 1968 pela Porsche, mas não se adaptou ao 911 e foi para a Ford no final do ano.

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Rosemary finalmente se casou em 1969, aos 32 anos, e começou a disputar menos provas a pedido de seu marido. Ela ainda venceu o Rali Internacional Cork 20 com um Hillman Imp e conquistou um sexto lugar no Rali da Escócia com um Escort. Depois, das duas provas locais, Rosemary foi à Copa do Mundo de Rali de 1970, a bordo de um Austin Maxi que a levou ao décimo lugar geral.

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Sem ralis, seu casamento não durou muito tempo. Em 1971 ela estava divorciada e de volta às pistas com um Lancia Fulvia em Monte Carlo, onde chegou em 18º lugar geral. Em 1972 a sra. Smith disputou o RAC Rally com um Ford Escort, mas terminou em 41º lugar. A partir dali ela ainda disputou algumas provas internacionais a convite dos organizadores

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Além de sua carreira nos ralis, Rosemary Smith ainda disputou as 24 Horas de Daytona de 1966 com Smokey Drolet, dividindo um Sunbeam Rapier. Eles chegaram em 30º lugar. Em 1969 a dupla dividiu o volante de um BMW 2002 nas 12 Horas de Sebring, chegando em um 26º lugar geral. No ano seguinte, Rosemary formou uma equipe feminina com Janet Guthrie e Judy Kondratieff para as 12 Horas de Sebring. O carro era um Austin-Healey Sprite praticamente original de fábrica, mas assim mesmo as garotas chegaram em 19º lugar.

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Rosemary nunca deixou de pilotar, sempre participando de provas históricas e marcando presença nos eventos de Goodwood. Ela também preside uma organização independente que promove a educação para o trânsito aos jovens irlandeses.

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Entre os convites que a sra. Smith recebe para pilotar está o “test drive” do Renault R.S. 17, realizado pela Renault em Paul Ricard, na França. Rosemary foi instruída por Jolyon Palmer e deu uma volta no circuito com o monoposto, tornando-se uma das pessoas mais idosas a pilotar um Fórmula 1. Foi só uma volta e em velocidades moderadas, mas quem se importa? A sra. Smith não precisa provar mais nada a ninguém.