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Car Culture

Smokey Yunick e o Chevrolet Chevelle que quase mudou a história da Nascar

Há alguns dias contamos aqui a história do Yellow Banana, um Ford Galaxie “entortado” para melhorar a aerodinâmica — uma modificação que não era permitida pelas regras da Nascar, mas que foi aceita porque a categoria estava em decadência e precisava de espectadores.

Smokey Yunick, filho de imigrantes húngaros que cresceu em uma fazenda e se tornou uma das maiores lendas da Nascar por seu temperamento explosivo e por seu Chevrolet Chevelle — que tinha tanta coisa fora do regulamento que jamais chegou a correr, mas era tão avançado e ousado que jamais foi esquecido seja por quem viveu aquela época, seja por quem só conhece as histórias.

Não é para menos: como você deve lembrar se leu a história do Yellow Banana, naqueles tempos a treta comia solta na Nascar. “Big” Bill France, chefão da categoria, havia banido o motor Hemi 426 da Chrysler por ser competitivo demais e, no ano seguinte, o motor Ford 427 Cammer, com comandos nos cabeçotes, por ser “europeu” demais.

Não eram decisões muito racionais e, naturalmente, houve represálias — a Chrysler e a Ford acabaram boicotando a Nascar, reduzindo muito o interesse do público pela categoria. Sendo assim France voltou atrás — o Hemi 426 voltou à competição em 1966, e o Yellow Banana foi uma forma de tentar fazer as pazes com a Ford. Só um assunto não ficou muito bem resolvido: o Chevrolet Chevelle de Smokey Yunick.

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Este carro é uma lenda sobre rodas, literalmente: há várias histórias que circulam a seu respeito, e não sem razão: envolvido com a Nascar desde seus primeiros anos, Yunick tinha personalidade forte e não levava desaforos para casa. E ele também não tinha pudor nenhum em fazer alguns “truques” com seus carros caso fosse necessário — e, se não fosse por isso, o mecânico e chefe de equipe que vivia com um chapéu de caubói não tivesse acumulado 57 vitórias e dois campeonatos da Nascar ao longo de mais de vinte anos.

A história de hoje, porém, começa em 1963, quando a Chevrolet decidiu que o automobilismo não fazia parte de seu orçamento e cortou qualquer tipo de apoio a equipes de fábrica. Foi ali que começou o domínio da Ford e da Chrysler, que se tornaram rivais ferrenhas em uma competição que deveria ser muito intensa para quem participava dela mas, com duas marcas apenas, era meio entediante para o público. As proibições de 1965 e 1966 só pioraram as coisas, mas se havia alguém isento de culpa nesta história toda, este alguém era Smokey.

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Ele estava entre os únicos (se não fosse o único) que permaneceu fiel à Chevrolet, mesmo sem seu apoio. E foi em meados da década de 60 que ele provou que esta não era uma ideia ruim — pelo contrário.

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Não é o mesmo carro — é so reparar na dianteira, especialmente no para-choque

Em 1967, um de seus Chevelle fez história em fevereiro ao conseguir uma pole position na Daytona 500, com Curtis Turner ao volante. Dois meses depois, o mesmo carro virou história ao bater durante uma das sessões de treinos antes da Atlanta 500 — não sobrou nada do carro, e Turner saiu milagrosamente ileso. Foi aquele o carro que começou tudo: depois que ele foi destruído, Smokey decidiu que faria um Chevelle ainda melhor para o ano seguinte.

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Como ele faria isso? Usando os conhecimentos técnicos adquiridos quando não estava na beira de um oval da Nascar. Nestas horas, ele estava beira de um oval da Fórmula Indy… Sua figura era conhecida nos boxes da categoria de monopostos, e ele passava horas conversando com mecânicos e engenheiros sobre acertos de chassi e suspensão. Para 1968, ele decidiu aplicar seus conhecimentos em um novo Chevelle — um carro que se tornou folclórico e, dizem, foi o bólido da Nascar mais avançado de seu tempo. Tanto que foi proibido de competir. Mas por quê?

É aí que fica um pouco difícil dar respostas. Como este carro nunca correu, há diversas histórias sobre ele que muita gente toma como verdade, sendo que a mais notória delas diz que o carro era, na verdade, uma réplica em escala 7/8 sobre um chassi feito sob medida. Não é verdade — ao menos a parte da escala.

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De qualquer forma, em 1968 o regulamento da Nascar estava voltando a ficar mais permissivo para o bem da competição, mas o carro de Smokey era absurdo: em vez de usar um chassi de Chevelle ou mesmo Ford ou Chrysler, como era comum até entre carros que, supostamente, eram de outras marcas, Smokey construiu um chassi sob medida, com diversas alterações na suspensão e medidas ligeiramente alteradas para melhorar a aerodinâmica e a distribuição de peso, e colocou os painéis de metal da carroceria de um Chevelle 1966.

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Smokey trabalhou no carro durante todo o inverno de 1967 a fim de que ficasse pronto antes do início de fevereiro do ano seguinte, quando aconteceria a Daytona 500. Semanas antes da corrida, Smokey ligou para Big Bill, disse que estava fazendo um carro novo e perguntou se não haveria problemas na hora da inspeção. Bill garantiu que não.

No dia marcado, porém, a situação foi outra — dizem que havia pelo menos dez irregularidades no carro e que os fiscais chegaram a impedir Smokey de abastecê-lo para que ele não pudesse correr. De fato, o carro tinha várias coisas que eram proibidas pelo regulamento ou que simplesmente não se encaixavam nele.

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O assoalho era alisado para auxiliar na aerodinâmica (algo proibido), a suspensão era independente, com um sistema three-link na traseira e braços sobrepostos na dianteira, e era totalmente ajustável nos ângulos de câmber e cáster. Os para-choques eram embutidos na carroceria e todos os furos foram tampados para melhorar a eficiência aerodinâmica. Nada disso era permitido pelo regulamento, que exigia que os carros fossem baseados nos modelos de produção com modificações restritas a reforços estruturais e a instalação de uma gaiola de proteção, basicamente. Smokey fez outro carro, e Big Bill France não podia tolerar isto.

Uma pena, pois o carro tinha uma postura totalmente agressiva e belas cores — ver o Chevelle preto e dourado acelerando pelos ovais americanos poderia ter sido incrível.

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Em vez disso, quase foi a receita para um desastre: Smokey pegou o carro, colocou no trailer e saiu dirigindo alucinadamente pelas ruas de Daytona Beach, determinado a ir até o circuito. No meio do caminho ele mudou de ideia e foi para sua oficina, a Smokey’s Garage, que mantinha desde 1947.

Como conta Bob Bolles, da revista Hot Rod, France deve ter adivinhado, pois chegou minutos depois — e quase foi atingindo por uma marreta atirada por Smokey. Por sorte, a ferramenta acertou apenas o Pontiac novinho de France, que entrou nele e saiu dirigindo.

Smokey contou a Bolles que, semanas depois, recebeu uma carta de desculpas da parte de Bill, acompanhada  de um cheque de US$ 1.500 para “cobrir despesas”. Sabem o que ele fez? Pegou o cheque, foi ao banheiro, limpou-se usando o papel e enviou o cheque de volta. Ou ao menos foi o que ele disse.

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Décadas depois os carros da Nascar começaram a usar chassis feitos sob medida e “bolhas” que lembravam as carrocerias do modelo de produção. Em certo ponto, o carro de Yunick era muito mais stock do que os que hoje competem — o que nos faz pensar: como eles estariam hoje caso France tivesse aberto uma brecha para o Chevelle de Smokey em 1968?