FlatOut!
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Projetos Zero a 300

Tem um motor V10 Honda de Fórmula 1 à venda – mas o que daria para fazer com ele?

Mesmo com tantas regras sem sentido do ponto de vista entusiasta, que a tornam um espetáculo bem menos interessante do que poderia – motores turbo com giros limitados, elementos de design obrigatórios que deixam os carros feios, este tipo de coisa – a Fórmula 1 ainda é a categoria mais importante e mais avançada do automobilismo. E é por isso que, quando um motor de F1 aparece à venda, todo mundo fica pensando nos projetos malucos que faria. Mesmo que, na prática, não dê para fazer muita coisa com um motor de Fórmula 1 totalmente original.

Anunciado no site Racecars Direct há um V10 Mugen-Honda de Fórmula 1, usado em 1993 e 1994 de acordo com o anúncio. Não há muito mais sobre o motor, apenas algumas fotos e os dados para contato. Decidimos, então, investigar um pouco mais a respeito.

O motor foi anunciado por uma oficina italiana chamada Officina Caira, cujo site ainda está em construção, mas diz que eles são especializados em componentes e manutenção de carros de Fórmula 1 antigos. Na página dos caras no Facebook há alguns vídeos gravados durante um Ferrari Corse Clienti (evento para donos de bólidos da Scuderia que já se aposentaram das pistas e agora só são guiados por diversão em circuitos do mundo todo) onde provavelmente a Officina Caira estava dando suporte. Só por aí dá para sacar o nível deles.

Pois bem: o V10 MF-351 da Honda foi usado por algumas equipes diferentes na Fórmula 1. Na época, a própria Honda não participava mais da categoria como construtora (como foi nos anos 60, e depois nos anos 2000) apenas fornecendo motores para times como Footwork, Ligier, Jordan, Lotus e Prost, por exemplo. No entanto, diferentemente dos motores usados pela McLaren entre 1988 e 1992, este V10 não era fabricado pela Honda, de fato, e sim pela Mugen – a preparadora que foi fundada pelo filho de Soichiro Honda, Hirotoshi Honda, em 1973. Apesar de ser tudo em família, a Mugen nunca pertenceu oficialmente à Honda, operando sempre de forma independente – mesmo depois depois que Hirotoshi Honda tornou-se acionista majoritário da fabricante.

O que não impediu o motor de trazer estampado nas tampas de válvulas o emblema “MUGEN-HONDA” – o que provavelmente ajudava a usina a ser vista com mais carinho pelas equipes. Em sua configuração mais potente, usada pelo Lotus 109 de 1994, o MF-351 deslocava exatos 3.500 cm³ e girava a 13.500 rpm para entregar 725 cv, acoplado a uma caixa semi-automática de seis marchas da XTRAC (a mesma utilizada em alguns carros de rali da época, aliás).

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O Lotus 109 foi o último carro de Fórmula 1 da Team Lotus original antes da falência, e colocou fim em uma carreira de quarenta anos, que durou entre 1954 e 1994

Por mais que seja um motor de “segunda linha” e já tenha seus mais de vinte anos; além de ser obviamente diferente dos motores usados pela McLaren; ainda é um motor de Fórmula 1, cazzo. E à venda por 10.000 euros! Isto dá cerca de R$ 37.500 em conversão direta – não é muita coisa, se pensarmos bem. Te deixa com a cabeça cheia de maldades, não? “Ah! Imagina só este motor em um Honda S2000! Ou então em um Civic Si. E que tal um Honda NSX com ele?”

Então, pessoal, é o seguinte: não iria rolar. Ao menos não para usar na rua.

Um motor de Fórmula 1, mesmo um dos piores, ainda é feito para trabalhar em um regime muito mais agressivo que um motor de rua. Ele foi feito para durar apenas algumas provas, e é todo dimensionado para girar alto em um carro rápido. Qualquer uso diferente (incluindo um track day) seria muito prejudicial para o motor.

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Para começar, um V10 como este trabalha com folga quase zero – em temperatura ambiente, sem dilatação de seu bloco, ele é praticamente travado. É preciso aquecê-lo até cerca de 60 graus antes de dar a partida para não danificar seus componentes (veja mais aqui), e até mesmo o fluido de arrefecimento é injetado aquecido. Depois, é preciso girar o motor desligado para que seus fluidos de arrefecimento e lubrificação circulem. A marcha lenta é de cerca de 4.000 rpm e o motor não usa volante. Sem a inércia do volante, o motor morre com muita facilidade e pode até danificar permanentemente a embreagem por conta do superaquecimento. Em suma, qualquer aplicação que não seja extrema como a de um carro de Fórmula 1 seria prejudicial para o motor.

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Mesmo a utilização em um carro de turismo exigiria diversas modificações. Seria preciso um novo controle eletrônico, e um novo trem de válvulas para reduzir a faixa de rotações do motor para menos de 10.000 rpm — porque o sistema de arrefecimento também não daria conta. Por isso também talvez seja preciso modificar o bloco aumentando as galerias do sistema de resfriamento. A embreagem precisaria ser modificada e seria preciso instalar um volante inercial com maior massa. Quer colocar este motor em um roadster de rua que vinha de fábrica originalmente com um quatro-cilindros de dois litros? Pode apostar que há muito mais empecilhos que o tamanho.

Assim, este motor seria mais adequado a um protótipo de endurance ou a um dos supercarros de subida de montanha, tão comuns na Europa.

O piloto suíço Reto Meisel tem um V8 Judd do final dos anos 1980, semelhante ao usado pela March Leyton-House, instalado em um Mercedes-Benz 190E amplamente modificado. Não há muitos detalhes em seu site oficial, mas as fotos entregam que o motor teve seus coletores de escape e admissão modificados para ser usado em subidas de montanha. Além disso, a ficha técnica fala em 9.990 rpm como velocidade máxima do motor (quase 4.000 rpm abaixo de seu limite original na F1) e o torque é de 400 Nm (40,7 kgfm; pouco mais que os 30 kgfm dos F1 da época), o que também indica a modificação no fluxo de ar do motor.

Quem fez algo parecido foi o piloto Georg Plasa, que morreu em 2011 ao volante de seu BMW Série 1 cupê com motor V8 Judd. Só que havia um porém nesse caso: tratava-se de um motor de 3,4 litros que foi projetado para a Fórmula 1, porém adaptado para protótipos-esporte – ele ficou menos potente e menos girador. Ou seja: é uma possibilidade, sim, mas não é fácil.

Ou seja: na prática, gastar quase R$ 40.000 por um motor de Fórmula 1 achando que vai consegui colocá-lo em um project car é meio ingênuo. A não ser que você tenha um carro de F1 pronto para recebê-lo, este V10 será meio inútil. Sabendo disto, qual seria seu destino para ele?